O controle das Comissões Parlamentares de Inquérito do Congresso Nacional pelo Poder Judiciário

Geraldo da Silva Batista Júnior

SUMÁRIO
1- Introdução

2- Comissões Parlamentares de Inquérito: breves considerações históricas e natureza jurídica de sua atuação

3- Conceito e fundamentação legal

4- Poderes e limites

4.1- Dos poderes

4.2- Dos limites

5- Conclusões

Apêndice

Bibliografia

1- INTRODUÇÃO
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, as comissões parlamentares de inquérito, conhecidas como CPIs, adquiriram grande importância nos cenários político e jurídico do país.

Trata-se de um importante instrumento de fiscalização da atividade administrativa exercida pelas autoridades públicas e, numa sociedade democrática, a imprensa – livre – dá grande ênfase ao trabalho destas comissões, que sempre são instauradas para apuração de questões de grande repercussão.

Contudo, nem sempre os membros das referidas comissões agem com respeito aos direitos e garantias individuais previstos na Carta Magna. No afã de obterem resultados concretos para tomarem parte nos noticiários, os investigadores, não raras vezes, desobedecem ao devido processo legal e ao princípio do contraditório, agindo de forma arbitrária.

Neste trabalho, de modestas intenções, pretendemos metodizar a atuação das CPIs, estabelecendo seus poderes de investigação e os limites dos mesmos, de modo a permitir que este instituto, de inspiração democrática, possa atuar de forma eficaz, mas também com respeito aos direitos e garantias fundamentais dos componentes da sociedade brasileira. Somente com poderes e limites de atuação claramente estabelecidos teremos o respeito à legalidade, o afastamento do arbítrio e a garantia de que as CPIs serão realmente instrumentos de democracia.

Utilizando-nos da pesquisa teórica e, principalmente, da jurisprudencial, iniciaremos o trabalho com uma breve análise histórica do instituto das CPIs e da natureza jurídica da atividade por elas exercida. Em seguida, analisaremos seu conceito e fundamentação constitucional e legal. Prosseguindo, veremos o que a doutrina e a nossa Corte Constitucional pensam a respeito da atuação destas comissões. Finalizando, apresentaremos uma sistematização científica e, ao mesmo tempo didática, dos poderes e limites de atuação dos membros das comissões parlamentares de inquérito do Congresso Nacional.

2- COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO: BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E NATUREZA JURÍDICA DE SUA ATUAÇÃO
O instituto das comissões parlamentares de inquérito tem suas raízes no Parlamento Britânico, tendo surgido no século XVI[1].

O eminente Celso Ribeiro Bastos[2] ensina que ele é típico do sistema Parlamentarista, sendo adotado em todas as monarquias e repúblicas parlamentaristas da Europa, além das Constituições americanas, inclusive dos EUA, onde foi desenvolvido e aperfeiçoado.

No Brasil, estas comissões existem desde a Constituição de 1934 (art. 36).

O procedimento instaurado pelas CPIs é chamado de “inquérito” pela Lei n.º 1.579/52. Ensina, com razão, Alexandre Abrahão Dias Teixeira[3] que, se adotarmos a clássica definição de inquérito policial[4], veremos que a natureza do referido procedimento é realmente a mesma do inquérito. Logo, podemos concluir que a atividade de investigação exercida pelas CPIs tem natureza jurídica de atividade administrativa.

3- CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
A Administração Pública, direta, indireta ou fundacional, está sujeita a controle interno e externo. Interno é o exercido por órgãos da própria Administração, e externo o efetuado por órgãos alheios à ela.

O controle externo compreende: 1) o controle parlamentar direto; 2) o controle exercido pelo Tribunal de Contas (órgão auxiliar do Poder Legislativo nesta matéria) e 3) o controle jurisdicional.

O art. 49 da Carta Magna constitui-se no principal fundamento constitucional do controle legislativo da Administração, que se materializa nas seguintes hipóteses:

a. sustação de atos e contratos do Executivo (arts. 49, V, e 71, § 1º);

b. convocação de Ministros e requerimentos de informações (art. 50, caput e § 2º);

c. Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º);

d. autorizações ou aprovações necessárias para atos concretos do Executivo (art. 49, I, XII, XIII, XVI e XVII);

e. poderes controladores privativos do Senado Federal em atos como os previstos no art. 52, III;

f. julgamento das contas do Presidente da República (art. 49, IX);

g. suspensão e destituição (“impeachment”) do Presidente e Ministros (arts. 85 e 86).

Por sua vez, o art. 58 e seu parágrafo terceiro, da Constituição Federal, dispõem, in verbis:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 3º – As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Como se vê, as CPIs se constituem em uma das formas de controle da Administração Pública exercidas pelo Poder Legislativo e têm previsão constitucional.

No plano infraconstitucional sua regulamentação está na Lei n.º 1.579, de 18 de março de 1952, que autoriza a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, onde couber.

4-PODERES E LIMITES
4.1- Dos poderes

Nos termos do dispositivo constitucional acima citado, os poderes das CPIs são os de investigação, próprios das autoridades judiciais. No entanto, conforme bem observou Marcelo Lessa Bastos[5], esta disposição tem merecido crítica, porque inspirada na Constituição Italiana, em que a Magistratura exerce atividade investigatória. No sistema acusatório brasileiro tal atividade é incumbência do Ministério Público, conforme art. 129 da Constituição Federal.

