Estatuto da OAB e Código de Ética precisam ser reformulados

Raul H. Haidar*

A partir de 11 de novembro acontece, em Salvador, a XVIII Conferência Nacional dos Advogados, promovida pelo Conselho Federal da OAB, sem dúvida, o mais importante evento da advocacia brasileira que, desde 1958, reúne advogados do Brasil inteiro para discutir os problemas da profissão e os rumos do País.

Neste ano, o tradicional evento terá como tema geral, desenvolvido em vários painéis, “Cidadania, Ética e Estado”. Os painéis vão analisar a questão do meio ambiente e da defesa da Amazônia, passando pela ética e pelas prerrogativas dos advogados e alcançando, até mesmo, questões sobre reforma tributária e garantias aos contribuintes, além de direitos humanos e terrorismo, ética jornalística, ensino jurídico, dívida externa e Mercosul. Enfim, um leque extremamente amplo de questões de grande relevância não só para os advogados mas para todo o País.

Lamentavelmente, na ampla temática da XVIII Convenção da OAB não se abriu espaço para a discussão da necessidade, cada vez mais urgente e imperiosa, de uma ampla revisão e mesmo uma completa reforma da Lei 8.906/94, do Código de Ética e das normas gerais que regulam a advocacia.

Com tantos temas e esforços, e sem que se discuta com ênfase o Estatuto, não nos surpreende o fato de que a OAB venha sendo acusada (aliás, injustamente) de deixar de lado as questões práticas relacionadas com a sobrevivência do advogado, principalmente dos mais novos. Embora as dificuldades da profissão não sejam “privilégio” destes, mas atinjam, hoje, a esmagadora maioria da classe, cada vez mais empobrecida, sofrendo toda espécie de concorrência, no mais das vezes de forma injusta, ilícita e imoral.

Por isso mesmo, entendemos inadiável uma ampla discussão sobre a reforma da Lei 8.906 e das demais normas que regulam a advocacia.

Para início da discussão, deve-se reavaliar o processo eleitoral da entidade, ainda submetida a um ultrapassado, injusto e medíocre sistema de “chapas”. Um sistema que viabiliza a formação de grupos supostamente homogêneos, permitindo que até mesmo advogados sem qualquer experiência ou expressão profissional e, mesmo estranhos, ao efetivo exercício da advocacia, tornem-se conselheiros e passem a decidir o destino dos advogados, destino com os quais muitos não mantêm qualquer afinidade.

Alguns tornam-se conselheiros por indicação dos “fazedores de chapas” a quem estão, de alguma forma ligados, como se fossem suplentes de senadores indicados pelo pai ou pelo filho. Outros chegam ao Conselho porque são ilustres professores, ainda que não tenham idéia alguma sobre o exercício da profissão.

Ora, sendo a OAB uma entidade corporativa, deveria ser dirigida apenas por advogados que vivam (de preferência com exclusividade) da Advocacia, e não pelos que nela apenas fazem “bico”.

Assim, a eleição deveria ser feita através de inscrições individuais, onde os candidatos a conselheiros teriam de ser advogados que comprovassem, pelos votos obtidos, que possuem prestígio junto a seus colegas, pela sua efetiva defesa dos ideais e interesses da categoria. Aliás, já existe um projeto nesse sentido em andamento na Câmara Federal, apresentado por um deputado da Bahia e que, aparentemente, não vem sendo estudado pela entidade com a devida atenção.

Outro ponto a ser revisto é o número de Conselheiros. Numa seccional como a de São Paulo, por exemplo, o limite de 60 membros é insuficiente. Muitas Comissões importantes acabam sendo dirigidas por advogados que não receberam nenhum voto da classe, como se fossem os antigos “biônicos” do tempo da ditadura.

Também deve ser questionada a manutenção do atual número de advogados para criação de subseções, o que está permitindo o seu crescimento em desacordo com as possibilidades orçamentárias da entidade, onerando-a sensivelmente. Existem subseções com número reduzido de membros, ao que parece criadas para atender interesses regionais ou mesmo para acomodar vaidades mal resolvidas.

Também o Código de Ética e Disciplina deve ser reformulado, pois o atual é confuso, não define com clareza os seus limites, abrindo oportunidade para discussões acadêmicas infindáveis e interpretações subjetivas nem sempre justas. Aliás, o artigo 34 do Estatuto, que tipifica tais infrações, também é pessimamente redigido, dando azo a subjetivismos sem conta.

Algumas infrações são de difícil tipificação, com o que maus advogados acabam não sendo adequadamente punidos. Enquanto infrações menores, irrelevantes mesmo, podem causar transtornos a outros.

Aliás, tanto a Lei 8.906 quanto o Código de Ética foram feitos sem adequada discussão na classe, de forma apressada, num momento já ultrapassado de nossa história. Parece que foram feitos para satisfazer interesses político-eleitorais ou para alimentar vaidades de uns poucos participantes da sua elaboração que para tanto não tinham adequada representatividade.

A Advocacia mudou muito nos últimos oito anos, a começar pelo fato de que o número de advogados cresceu mais que o dobro. O Brasil e o mundo mudaram, o que também aconteceu com a sociedade, a economia, as leis e o Judiciário. Já está mais que na hora de termos um Estatuto atualizado, renovado, democrático, que resulte da ampla discussão dos Advogados, antes de ser encaminhado ao Congresso, para que não fique a Advocacia governada por regras ultrapassadas, anti-democráticas, confusas e injustas.

E já que tal assunto não foi incluído na próxima Conferência, vamos nós, que vivemos da Advocacia, iniciar o movimento destinado a essa Reforma, já que a Constituição e as Leis do país nos conferem tal direito. Para uma Advocacia melhor, lutemos pela reforma da OAB.

Revista Consultor Jurídico.

Raul H. Haidar é advogado e conselheiro da OAB-SP

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