Operadores de Direito enfrentam instabilidade do sistema jurídico

Jeferson Moreira de Carvalho*

Problema que todos os operadores do direito vem enfrentando em nosso país refere-se à instabilidade do sistema jurídico, que vem sofrendo alteração a cada dia que passa. É sabido que a lei deve ser posta em vigor para ter vida longa, não obstante tenha que sofrer as alterações necessárias para acompanhar a evolução do homem; no entanto o que ocorre no Brasil é uma situação diversa.

Diante de casos que chocam a população como, por exemplo, um seqüestro seguido de morte de alguém importante, surgem os pensamentos de alteração de toda a legislação, inclusive da Constituição, como se as alterações legislativas de afogadilho diminuíssem o aumento da criminalidade.

Cabe também observar que a nossa Constituição não é mais a promulgada em 1988. Temos uma colcha de retalhos que em breve, com poucos anos de vida, estará chegando a meia centena de emendas.

Dentro deste instável sistema de normas jurídicas, encontramos as leis complementares, cuja singularidade a diferencia de todas as demais normas primárias previstas pelo art. 59 da Constituição Federal.

Conceito de lei complementar:

A lei complementar tem seu surgimento vinculado ao aparecimento das constituições escritas, que em seu texto prevê a lei complementadora. Desse modo podemos conceituar lei complementar como aquela prevista pela constituição federal com a finalidade de regrar matéria especifica, conforme a previsão constitucional.

Na nossa Constituição vamos encontrar os artigos que expressamente remetem os determinados temas eleitos pelos Constituintes para que sejam tratados por lei complementar, que por disposição do art.69 da Constituição devem ser aprovadas por maioria absoluta.

Desse modo podemos afirmar que lei complementar é aquela assim prevista pela Constituição Federal, que tem matéria própria e exige quorum qualificado, de maioria absoluta para que seja aprovada.

Justificativa de sua previsão:

Sendo uma espécie da norma denominada lei, a lei complementar deve obedecer ao mesmo tramite legislativo do projeto até sanção ou veto da lei ordinária; exigindo apenas o quorum qualificado como já exposto. Questão que surge é quanto à justificativa de sua previsão.

Primeiro é bom lembrar que a lei complementar não é exclusividade do direito pátrio. Vamos encontrá-la, por exemplo, na Constituição da França com a denominação de lois organiques, na Constituição da Espanha como leys orgânicas e na Portuguesa como leis orgânicas.

Estudando os textos constitucionais o que se conclui é que o legislador constituinte elegeu determinados temas com a exigência de maior reflexão e maior acordo de vontades para que sejam discutidos e votados.

A fixação do quorum de maioria absoluta por parte das Casas do Congresso para aprovação do projeto de lei, mostra que o constituinte exige consenso qualificado para que os temas escolhidos sejam aprovados.

Questão da hierarquia das normas

Uma conclusão afoita e desavisada do texto do art. 59 da Constituição Federal dá idéia que as leis complementares estão em grau de superioridade em relação à lei ordinária e as demais normas primárias indicadas; no entanto juridicamente isto não ocorre.

Com exceção das emendas constitucionais todas as demais espécies normativas previstas pelo art. 59 estão no mesmo patamar; isto é, uma não é superior a outra. O que fundamentalmente diferencia uma espécie da outra é a matéria que tratam.

Assim as leis complementares não são superiores a lei ordinária e nem superiores as demais espécies normativas, diferenciando-se delas pela matéria que trata e pelo quorum de votação.

Lei ordinária tratando de matéria privativa de lei complementar

Se a Constituição prevê expressamente que determinado assunto seja legislado por lei complementar é evidente que este assunto não pode ser tratado por outra espécie de norma.

Tem a lei complementar à característica de matéria própria, do quorum qualificado, da denominação própria e até de numeração diferente.

Mesmo que a lei ordinária que trata de matéria destinada à lei complementar tenha recebido aprovação com a maioria qualificada, não há validade ao tratar do tema, posto que a expressão de votação se deu por liberalidade do legislador ordinário e não por cumprimento de ordem constitucional.

Não pode, portanto, a lei ordinária invadir o campo de atuação destinado à lei complementar. Havendo invasão, ocorre a nulidade restrita ao campo de invasão, por desrespeito a norma constitucional.

Matéria tratada por lei ordinária remetida para lei complementar em novo texto constitucional:

Diante de um novo texto constitucional seja com uma nova constituição ou mesmo por emenda, é possível que determinado tema que antes era tratado por lei ordinária, passe a estar reservado para a lei complementar.

A lei anterior não se transmuda de ordinária para complementar; mas o seu conteúdo a partir do novo texto constitucional só pode sofrer revogação, ou mesmo simples alteração por meio de lei complementar.

Temos então que uma lei complementar só pode sofrer alteração e revogação por meio de outra lei complementar. Também, que uma lei ordinária, cujo conteúdo seja de lei complementar por nova disposição constitucional, só pode sofrer alteração e revogação por lei complementar, porque a partir do novo texto aquela matéria está reservada para esta espécie normativa.

Conclusão

Na visão constitucional as leis complementares são aquelas que tem matéria própria e exigem maioria absoluta para aprovação. Em decorrência só podem ser alteradas e revogadas por outra lei complementar, sendo uma espécie normativa singular que não confunde com qualquer outra, diante da matéria reservada e do quorum, mas mantendo-se na mesma posição hierárquica das demais espécies normativas primárias, com exceção das emendas constitucionais.

Jeferson Moreira de Carvalho é juiz e autor do livro ‘Leis Complementares’.

Revista Consultor Jurídico

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