Os benefícios tributários aplicáveis aos direitos autorais

A dificuldade inicial que se coloca para a análise dos benefícios tributários aplicáveis aos direitos autorais está no fato de não haver uma legislação única que cuide do tema. Na verdade, ocorre o contrário. As normas legais que tratam do assunto encontram-se dispersas pelos atos legais que compõem a legislação tributária.

Portanto, é preciso que o leitor seja previamente alertado de que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar o assunto, o que só será possível em trabalho que demandará maior fôlego de pesquisa e discussão. Assim, comentaremos alguns exemplos de benefícios tributários aplicáveis ao universo dos diretos autorais, dentre aqueles mais interessantes e com maior aplicabilidade prática.

No que tange ao Imposto de Renda – IR, os direitos autorais são tratados de forma específica em não mais do que seis artigos do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de Março de 1999 (“RIR/99”).

Com relação às pessoas físicas, destaque para os artigos 45, VII, e 52, IV do RIR/99.

O inciso VII do artigo 45 do RIR/99 determina a incidência do IR sobre os rendimentos decorrentes do trabalho não assalariado, tais como, os direitos autorais de obras artísticas, didáticas, científicas, urbanísticas, projetos técnicos de construção, instalações ou equipamentos, quando explorados diretamente pelo autor ou criador do bem ou da obra.

Por sua vez, o inciso IV do artigo 52 do RIR/99 regula a tributação dos rendimentos auferidos com o uso, fruição ou exploração de direitos autorais nas hipóteses em que o beneficiário dos rendimentos é um terceiro que não seja o próprio autor ou criador da obra.

Em ambos os casos, incidirão sobre os rendimentos auferidos pela pessoa física no exercício de direito autoral, seja pelo próprio autor, seja por um terceiro que detém os direitos de exploração, as alíquotas progressivas de 15% e 27,5%, conforme o valor dos rendimentos auferidos pelo contribuinte.

Contudo, se o beneficiário for residente no exterior e ocorrer o pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa dos rendimentos, da fonte pagadora no Brasil para o exterior, a alíquota do IR aplicável será, regra geral, de 15%. A exceção se dá nos casos em que o beneficiário seja residente em “Paraíso Fiscal”, assim entendido o país que não tributar a renda ou tributá-la à alíquota máxima de 20%. Nesta hipótese, a tributação terá a incidência da alíquota de 25% (a lista atualizada dos Paraísos Fiscais pode ser verificada através da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 188, de 2002 – IN SRF nº 188/02).

Importante ressaltar que nos casos de remessa ao exterior se faz necessário observar a existência de Acordos, Convenções e Tratados Internacionais celebrados pelo Brasil, em matéria tributária, com outros países.

Exemplificativamente, podemos citar dois casos. A Convenção Internacional Brasil-Espanha, pela qual, as remessas ao exterior para obtenção de direitos de tradução, publicação e comercialização de obras literárias estrangeiras sujeitam-se, além da alíquota de remessa padrão (15%), a uma alíquota de 10% no Brasil, se forem efetuadas a seus efetivos beneficiários residentes na Espanha.

Ocorre o mesmo com as remessas deste tipo para a Itália, por força da Convenção Internacional Brasil-Itália. A diferença é que a incidência extra de IR retido na fonte é maior do que o caso espanhol, havendo a previsão de uma alíquota adicional no Brasil de 15%.

Conforme vimos, a legislação do imposto de renda pátria pretende tributar os rendimentos auferidos com direitos autorais, em linhas gerais, com base na incidência de alíquotas progressivas, restando como exceção mais evidente a remessa ao exterior que, regra geral, sofre a incidência na fonte de alíquota fixa (15%).

Em termos práticos e gerais, podemos afirmar que há, no sistema tributário nacional, duas formas básicas de tributação da renda auferida pelas pessoas físicas.

A primeira delas é a “tabela progressiva”, que recebe este nome por estabelecer em uma tabela, as diferentes alíquotas (15% e 27,5%) aplicáveis conforme o valor do rendimento auferido, bem como os valores da dedução do imposto permitida, também variável conforme o nível de rendimento da tabela no qual se encontra o contribuinte.

