O Processo Disciplinar no Ministério Público do Estado do Pará

Sávio Rui Brabo de Araújo

Promotor de Justiça de 3ª. Entrância
Assessor da Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado do Pará

Sumário: 1. Diplomas Legais Aplicáveis ao Processo Disciplinar contra integrante do Ministério Público . 2. Autoridade Competente para a Instauração do Processo Disciplinar. 3. O Afastamento. 4. A Perda do cargo de membro do Ministério Público em Estágio Probatório e na Vitaliciedade.

1. Diplomas Legais Aplicáveis ao Processo Disciplinar contra Integrante do Ministério Público

O processo administrativo disciplinar promovido contra membro do Ministério Público Estadual paraense, regula-se, além da observância aos princípios previstos no art. 5º, LIV e LV da Constituição Federal, pelos preceitos previstos na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93), Lei Orgânica Estadual (Lei Complementar Estadual, n. 1/82), Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93), Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará (Lei n. 5.810/94), Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/90), Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41) e Lei do Processo Administrativo Disciplinar (Lei 9.784/99).

Cabe às Leis Orgânicas dos Estados regulamentar a questão disciplinar dos membros do Ministério Público, entretanto, as leis complementares estaduais admitem, quando omissas ou lacunosas, a aplicação subsidiária dos diplomas legais supracitados.1

No que concerne à Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará, pode-se afirmar que a aplicação subsidiária das leis supracitadas é imprescindível.

Em sua generalidade, a lei estadual do “Parquet” paraense não discrimina, com exatidão, as faltas ou infrações disciplinares, porque, geralmente, amoldam-se como violação dos deveres funcionais, quase sempre não bem definida. Faz-se necessário ressaltar que, conforme a lição de Caio Tácito, in “Poder disciplinar e defesa”, em RDA 37/347-348, “não há, em matéria disciplinar, a exigência de definição legal de falta que caracterize, in gênere, como violação dos deveres funcionais, a serem explicitados em atos regulamentares ou administrativos. A ausência de tipicidade nas faltas disciplinares não indica, contudo, que a ação administrativa se realize em caráter arbitrário ou injurídico. A lei estabelece critérios dentro do quais se gradua a responsabilidade disciplinar, aferida, ainda, à luz de princípios gerais de direito”.

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1- LC estadual n. 01/82, art. 155; Lei n. 8.625/93, art. 80

O princípio da reserva legal, secularmente dominante na doutrina e lei penal, não é aplicado na instância administrativa porque, sendo o poder disciplinar, em regra, não vinculativo, não está subjugado à antecedência de lei na tipificação da falta ou sanção disciplinar.

Daí a necessidade de recorrer-se às leis de aplicações subsidiárias à Lei Complementar n. 01/82, para fixar-se as infrações administrativas imputadas ao membro do Ministério Público que viole alguns dos deveres decorrentes da função que exerce.

Arremate-se, ainda, que, além da identificação das infrações administrativas, a aplicação das leis subsidiárias é necessária para respeitar-se os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, nas regras procedimentais do processo administrativo disciplinar.

A LC nº 01/82 é omissa, por exemplo, quanto à exigência do Termo de Indiciação do acusado, porém, a Comissão Processante não pode dele prescindir, porque a indiciação é peça fundamental no processo disciplinar que traz a configuração definitiva da falta e sua respectiva classificação legal. A ausência do Termo de Indiciação acarreta nulidade do processo administrativo. Destarte, cumpre à Comissão Processante, nos moldes do art. 155 da LC nº 1/82, aplicar subsidiariamente o art. 217 do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará (Lei 5.810/94).

Várias normas da Lei Complementar n. 01/82 estão absolutamente incompatíveis com os preceitos constitucionais aplicáveis ao Ministério Público, em face da CF/88 e da LONMP. Destarte, inúmeras regras procedimentais aplicáveis ao processo administrativo disciplinar estão expressamente revogadas, como exemplo, a aplicação da pena de demissão pelo Governador do Estado, a instauração de processo administrativo pelo Procurador-Geral de Justiça e o processo sumário pela verdade sabida.2

Assim, é de suma importância, para a validade do processo administrativo instaurado contra membro do Ministério Público do Estado do Pará, que a Comissão Processante utilize as legislações subsidiárias.