Com muita propriedade ensinou o professor Maurício Jorge Mota que o objetivo das CPIs é apurar fatos para corrigi-los ou modificar procedimentos da Administração Pública, mediante proposta legislativa[6]. Aliás, esta é a função preponderante do Poder Legislativo – elaborar leis e fiscalizar os atos do Executivo. Daí o objetivo essencial da CPI, que é colher subsídios para reforma legislativa e fiscalizar os atos administrativos. Incidenter tantum a prática tem demonstrado que podem ser descobertas irregularidades que demandem responsabilização, quando, então, as conclusões da CPI são remetidas a quem de direito, como ao Ministério Público, em caso de descoberta de crime de sua iniciativa.

4.2- Dos limites

Em primeiro lugar, tal como prevê a Constituição Federal, em virtude de seus objetivos, a instauração destas comissões somente deve se dar mediante fatos concretos e individuais (ainda que múltiplos), por prazo certo e determinado. As CPIs não podem ser genéricas. Necessitam de um fato concreto, preciso, determinado e individualizado (art. 58, § 3.º, CF). Neste sentido posiciona-se o eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Carlos Alberto Menezes Direito[7].

Pesquisa jurisprudencial por nós efetivada para a confecção deste trabalho demonstrou que o posicionamento da Corte Suprema é firme no sentido de que os poderes das comissões parlamentares de inquérito não são ilimitados e que seus trabalhos estão sujeitos ao controle judicial, porque limitados pela própria Constituição Federal, cujo guardião é o Poder Judiciário. Pudemos observar, também, a inexistência de decisões definitivas recentes sobre a problemática dos limites de poderes destas comissões. Contudo, tal questão foi examinada a fundo em virtude do ajuizamento de vários processos contra a atuação da recente CPI do Sistema Financeiro. Conforme dito, não existem ainda acórdãos transitados em julgado, mas as decisões monocráticas esgotam o assunto.

Vejamos parte de uma destas decisões[8], deferindo liminar no Mandado de Segurança n.º 23.452-RJ, impetrado contra a CPI do Sistema Financeiro, que bem esclarece a questão:

“O postulado da reserva constitucional de jurisdição – consoante assinala a doutrina (J. J. GOMES CANOTILHO, ‘Direito Constitucional e Teoria da Constituição’, p. 580 e 586, 1998, Almedina, Coimbra) – importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de verdadeira discriminação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se hajam eventualmente atribuído ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’.

Isso significa – considerada a cláusula de primazia judiciária que encontra fundamento no próprio texto da Constituição – que esta exige, para a legítima efetivação de determinados atos, notadamente daqueles que implicam restrição a direitos, que sejam eles ordenados apenas por magistrados.

Daí a observação feita por LUIZ FLÁVIO GOMES e por CÁSSIO JUVENAL FARIA, que, a propósito da extensão dos poderes das comissões parlamentares de inquérito, expendem preciso magistério:

‘São amplos, inegavelmente, os poderes investigatórios das CPIs, porém nunca ilimitados. Seus abusos não refogem, de modo algum, ao controle jurisdicional (HC 71.039-STF). É sempre necessário que o poder freie o poder (Montesquieu). Tais Comissões podem: (a) determinar as diligências que reputarem necessárias; (b) convocar ministros de Estado; (c) tomar o depoimento de qualquer autoridade; (d) ouvir indiciados; (e) inquirir testemunhas sob compromisso; (f) requisitar de órgão público informações e documentos de qualquer natureza (inclusive sigilosos); (g) transportar-se aos lugares aonde for preciso. Cuidando-se de CPI do Senado, da Câmara ou mista, pode, ainda, requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias.

Quanto aos dados, informações e documentos, mesmo que resguardados por sigilo legal, desde que observadas as cautelas legais, podem as CPIs requisitá-los. Isso significa que podem quebrar o sigilo fiscal, bancário, assim como o segredo de quaisquer outros dados, abarcando-se, por exemplo, os telefônicos (registros relacionados com chamadas telefônicas já concretizadas), e, ainda, determinar buscas e apreensões.

O fundamental, nesse âmbito, é:

(a) jamais ultrapassar o intransponível limite da ‘reserva jurisdicional constitucional’, isto é, a CPI pode muita coisa, menos determinar o que a Constituição Federal reservou com exclusividade aos juízes. Incluem-se nessa importante restrição: a prisão, salvo flagrante (CF, art. 5º, inc. LXI); a busca domiciliar (CF, art. 5º, inc. X) e a interceptação ou escuta telefônica (art. 5º, inc. XII);

(b) impedir, em nome da tutela da privacidade constitucional (art. 5º inc. X), a publicidade do que é sigiloso, mesmo porque, quem quebra esse sigilo passa a ser dele detentor;

(c) não confundir ‘poderes de investigação do juiz’ (CF, art. 58, § 3º) com o poder geral de cautela judicial: isso significa que a CPI não pode adotar nenhuma medida assecuratória real ou restritiva do ‘jus libertatis’, incluindo-se a apreensão, seqüestro ou indisponibilidade de bens ou mesmo a proibição de se afastar do país.’

Torna-se importante assinalar, neste ponto, que, mesmo naqueles casos em que se revelar possível o exercício, por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, dos mesmos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, ainda assim a prática dessas prerrogativas estará necessariamente sujeita aos mesmos condicionamentos, às mesmas limitações e aos mesmos princípios que regem o desempenho, pelos juízes, da competência institucional que lhes foi conferida pelo ordenamento positivo.