A outra forma de tributação pelo imposto de renda das pessoas físicas — IRPF — é a que incide sobre o ganho de capital auferido na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza.

Há duas diferenças básicas entre as duas sistemáticas de tributação. A primeira delas diz respeito ao caráter definitivo (ou não) da tributação. A tributação pela tabela progressiva é, via de regra, considerada uma antecipação do efetivamente devido no final do período, que ocorre em 31 de dezembro de cada ano. Assim, a legislação permite ao contribuinte que compense o valor tributado ao longo do ano pela tabela progressiva com o valor que apura na Declaração de Rendimentos que é obrigado a, todo ano, entregar à Secretaria da Receita Federal — SRF — no final do mês de abril do ano subseqüente.

Por sua vez, a tributação do ganho de capital é definitiva, ou seja, o contribuinte não pode abater o valor pago a título de “IR — Ganho de Capital” com o valor que irá apurar na Declaração de Rendimentos.

Em função desta primeira diferença, surge a segunda diferença, qual seja, o percentual de alíquota aplicável a cada caso. Na tributação pela tabela progressiva, os rendimentos sofrerão a incidência da alíquota de 15% para os rendimentos mensais entre R$ 1.058,00 e R$ 2.115,00. A partir de R$ 2.115,00, os rendimentos sofrem a incidência de uma alíquota de 27,5%. Por sua vez, a alíquota aplicável sobre os ganhos de capital é de 15%, não importando o valor do ganho de capital auferido.

A conclusão a que se chega é que, conforme o caso específico do beneficiário dos rendimentos de direitos autorais, será mais interessante auferir ganho de capital do que rendimento sujeito à tabela progressiva, uma vez que o contribuinte sofrerá uma carga tributária de 15% no primeiro caso, muito menor do que uma carga tributária de 27,5% (conforme a faixa de rendimento auferido), ainda que lhe seja vedado abater tais valores do montante apurado na declaração de rendimentos.

Pois bem, o leitor deve se perguntar como poderia ser aplicada a alíquota de ganho de capital, se o RIR/99 fala expressamente em “direitos autorais” e prevê a eles um tratamento que, regra geral, é fundado na tabela progressiva.

Em que pese esta expressa determinação legal, veremos que não é tão simples definir qual das duas hipóteses deve ser aplicada aos rendimentos auferidos com direitos autorais. A complexidade decorre da própria dificuldade de conceituação dos direitos autorais.

Como o conceito de direito autoral não é tributário, se faz necessário buscá-lo em outro ramo do direito, em observância ao princípio consolidado no Código Tributário Nacional — CTN, pelo qual o direito tributário não pode dar a instituto não tributário, sentido ou definição diverso daquele que já foi dado pelo ramo de direito próprio do instituto.

A dificuldade se agrava quando se verifica que o conceito de “direito autoral” não encontra consenso entre os próprios estudiosos da matéria, que se dividem sobre a sua inserção em uma das categorias dos direitos privados (pessoais, obrigacionais ou reais). Como conseqüência, os direitos autorais são considerados sui generis.

Inobstante a complexidade de sua conceituação, muitas são as formas jurídicas existentes para permitir a transferência do direito autoral, viabilizando sua exploração.

Neste sentido, o artigo 49 da Lei nº 9.610/98, norma regulamentadora dos direitos autorais (LDA), prevê que os direitos do autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, como ocorre, por exemplo, no contrato de cessão de direitos autorais.

Nesta hipótese, é possível verificar que há um ajuste perfeito entre o que prevê a legislação que cuida da matéria com a hipótese prevista pela legislação tributária, qual seja, alienação de um bem ou direito de qualquer natureza, conforme as palavras textuais do artigo 117 do RIR/99, que trata da tributação pelo IR sobre o ganho de capital.

O parágrafo 4º do artigo 117 do RIR/99 determina quais são as operações que devem ser tributadas a título de ganho de capital, determinando que, “na apuração de ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.”