2- Autoridade Competente para Instauração de Processo Disciplinar.

Com o advento da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, compete à Corregedoria-Geral do Ministério Público instaurar, de ofício ou por provocação dos demais órgãos da Administração Superior do Ministério Público, processo disciplinar contra membro da Instituição, presidindo-o e aplicando as sanções administrativas cabíveis, na forma da Lei Orgânica.3

A assertiva acima transcrita implica dizer que somente ao Corregedor, independente da sanção disciplinar a ser aplicada, cabe a instauração de processo disciplinar contra membro da Instituição, de ofício ou por provocação dos demais órgãos da administração superior.

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2- LC estadual n. 01/82, arts. 139, I, 148 e 172 a 176.

3- Lei 8.625, art. 17, inc. V.

Recomenda-se, entretanto, para evitar aquilo que o emérito prof. Hugo Mazzilli chama de “ Teratologia que ainda persiste no sistema da LONMP (…) é a de que o corregedor é o mesmo órgão que acusa, preside a instrução e, em certos casos, pode até mesmo impor a pena…”4, que o Corregedor-Geral do Ministério Público efetive a delegação da presidência e da prática de atos instrutórios do processo disciplinar a membro do Ministério Público de categoria funcional superior àquela do acusado. O ato de delegação possibilita o respeito aos princípios da ampla defesa e devido processo legal, impedindo a concentração de funções acusatórias, instrutórias e decisórias nas mãos do Corregedor-Geral. Condizente com esse entendimento, o Egrégio Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Pará, em reunião extraordinária, realizada em 24.10.00, cujo Extrato de Ata foi publicado no D.O.E. em 01.11.2000 decidiu que, depois da instauração de processo disciplinar, cabe “…ao Corregedor, designar os 02(dois) membros da comissão processante, delegando poderes a um Procurador de Justiça, para presidí-la…”

Logo, considerando que a LONMP atribuiu ao Corregedor-Geral a tarefa de instaurar o processo disciplinar, estão revogadas todas as disposições em contrário previstas na LC nº 01/82, ou seja, aquelas previstas, nos arts. 148, incs. I, II e III e 151. Nesse sentido, o Conselho Superior do Estado do Pará, na reunião referida, asseverou que “…conforme vigência do inciso V, do Art. 17, da Lei 8.625/93, é a Corregedoria que instaura processo disciplinar contra membro da instituição, estando revogados os dispositivos da Lei Orgânica Estadual em contrário…”

Além da instauração de processo disciplinar, prevê o art. 17, inc. V, da LONMP a possibilidade do Corregedor aplicar sanções disciplinares, quando manifestamente previstas na lei orgânica.

Entretanto, considerando a sistemática da LC nº 01/82, vê-se claramente que inexiste sanção disciplinar a ser aplicada pela Corregedoria que, tratando-se de processo administrativo sumário, quando cabíveis as penas de advertência, censura e suspensão por até noventa dias, limita-se a oferecer um relatório, em que apreciará os elementos do processo e no qual proporá, motivadamente, a absolvição ou a punição, com indicação da pena cabível, e remeterá os autos incontinenti ao Procurador-Geral de Justiça, autoridade com atribuições para aplicação de sanção.5

Pedro Roberto Decomain, comentando o art. 17, inc. V, da LONMP afirma que “….as Leis Orgânicas dos Estados devem estabelecer quais as sanções a serem aplicadas pelo Corregedor-Geral, e quais as da competência do Procurador-Geral. Caso silenciem a respeito, impõe-se concluir que apenas ao Procurador-Geral de Justiça caberá aplicar sanções disciplinares, quaisquer que sejam.”6

Salienta-se, de todo o modo, que o Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado do Pará é a autoridade com atribuições para instaurar, com exclusividade, qualquer procedimento administrativo disciplinar, independente do tipo de sanção. Cabe, entretanto, ao Procurador-Geral de Justiça, a aplicação de todas as sanções aos membros do Ministério Público faltosos porque a LC n. 01/82 não previu sanção alguma a ser aplicada pelo Corregedor.