Isso significa, por exemplo, que qualquer medida restritiva de direitos, além de excepcional, dependerá, para reputar-se válida e legítima, da necessária motivação, pois, sem esta, tal ato – à semelhança do que ocorre com as decisões judiciais (CF, art. 93, IX) – reputar-se-á írrito e destituído de eficácia jurídica (RTJ 140/514, Rel. Min, CELSO DE MELLO, v.g.).

Em uma palavra: as Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados judiciais, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes.”

O Egrégio Conselho da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro também se posicionou sobre a questão, in verbis:

“As Comissões Parlamentares de Inquérito, quer na Carta de 1967 (art. 39), quer na vigente (art. 58, § 3º), possuem limites precisos e determinados pelo ordenamento constitucional. Não representam a Câmara dos Deputados, e, sim, são elas a própria Câmara, como um de seus Órgãos (…) A Câmara dos Deputados não possui poderes para fiscalizar ato de magistrado praticado no exercício de suas funções (…)”[9]

Inúmeras outras decisões no mesmo sentido poderiam ser aqui transcritas. Contudo, por questões de ordem prática, foram trazidas à colação no apêndice deste trabalho.

Válido, neste momento, também, é o ensinamento de Canotilho[10] , que, após discorrer sobre o assunto, conclui da seguinte maneira: “as comissões de inquérito não podem incidir sobre a esfera privada do cidadão: a protecção dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrada vale perante os inquéritos parlamentares”.

5- CONCLUSÕES
As CPIs não podem ser genéricas, só podendo ser instauradas para apuração de fatos concretos. Por outro lado, fatos que surgirem em seu curso também podem ser apurados.

Os poderes das CPIs são amplos, mas, na medida em que estas comissões consistem em uma das formas de controle legislativo da Administração Pública, estão sujeitos a controle de legalidade e constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, que é o guardião da Constituição Federal, além de estarem sempre limitados pelo princípio constitucional da reserva jurisdicional, sem que isto implique ofensa ao também constitucional princípio da separação dos Poderes. Qualquer desvio de finalidade é passível de correção jurisdicional.

A forma mais adequada de se interpretar o texto constitucional referente às CPIs consiste em considerar que a expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” se refere às medidas que, apesar da natureza investigatória, a Constituição submete à apreciação do Poder Judiciário, como a expedição de mandados de busca e apreensão, a quebra de sigilo bancário entre outras.

Aquelas providências que, embora tenham caráter investigatório, implicam restrição direta a direitos individuais também estão protegidas pela reserva jurisdicional, pelo próprio texto constitucional. Podemos defini-las como as que, para serem realizadas, por efeito de verdadeira discriminação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Magna, somente podem emanar de juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se hajam eventualmente atribuído “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. É o caso da busca domiciliar (CF, art. 5º, XI) e da interceptação ou escuta telefônica (art. 5º, XII) [11].

Medidas cautelares, como indisponibilidade de bens, decretação de prisão e proibição de pessoas se afastarem do país, fogem do âmbito de investigação já que são coercitivas e não investigatórias. Não se pode confundir poderes de investigação do juiz (CF, art. 58, § 3º) com o poder geral de cautela judicial, o que significa que a CPI não pode adotar medidas de caráter acautelador, que estão também protegidas pelo princípio da reserva jurisdicional constitucional.

Face a sua submissão à lei, o tempo máximo de uma CPI não pode ultrapassar a legislatura na qual foi criada[12] .

Estabelecidas estas conclusões de caráter genérico, passamos a extrair delas algumas conseqüências relacionadas a determinadas situações específicas. Vejamos:

1- Não se pode falar em crime de falso testemunho caso a pessoa se recuse a prestar informações que possam incriminá-la, pois, tal como nos depoimentos judiciais, existe o direito ao silêncio[13];

2- Quem tem o dever de guardar sigilo profissional pode se recusar a depor até mesmo na condição de testemunha, não cometendo falso testemunho;

3- Para efetuar prisão em flagrante por falso testemunho, a CPI precisa estabelecer qual a declaração falsa e fundamentar os motivos que ensejaram a sua ocorrência, de modo a caracterizar o flagrante;

4- Não pode o Presidente da CPI lavrar o auto de prisão em flagrante, por não ser autoridade competente para tanto e não ter este ato natureza investigatória[14];

5- O poder investigatório das CPIs está dentro dos limites de seu poder legiferante. Assim, a CPI não pode investigar um caso sobre o qual não poderia legislar ou mudar um procedimento administrativo. Isto se dá em virtude do seu objetivo ontológico[15]. Se a competência em determinada situação for concorrente, é possível a modificação dos procedimentos administrativos relacionados aos fatos a ela referentes, podendo a CPI prestar-se a realizar investigações. Simplificando, uma CPI de um Ente Legislativo não pode investigar um fato cuja competência normativa se insira na esfera legiferante exclusiva de outro Ente Legislativo;

6- Não pode a CPI restringir o acesso e as prerrogativas funcionais dos advogados, que podem assistir aos trabalhos e intervir em seu curso, para esclarecer equívoco ou dúvida, utilizando a palavra “pela ordem”[16];

7- Magistrados podem ser convocados e investigados em seus atos administrativos. Só estão imunes de investigação por CPIs nos atos tipicamente jurisdicionais, em virtude do princípio da separação dos Poderes;

8- Ao agir com atos típicos de autoridade judicial, a CPI precisa observar a exigência de fundamentação das decisões, tal como prescreve o art. 93, IX, da CF.

APÊNDICE
Neste apêndice encontram-se, na íntegra, as recentes decisões monocráticas proferidas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o tema enfocado neste trabalho. Os documentos foram obtidos na internet, no site do Supremo Tribunal Federal[17].