Conclui-se, portanto, que não é tão clara e tranqüila a definição do regime de tributação a que estarão submetidos os acréscimos patrimoniais obtidos através da exploração econômica dos direitos autorais, uma vez ser plenamente defensável que os rendimentos obtidos com tais direitos constituam ganho de capital tributado pela alíquota de 15% e, portanto, de forma menos gravosa para o contribuinte.

Para tanto, é fundamental cuidado e análise esmerada quando da elaboração do(s) contrato(s) para celebração da cessão dos direitos autorais.

No que tange às pessoas jurídicas, o RIR/99 permite que o capital aplicado na aquisição de direitos autorais seja amortizado, para fins de recuperação deste investimento, como custo dedutível para apuração do lucro real (base de cálculo do imposto de renda pessoa jurídica – IRPJ). Ademais, o RIR/99 também permite que os gastos com aquisição de direitos autorais sejam admitidos como despesa de publicidade (dedutível do lucro real), desde que diretamente relacionados com a atividade explorada pela empresa adquirente, e desde que respeitado o período de competência.

Ainda no que diz respeito às pessoas jurídicas, mas agora tratando de outro tributo, verifica-se que o Decreto Lei nº 406, de 31.12.1968, o qual estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis ao imposto sobre operações relativas a circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza – ICM (atual ICMS) – permite que as empresas produtoras de discos fonográficos e de outros materiais de gravação de som possam abater, do montante do ICMS, o valor dos direitos autorais, artísticos e conexos, comprovadamente pagos pela empresa, no mesmo período, aos autores e artistas, nacionais ou domiciliados no país, assim como seus herdeiros e sucessores, mesmo através de entidades que os representem.

O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), em 13 de setembro de 1990, celebrou o Convênio nº 23 para regulamentar o direito a este abatimento. Em sua redação atual, o Convênio determina que o aproveitamento do crédito deve se dar até o segundo mês subseqüente ao mês em que foi realizado o pagamento dos direitos autorais e deve estar limitado em até 40% do ICMS devido, a partir de 01º de julho de 2003. Até 31 de dezembro de 2001, as empresas podiam abater até 70% do imposto devido, mas este percentual foi sendo reduzido até se chegar ao limite atual de 40%.

No âmbito previdenciário, verifica-se que o denominado “Regulamento da Previdência Social” (aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06.05.1999) estipula no parágrafo 9º do artigo 214 que não integram o salário-de-contribuição para fins de incidência previdenciária, os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais.

Em âmbito municipal, a análise de benefícios tributários voltados para os direitos autorais se faz ainda mais árdua devido aos mais de cinco mil municípios brasileiros o que, em tese, representa mais de cinco mil legislações próprias!

Assim, a título exemplificativo, citamos o Código Tributário do Município de São Paulo, aprovado pelo Decreto Municipal nº 42.396, de 17.09.2002, cujo artigo 204 permite que o imposto sobre a prestação de serviços de qualquer natureza — ISSQN — não incida nas atividades das produtoras cinematográficas no que tange à cessão de direitos autorais, quando do fornecimento de cópias, renovação de direitos de veiculação ou cessão de negativos, matrizes e contratipos dos filmes de natureza publicitária por elas produzidos.

Conforme já mencionado, uma análise e comentário menos perfunctórios exigem um fôlego maior do que os presentes espaço e momento permitem, mas por se tratar de assunto apaixonante, os autores pretendem aprofundar o estudo do assunto, propiciado pela pergunta do internauta, a quem os autores se colocam à inteira disposição para esclarecimentos de dúvidas.

Nehemias Gueiros Jr é advogado especializado em Direito Autoral e CyberLaw, professor da Fundação Getúlio Vargas (RJ) e integrante do escritório Tostes & Associados.

Nijalma Cyreno Oliveira é advogado do Tostes & Associados, especializado em Direito Tributário pela PUC-SP.

Bruno Brodbekier é advogado do Tostes & Associados Advogados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?