Taxa de Previdência cobrada em SP é inconstitucional e imoral

Quem nomeia advogado em qualquer processo perante a Justiça Estadual de São Paulo deve recolher uma taxa equivalente a 2% (dois por cento) do salário mínimo, pela simples juntada da procuração aos autos. Esse valor é pago para cada impetrante, quer seja ele autor, réu ou simples interessado que por qualquer motivo outorgue procuração a ser juntada nos autos. E a taxa pode ser paga várias vezes, inclusive nos casos de substabelecimento.

Quanto se arrecada a esse título, ninguém sabe. O que todos sabem é que essa taxa teria como destinação a aposentadoria complementar de advogados que tenham se filiado à Carteira de Previdência do IPESP, Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Ou seja: todos pagam um tributo, para benefício de alguns, o que é flagrantemente inconstitucional. Aliás, já ouvimos boatos sobre irregularidades e empreguismo no IPESP, que administra esses recursos e acreditamos que sejam apenas boatos.

De fato, a Lei estadual (de São Paulo) nº 10.394 de 16/12/70 , em seu artigo 40, inciso III criou a referida contribuição como uma das fontes de receita para financiar a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, administrada pelo IPESP . As demais fontes de receita estão definidas no artigo 48 do mesmo diploma legal e são, basicamente, as contribuições mensais dos segurados e aposentados.

O artigo 56 da lei institui um Conselho, composto de representantes da OAB-SP, do IASP e da AASP. Portanto, presume-se que os recursos arrecadados pela Carteira, inclusive os decorrentes da referida contribuição, estejam sendo fiscalizados quanto à sua utilização, embora nunca tenhamos visto adequada publicidade das respectivas contas.

O contribuinte da mencionada taxa é o outorgante, não o advogado, pois o já mencionado artigo 48, III, diz:

“Art. 48 – A receita da Carteira é constituída:

III – da contribuição a cargo do outorgante de mandato judicial;”

Trata-se sem dúvida de tributo, na forma da definição contida no artigo 3º do Código Tributário Nacional. E é um tributo da espécie denominada taxa, assim definida no artigo 77 do CTN:

“Art. 77 – As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.”

A natureza tributária da referida taxa já foi reconhecida em inúmeras decisões judiciais. Veja-se, a respeito, o AI 484.783 da 5a. Câmara do 2º Tribunal de Alçada Civil, julgado em 23.04.1997:

“A taxa judiciária é um tributo. A lei que a instituiu tem natureza tributária, não comportando interpretação limitativa ou ampliativa.”

Na Apelação 746.754-3, a 1a. Câmara de Férias do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, sendo Relator o Juiz Elliot Akel, decidiu

“A lei de custas, em seu artigo 8º, também regulou a destinação de parcelas da taxa judiciária, gênero da qual a contribuição exigida pela sentença é espécie. Espécie cuja natureza não é afastada pelo fato de a exigência da verba advir do ato da juntada do mandato ao processo, dando-se a ela a denominação de “contribuição especial”, contemplada, aliás, pela lei estadual nº 10.394/70.”

O 1º Tribunal de Alçada Civil deste Estado, na AC 0000395-1/91, decidiu:

“TAXA JUDICIÁRIA – MANDATO – Juntada de Instrumento aos Autos – Ausência, todavia, da guia de recolhimento da taxa devida – Irrelevância – Extinção afastada, devendo o fato ser comunicado à Carteira dos Advogados do IPESP para cobrança – Recurso desprovido para esse fim. ” (GN)

Assim, convém deixar claro que, ao contrário do que muitos pensam, a referida taxa não é cobrada pela OAB, mas pelo IPESP. Como bem decidiu o 1º TAC (item 15 acima) , é uma contribuição especial, espécie do gênero “taxa judiciária”. Ora, o Estado pode cobrar taxa pela utilização do serviço público específico e divisível, no caso o decorrente do andamento do processo em que o mandato é juntado. O fato de destinar sua receita para financiar determinado órgão, fundo ou despesa, não a desnatura. Mas o que a desnatura é que beneficia particulares, no caso os advogados inscritos no IPESP, aliás menos de 10% dos inscritos na OAB

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.145-6, (Diário da Justiça da União, 27/11/2002, página 14)assim decidiu:

“I – As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal.

III – Impossibilidade de destinação do produto da arrecadação, ou de parte deste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados. Permiti-lo importaria ofensa ao princípio da igualdade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

Essa taxa já foi por nós questionada mediante representação datada de 3/7/2001 perante o Conselho da OAB-SP. Lamentavelmente, seu Presidente resolveu encaminhar o assunto de forma irregular, não o submetendo à apreciação do Conselho, com o que a matéria terminou por ser arquivada, depois de examinada por ilustres advogados vinculados à Carteira de Previdência.

Ora, não é justo que todas as pessoas que procuram o Judiciário sejam obrigadas a custear a aposentadoria de advogados. Mais injusto ainda é que os valores assim arrecadados sejam destinados a uma parcela muito pequena dos advogados, menos de dez por cento dos inscritos. Por não aceitar essas e outras injustiças, deixei de ser Conselheiro da OABSP.

O artigo 44 da Lei 8906 diz que uma das finalidades da OAB é defender a Constituição. Ao não discutir tal assunto e assim prolongar a vigência de um tributo que o STF já disse ser inconstitucional, a entidade desvia-se do texto da Lei. E mais: todos os advogados que concordam com isso traem o juramento que fizeram na sua colação de grau.

Diante disso tudo, resta-nos repudiar esse tributo e, doravante, não mais recolhê-lo. Conclamamos os nossos colegas, portanto, a não recolherem mais a taxa de juntada de mandato e, se for o caso, acionar o Judiciário para que a Constituição seja observada.

Raul H. Haidar é advogado tributarista em São Paulo e jornalista

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