Supremo Tribunal Federal

Classe / Origem HC-79563 / MT HABEAS CORPUS

Relator Ministro MARCO AURÉLIO

Publicação DJ DATA-14-10-99 P-00017

Julgamento 06/10/1999

Despacho

DECISÃO – LIMINAR CPI – ATO DE CONSTRIÇÃO – PRISÃO – HABEAS CORPUS PREVENTIVO – LIMINAR DEFERIDA.

1. Zoroastro C. Teixeira e Daniel Paulo Maia Teixeira impetram este habeas corpus em favor de Josino Pereira Guimarães, emprestando-lhe efeito preventivo, considerada a atuação da Comissão Parlamentar de Inquérito relativa ao Judiciário. Consignam que o Paciente foi convocado para prestar esclarecimentos à Comissão, em audiência que se realizará no dia de hoje, às dezessete horas. O móvel desta convocação estaria na circunstância de o Paciente, empresário, haver sido mencionado pela mídia como suposto autor de atos de corrupção ligados à venda de sentenças prolatadas por juízes e de votos de desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Fora o Paciente nominalmente citado em denúncia formulada pelo Juiz Leopoldino Marques do Amaral à CPI. Em certo processo, teve a prisão temporária decretada pelo Juízo Federal da 2ª Vara de Mato Grosso, havendo a custódia prevalecido por seis dias, não sendo alfim indiciado. A seguir, o advogado Elarmim Miranda teria dito da participação do Paciente, isso ao depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito. Com base nessas premissas, os Impetrantes apontam o envolvimento do Paciente nos episódios e a impossibilidade deste ser compelido a depor, sob o compromisso de falar a verdade, a ponto de auto-incriminar-se. Ressaltam o direito constitucional de o Paciente calar-se, a teor do disposto no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal. Pleiteiam a concessão de liminar que afaste a obrigação de o Paciente firmar o compromisso de dizer a verdade, bem como vir a ser preso ante silêncio que entenda conveniente. À inicial foram anexadas as peças de folha 6 à 31.

2. Examinando-se o contexto revelado neste habeas corpus depreende-se que o Paciente foi apontado, até aqui, como pessoa envolvida na notícia de intermediação de atos processuais. Por outro lado, não compete à CPI implementar constrição que alcance a liberdade de ir e vir de quem quer seja. O Paciente comparecer à Comissão Parlamentar de Inquérito, considerado o convite, simples convite (folha 6), visando ao esclarecimento de fatos. Não menos correto é estar ele protegido pela norma constitucional asseguradora do direito de ficar calado no tocante a indagações que possam, de alguma forma, incriminá-lo, independentemente da formalização, ou não, do compromisso de dizer a verdade. O que previsto quanto ao silêncio no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado – não há de ser interpretado de forma literal e gramatical. Alcança todo e qualquer cidadão que, de início, pareça envolvido em determinado episódio passível de ser glosado sob o ângulo penal. Daí haver assentado o Ministro Sepúlveda Pertence, ao defrontar-se com o pedido de concessão de medida acauteladora no Habeas Corpus nº 79.244-8/DF, a envolver o ex-Presidente do Banco Central, Dr. Francisco Lafaiete de Pádua Lopes, e a Comissão Parlamentar de Inquérito (bem como o respectivo Relator) do Sistema Financeiro, a ambigüidade nos trabalhos da CPI quanto à distinção entre acusado e testemunha, caminhando, por isso mesmo, para a concessão da liminar, garantindo o direito de silenciar em tudo aquilo que perguntas e respostas pudessem incriminar o Paciente. Os incidentes ocorridos no precedente, mormente a prisão determinada por integrante do Órgão, sugerem a adequação deste habeas, no que impetrado preventivamente.

3. Defiro a liminar para assegurar ao Paciente, sem o risco de vir a ser preso, o direito de permanecer em silêncio, isso diante de perguntas cujas respostas possam consubstanciar a auto- incriminação.

4. Dê-se ciência desta liminar às Autoridades apontadas como coatoras, solicitando-se-lhes as informações de praxe.

5. Publique-se.

Brasília, 6 de outubro de 1999.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

Partes

PACTE. : JOSINO PEREIRA GUIMARÃES

IMPTES. : ZOROASTRO C TEIXEIRA E OUTRO

COATOR : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (CPI DO JUDICIÁRIO)

COATOR : RELATOR DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (CPI DO JUDICIÁRIO)

Supremo Tribunal Federal

Classe / Origem AGRMS-23466/DF AG. REG. EM MANDADO DE SEGURANCA

Relator Ministro SEPULVEDA PERTENCE

Publicação DJ DATA-01-07-99 P-00018

Julgamento 25/06/1999

Despacho

DESPACHO : Agravo Regimental do il. Senador Bello Parga, na qualidade de Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro Nacional, criada pelo Requerimento 127/99-SF, contra a decisão pela qual deferi parcialmente a liminar requerida por Francisco Lafaiete de Pádua Lopes no mandado de segurança impetrado contra a decisão colegiada, tomada em reunião reservada de 26.4.99, que aprovou petição de “transferência” àquela CPI dos “sigilos bancário, fiscal e telefônico” do impetrante, além de determinar a “indisponibilidade” dos seus bens. Retificado conforme o despacho ontem proferido o equívoco no ofício de comunicação da liminar, no mais, mantenho a decisão agravada: não lhe abalaram os fundamentos os respeitáveis argumentos do recurso que — independentemente do seu cabimento ou não para o Tribunal — considero, em atenção ao agravante, como pedido de reconsideração da liminar.