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4- MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público., Saraiva, São Paulo: 1995. P.284.

5- LC estadual n. 01/82, arts. 146, inc. I e 169, 170.

6- DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Obra Jurídica, Florianópolis. Santa Catarina: 1996. P. 110.

3- O Afastamento de membro do Ministério Publico no Processo Administrativo Disciplinar .

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público é omissa quanto à hipótese do afastamento preventivo de membro do “Parquet” que responde a processo administrativo disciplinar.

O art. 15, inc. VIII, da LONMP, prevê apenas que o Conselho Superior, por voto de dois terços de seus integrantes, pode determinar a disponibilidade ou remoção compulsória de membros do Ministério Público, assegurada a ampla defesa.

Entretanto, a omissão da Lei Orgânica Nacional não induz à impossibilidade do membro do Ministério Público vir a ser afastado preventivamente das suas funções, como medida cautelar, a fim de não influir na apuração da irregularidade apurada em processo administrativo disciplinar.

O art. 80 da LONMP autoriza a aplicação das normas contidas na Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93) aos Ministério Público dos Estados.

O art. 260 da LC nº 75 autoriza o Conselho Superior, em processo administrativo disciplinar, a determinar o afastamento preventivo do membro do Ministério Público, enquanto sua permanência for inconveniente ao serviço ou prejudicial à apuração dos fatos.

A LC estadual nº 01/82, nos arts. 32, inc. XII e 150, concede ao Conselho Superior e ao Procurador-Geral de Justiça atribuições para decidir sobre o afastamento de membro do Ministério Público durante a sindicância ou processo administrativo.

O afastamento de membro do Ministério Público não ultrapassará o prazo de cento e vinte dias e será considerado como tempo efetivo, para todos os efeitos,7 sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens.8

4- A Perda do Cargo do Membro do Ministério Público em Estágio Probatório e na Vitaliciedade.

O membro do Ministério Público poderá perder seu cargo, tanto por decisão administrativa, quanto por decisão judicial, dependendo do alcance da vitaliciedade.

Dar-se-á a perda do cargo, por decisão administrativa, quando o membro do Ministério Público, durante o curso do estágio probatório e que não tenha adquirido a vitaliciedade, cometer infração disciplinar sujeita à sanção de demissão.9 Nesse caso, a perda do cargo se efetivará por exoneração a ser determinada através de ato do Procurador-Geral de Justiça, nos moldes do art. 10, VII da LONMP.

Tratando-se de membro vitalício, a Constituição Federal no seu art. 128, § 5º, I, “a”, estabelece como garantia constitucional que a perda do cargo somente será decretada por decisão judicial transitada em julgado. O art. 38, § 1º, incs. I, II, III da LONMP, prevê que o membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos casos de: a) prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão

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7- LC nº 75/93, art. 260, §§ 1º e 2º.

8- LC estadual nº 01/82, art. 150.

9- LCnº 75/93, art. 240, V.

transitada em julgado; b) exercício da advocacia e; c) abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos.

A perda do cargo de membro do Ministério Público vitalício circunscreve-se à prática de crime incompatível, com o exercício do cargo, após o trânsito em julgado da decisão judicial. Nesse caso, vale a observação de Pedro Roberto Decomain, in ‘Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público’ que “para que possa ocorrer a perda do cargo do membro do MP, nessa hipótese, são necessárias duas decisões. A primeira, condenando-o pela prática de crime, e a Segunda, em ação promovida pelo Procurador-Geral de Justiça, reconhecendo que o referido crime é incompatível com exercício das funções de Ministério Público. A sentença transitada em julgado, a que se refere o inciso, não é a mesma a que se reporta o parágrafo. Noutros termos, deve existir condenação criminal transitada em julgado, para que possa ser promovida a ação de destituição, com base no presente inciso”

Diante da exigência de decisão transitada em julgado, para demitir membro vitalício do Ministério Público, não há como prevalecer a independência da instância administrativa que concluir pela aplicação da sanção demissionária, sem a existência de decisão judicial transitada em julgado.

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