É inconsistente, data venia, o pedido de extinção do processo sem julgamento de mérito, porque não requerida “a intimação do Parquet federal”: a audiência do Procurador-Geral — além de compulsória em todos os processos de competência do STF (CF, art. 103, § 1º) — é determinada por lei (L. 1.533/51, art. 10) e pelo regimento com força de lei (RISTF, art. 205), quer a peça, quer não a peça o impetrante.

A lastrear a refutação de incompetência da CPI para decretar indisponibilidade de bens, invoca o recorrente os arts. 125 a 144 C.Pr.Pen. que, sob o título de “medidas assecuratórias”, disciplinam o seqüestro e a especialização da hipoteca legal, que, acentua, “antecedem sempre qualquer decisão final e meritória nos processos de conhecimento”.

Já o dissera expressamente a decisão agravada, o que evidentemente não basta, entretanto, para situar ditas medidas, quando decretadas “na seara do processo penal”, como quer o agravo, “no patamar puramente instrutório e investigatório”: são como está na sua denominação legal, provimentos assecuratórios da eficácia de eventual sentença condenatória – frutos da jurisdição cautelar —, que nem a inteligência mais larga do art. 58, § 3º, da Constituição, permitiria compreender nos “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, ali outorgados às comissões parlamentares de inquérito.

De igual modo, só como medida cautelar se poderia qualificar a indisponibilidade total de bens de alguma pessoa. O caminho adequado para assegurar de logo a efetividade de eventual responsabilidade do investigado, a ser apurada em processo próprio — como resulta do mesmo art. 58, § 3º, CF — não está no exercício pela CPI de uma jurisdição cautelar que claramente não tem, mas sim em instar o Ministério Público a que provoque o Judiciário a exercê-la ou, se for o caso, em provocar a ação do Tribunal de Contas, ao qual — ao contrário do que se pretende — igualmente não pode substituir-se o órgão parlamentar.

No tocante à quebra dos sigilos, a decisão agravada declaradamente não tomou posição quanto à tese que subtrai dos poderes instrutórios da CPI o que a Constituição declarou coberto pela “reserva de jurisdição” do Poder Judiciário: a questão e inçada de dificuldades, sobretudo quando se trata de saber até onde vai — na linha de Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª ed., Almedina, 1998, p. 580), invocada no precedente que lembrei (MS 23.452, liminar, Celso de Mello) — a reserva absoluta ou monopólio da primeira palavra do juiz e onde começam os poderes instrutórios de órgãos não judiciais — especialmente a CPI — sem prejuízo do seu controle jurisdicional reparatório ou preventivo, que o jurista eminente chama “reserva da via judiciária”.

Quis guardar-me no ponto para maiores reflexões na decisão de mérito.

É que, para o juízo de delibação necessário à concessão da liminar, bastou outro fundamento menos polêmico: o da carência de motivação da decisão questionada.

Não a desmente o agravante.

Pretende, contudo, de início, que à CPI não se impunha o dever de motivação de suas decisões, até porque a exigência seria contraditória, na decisão agravada, à afirmação de que a Comissão não profere julgamentos.

A contradição, no entanto, data venia, é do agravo, que, de um lado, postula, sem restrições, os poderes judiciais de instrução, mas, de outro, pretende libertar-se das limitações nela impostas ao juiz: no Estado de Direito, entretanto — que aborrece todo poder arbitrário — a extensão de qualquer poder público é o resultado da soma algébrica entre os signos positivos da competência conferida e restrições impostas ao seu exercício. Assim também o “poder de investigação das autoridades judiciais”, conferido às CPIs, no qual um dos freios mais eficazes é precisamente o da motivação de suas decisões, as quais — ao contrário do que supõe a sua crítica no agravo — não se reduzem aos julgamentos, mas se manifestam também no exercício do poder instrutório, particularmente na admissão ou determinação de provas; sobretudo, daquelas que interferem na área dos direitos e liberdades individuais.

Alega-se ainda que a fundamentação se conteria no próprio requerimento de criação da CPI ou nas sessões públicas: aí, data venia, na melhor das hipóteses, se está a confundir a motivação — que é a expressa indicação dos motivos determinantes da decisão — com a existência deles. São conceitos de todo distintos.

Mantida, portanto, a decisão agravada, ponha-se o agravo em mesa do Plenário.

Brasília, 25 de junho de 1999.

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator

Partes

IMPTE. : FRANCISCO LAFAIETE DE PÁDUA LOPES

ADVDOS. : LUÍS GUILHERME MARTINS VIEIRA E OUTROS

IMPDA. : COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO

Supremo Tribunal Federal

Classe / Origem MS-23465 / DF MANDADO DE SEGURANCA

Relator Ministro MAURICIO CORREA

Publicação DJ DATA-25-06-99 P-00055

Julgamento 18/06/1999

Despacho

DECISÃO: ARACI BENITES DOS SANTOS PUGLIESE requer medida liminar em mandado de segurança impetrado contra ato da Comissão Parlamentar de Inquérito instituída mediante aprovação do Requerimento nº 127/99-SF, que decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico da impetrante, bem como pela indisponibilidade dos seus bens.

2. É seu objeto “apurar fatos do conhecimento do Senado Federal, veiculados pela imprensa nacional, envolvendo instituições financeiras, sociedades de crédito, financiamento e investimento que constituem o Sistema Financeiro Nacional” (fls. 32).

3. Reunida em 26 de abril próximo passado, os seus eminentes integrantes ordenaram o seguinte ato: “(…) São aprovados por unanimidade os seguintes requerimentos: de transferência a esta Comissão dos sigilos bancários, fiscal e telefônico das empresas Macrométrica Pesquisa Econômica Ltda., Macrométrica Sistemas, Macrométrica Assessoria Financeira, Macrométrica Projetos e Macrométrica Consultoria Econômica e dos sócios-proprietários destas empresas e do Sr. Francisco de Pádua Lopes, além do Sr. Luiz Bragança e Alexandre Pundek e Rubens Novaes, bem como a indisponibilidade de bens das empresas aqui indicadas, seus sócios proprietários e também do Sr. Francisco de Pádua Lopes, acrescente-se os irmãos Sérgio e Luiz Bragança, Rubens Novaes e Alexandre Pundek, requerimento este assinado pela maioria da Comissão; (…)” (Fls. 32/33).

4. Embora a determinação não faça referência expressa ao nome da impetrante, declara ela ser sócia das empresas citadas (fls. 34/51).

5. Em decorrência desse ato, teve seus bens declarados indisponíveis e quebrado seu sigilo bancário, fiscal e telefônico.

6. A inicial tece considerações históricas e jurídicas acerca da natureza, poderes e limites de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil, citando decisões pretorianas e escólios de destacados juristas nacionais e estrangeiros, buscando demonstrar que o ato impugnado não encontra respaldo na norma constitucional (artigo 58, § 3º) nem na legislação infraconstitucional.

7. Sustenta, em síntese, quanto à indisponibilidade de bens, que os poderes outorgados às CPIs não são ilimitados, dado que circunscritos ao campo da indagação probatória, excluídos os inerentes à competência dos juízes, inclusive os oriundos do poder geral de cautela; por isso mesmo, sempre que as CPIs entenderem necessária a obtenção de informações sigilosas, constitucionalmente protegidas por cláusula pétrea, poderão requerê-las, desde que de forma fundamentada, à autoridade judiciária competente; e que, quanto à decretação de indisponibilidade de bens, no âmbito penal ou civil, só pode ela ser autorizada se precedida de ordem judicial, não compreendendo esse procedimento dentre aqueles relativos à investigação.

8. Afirma ainda que além de não poder quebrar os sigilos constitucionalmente protegidos, por implicar exorbitância dos poderes a ela outorgados, caracterizada pela ofensa ao princípio da reserva de jurisdição, a CPI ainda praticou ato sem qualquer fundamentação, portanto, com inobservância do disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, embora detendo “poderes próprios das autoridades judiciárias”.

9. Pede medida cautelar para suspender os efeitos do ato atacado (fls. 02/26). Junta documentos (fls. 32/75). É o breve relatório. DECIDO.

10. A Carta Federal de 1988 conferiu significativas inovações às Comissões Parlamentares de Inquérito, atribuindo-lhes “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, sem que essa prerrogativa implique transferência de competências do Poder Judiciário para o Legislativo, em toda a sua plenitude. Assim como os atos judiciais sujeitam-se à instância revisional, também os das CPIs, quando extrapolam os poderes de investigação, não estão imunes de apreciação pelo Poder Judiciário, como qualquer lesão ou ameaça a direito (CF, artigo 5º, XXXV).

11. Pelo menos neste primeiro estádio de delibação, tenho que a expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” não exclui a atuação jurisdicional, quando provocada, se o ato contra o qual se busca reparação esgarça os lindes da mera instrução processual. A indisponibilidade de bens, pela sua própria natureza, com as naturais conseqüências que produz, diz respeito diretamente com o constitucional direito de propriedade do cidadão (CF, artigo 5 , caput, e inciso XXII), circunstância que está, em princípio, a deferir ao Poder Judiciário o seu necessário controle, máxime quando a providência imposta sequer contém um mínimo de motivação.

12. Afastando-se do que me parece ser a função investigatória, e sem ater-se às limitações de ordem constitucional que restringem a competência de seu exercício, desbordou-se a Comissão Parlamentar de Inquérito ao determinar procedimento que pela sua intrínseca contextura jurídica se apresenta como ato privativo reservado ao Estado-juiz, situação tal que expõe o ato impugnado, por via do mandado de segurança, ao deferimento da cautelar.

13. Neste sentido e com relação às decisões tomadas pela mesma CPI, anoto que já foram proferidos despachos monocráticos nos Mandados de Segurança n s 23.435, (DJU de 18.05.99), 23.469 (DJU de 18.06.99) e 23.471 (em 18/06/99 e ainda não publicado), da relatoria do Ministro OCTAVIO GALLOTTI.

14. Quanto a este ponto, considerando a relevância jurídica das teses aduzidas na impetração, concedo a liminar pleiteada, para suspender a eficácia da parte do ato que ordenou a indisponibilidade dos bens da impetrante, até decisão definitiva do pedido.

15. No que concerne à quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, o caso tem singularidades: nada obstante os argumentos constantes da impetração guardarem relevância jurídica, envolvem grau de complexidade que recomenda melhor exame após a vinda das informações.

16. Assim sendo, quanto a este ponto específico, concedo a liminar requerida, limitando a sua eficácia, contudo, até a vinda das informações, quando reexaminarei a questão, ficando desde já determinado que os produtos da quebra dos sigilos bancário, fiscal e de dados telefônicos já obtidos, sejam lacrados e mantidos sob a guarda da CPI, sem que sejam utilizados para quaisquer fins, ficando vedadas novas requisições.

17. Comunique-se o teor desta decisão apenas à autoridade impetrada, visto que é dispensável a sua comunicação às demais autoridades referidas no item 69 da inicial.

Solicitem-se as informações.

Publique-se.

Brasília, 18 de junho de 1999.

Ministro Maurício Corrêa

Relator

Partes

IMPTE. : ARACI BENITES DOS SANTOS PUGLIESE

ADVDOS. : LUÍS GUILHERME MARTINS VIEIRA E OUTROS

IMPDA. : COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO

Supremo Tribunal Federal

Classe / Origem MS-23455 / DF MANDADO DE SEGURANCA

Relator Ministro NERI DA SILVEIRA

Publicação DJ DATA-11-06-99 P-00042

Julgamento 03/06/1999

Despacho

DESPACHO: – Vistos. Nicolau dos Santos Neto, juiz togado aposentado do Tribunal Regional do Trabalho, da 2ª Região – São Paulo, impetra mandado de segurança contra ato do Senhor Presidente do Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, “destinada a apurar fatos do conhecimento do Congresso Nacional, e outros divulgados pela imprensa, contendo denúncias concretas a respeito da existência de irregularidades praticadas por integrantes de tribunais superiores, tribunais regionais e tribunais de justiça”, “o qual determinou o bloqueio dos bens do impetrante e, bem assim, contra ato subseqüente do Ilustríssimo Senhor Presidente do Banco Central do Brasil, por determinar, na esteira do primeiro ato, a impossibilidade de o impetrante movimentar seus proventos como magistrado aposentado, o que, em ambos os casos, fere seu direito líquido e certo(…)”.

Depois de discorrer sobre fatos relacionados à construção do prédio do “Foro Trabalhista de São Paulo” (fls. 4/6), esclarece que “foi determinada a quebra do sigilo bancário do impetrante, com determinação para bloqueio das contas correntes em que figura como titular”, por ofício de 27.4.1999, subscrito pelo Exmo. Sr. Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito enviado ao Ilmo. Senhor Presidente do Banco Central do Brasil, alegando que tal medida, inclusive, alcançou seus proventos, como juiz aposentado. Aduz que a “determinação da autoridade ora apontada como coatora, resultado da deliberação da CPI, é oriunda de requerimento oral realizado pelo Exmo. Sr. Relator, Senador Paulo Souto, no qual se pleiteou a indisponibilidade dos bens do impetrante. Este, embasou- se no disposto no artigo 47 da Constituição Federal, art. 2º da Lei nº 1.579/52 c.c. § 3º, do artigo 38 da Lei nº 4595/64”. Alega que, a seguir, em “cumprimento ao referido ofício, o Banco Central do Brasil, através de seu órgão competente, determinou que todas as entidades componentes do Sistema Financeiro Nacional colocassem em indisponibilidade todos os bens e valores de propriedade do impetrante, como se verifica do ofício enviado ao impetrante pelo referido Banco” (fls. 6).

Sustenta o impetrante que é absolutamente ilegal o ato emanado da autoridade apontada como coatora, além de revelar descabido bis in idem, eis que o bloqueio de seus bens “já foi determinado e realizado na Ação Civil Pública em trâmite perante a 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, ressalvando, como era imperioso, os proventos do impetrante como juiz aposentado” (fls. 9).

Depois de sustentar, longamente, a impossibilidade, de qualquer modo, do bloqueio dos proventos do impetrante, por sua natureza eminentemente alimentar e à vista dos arts. 649, II e IV, do Código de Processo Civil, pleiteia o requerente medida liminar, “para que sejam imediatamente desbloqueados os proventos do impetrante depositados na sua conta corrente nº 112.646-6 do Banco do Brasil, agência 1824-Consolação, São Paulo”.

2. Limitado o pleito de liminar à suspensão do bloqueio de valores relativos aos proventos do impetrante, não há negar a relevância dos fundamentos do pedido e o periculum in mora, aos efeitos do inciso II, do art. 7º, da Lei nº 1533/1951. Manifesto põe-se o caráter alimentar dos proventos de aposentadoria do servidor público inativo, não cabendo, quanto a eles, a indisponibilidade.

3. É de registrar que, em decisão do MM. Juiz Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo, de 24.9.1998, nos autos da ação civil pública movida, contra o ora impetrante e outros, pelo Ministério Público Federal (fls. 112/116 – Processo nº 98.0036590- 7), foi concedida tutela antecipada, deferindo-se, entre outras súplicas, “a) o pedido de indisponibilidade dos bens de Fábio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Corrêa Teixeira Ferraz, Nicolau dos Santos Neto e Delvio Buffulin, dando-se ciência da mesma aos Registros de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo”, determinando-se, além de outras medidas, “c) seja oficiado ao Banco Central do Brasil, no sentido de localizar contas e aplicações mantidas pelos réus referidos, junto às instituições financeiras e bancárias, informando a este juízo” (fls. 115).

4. Ao que se depreende, entretanto, do Ofício LG/BB-074, de 26.5.1999 (fls. 118), dirigido pelo Banco do Brasil S.A. ao impetrante, “o bloqueio e a indisponibilização de seus bens e, por conseguinte, do saldo existente em sua conta corrente de nº 112.646- 6 – Agência Poder Judiciário, deste Banco, foi levada a efeito em atendimento à determinação constante do correio eletrônico nº 99081067 do Banco Central do Brasil, transmitido a todas as instituições financeiras, em atenção ao ofício expedido pela referida Comissão Parlamentar de Inquérito”.

5. Releva, ainda, conotar que, em diversas decisões monocráticas de relatores no STF, há reconhecimento de relevância dos fundamentos, em pedido de liminar, a fim de suspender ato de Comissão Parlamentar de Inquérito que determina “busca e apreensão de documentos” (Mandado de Segurança nº 23.454-7-DF, relator Ministro Marco Aurélio, a 29.5.1999); “indisponibilidade de bens do requerente” (Mandado de Segurança nº 23.435-1-DF, rel. Ministro Octávio Gallotti, a 13.5.1999); “busca e apreensão e quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal do impetrante” (Mandado de Segurança nº 23.452-1-RJ, relator Ministro Celso de Mello, a 1º.6.1999), concedendo-se, então, a cautelar.

6. Do exposto, defiro a medida liminar, nos limites requeridos, para suspender, até o julgamento final deste mandado de segurança, a indisponibilidade dos valores relativos aos proventos de aposentadoria do impetrante depositados na conta corrente de nº 112.646-6 – Agência 1824 – Consolação, São Paulo, do Banco do Brasil S.A..

7. Comunique-se às autoridades indicadas como coatoras, às quais determino, também, se requisitem informações. Comunique-se, por igual, ao Banco do Brasil S.A. a concessão desta liminar, para os devidos fins.

8. Publique-se.

Brasília, 03 de junho de 1999.

Ministro NÉRI DA SILVEIRA

Relator

Partes

IMPTE. : NICOLAU DOS SANTOS NETO

ADVDOS. : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS

IMPDO. : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL

IMPDO. : PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

Supremo Tribunal Federal

Classe / Origem HCEX-79244 / DF HABEAS CORPUS – EXTENSAO

Relator Ministro SEPULVEDA PERTENCE

PublicaçãoDJ DATA-05-05-99 P-*****

Julgamento 28/04/1999

Despacho

Petição SR-STF 23707/99 – PEDIDO DE EXTENSÃO

Reqte.: SÉRGIO LUIZ DE BRAGANÇA

Adv.: RENATO NEVES TONINI

DESPACHO: Sérgio Luiz de Bragança requer a extensão da liminar deferida no HC 79.244 a Francisco Lopes para assegurar-lhe, em depoimento que acaso venha a prestar à Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro, o exercício do direito ao silêncio quanto ao que possa incriminá-lo.

Para sustentar a similitude de sua posição à do paciente originário, informa que “como é público e notório, foi sócio da empresa Macrométrica, juntamente com o ex-presidente do Banco Central do Brasil, Prof. Francisco Lopes, até que este último se afastou da organização para exercer cargos de direção junto àquela instituição financeira.” E prossegue:

“Conforme se vê no mandado de busca e apreensão expedido pela 6ª Vara Federal Criminal da Seção do Estado do Rio de Janeiro, uma das diligências requeridas pelo Ministério Público Federal, visando apreender diversos objetos e documentos com a finalidade de “elucidar a efetiva prática de delitos financeiros”, foi realizada na empresa onde o requerente exerce suas atividades laborais (doc. ).

A par disso, vem sendo divulgado pela imprensa terem sido arrecadados documentos que comprometeriam tanto o requerente quanto o Prof. Francisco Lopes. Essas notícias afirmam, ainda, a existência de uma predisposição dos integrantes da inquisa parlamentar em inculpar o peticionário como agente de crime contra o sistema financeiro.

Recentemente, logo após a prisão do Prof. Francisco Lopes, a mídia vem divulgando a deliberação da referida CPI em determinar a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, não só do requerente, mas também da empresa da qual é sócio.

Ademais, logo após a abusiva busca em seu escritório, por requisição do Ministério Público Federal, foi instaurado inquérito policial para apurar exatamente aquilo que constitui fatos que são objeto da CPI do Sistema Financeiro.

O requerente, portanto, não possui mais a qualidade de testemunha, eis que, se não está ainda indiciado formalmente, é alvo de investigação policial.” Declara, “desde já, que atenderá à convocação do Senado Federal e não se furtará de prestar compromisso de dizer a verdade,” mas pretende – pela extensão da liminar deferida a Francisco Lopes – se lhe garanta preventivamente “o exercício do direito ao silêncio, a respeito de tudo quanto entende que o possa incriminar (…)” Junta a intimação para prestar depoimento amanhã à CPI, o ofício recebido do seu il. Presidente, Senador Bello Parga, que lhe requisita “disponibilize a esta CPI a contabilidade das Empresas Macrométrica dos últimos cinco anos”, e ainda o mandado de busca e apreensão em dependência da sede da empresa que dirige.

Decido.

As alegações e elementos trazidos pelo requerente, somados à notoriedade do episódio, convencem satisfatoriamente ser provável que a ele se dirijam indagações sobre fatos de que eventualmente possa decorrer imputação de conduta ilícita.

É patente, de sua vez, que tais fatos se relacionam estreitamente com aqueles a respeito dos quais correm procedimentos de investigação criminal contra Francisco Lopes, referidos na decisão que lhe concedeu a liminar mencionada: daí, a possibilidade da sua extensão ao requerente.

Reportando-me no mais aos termos e fundamentos da decisão antecedente, defiro a extensão.

Brasília, 28 de abril de 1999.

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator

Partes

PACTE. : FRANCISCO LAFAIETE DE PÁDUA LOPES

IMPTES. : JOSÉ GERARDO GROSSI E OUTRO

COATOR : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITOCOATOR : RELATOR DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO

Supremo Tribunal Federal

Classe / Origem MS-23452 / RJ MANDADO DE SEGURANCA

Relator Ministro CELSO DE MELLO

Publicação DJ DATA-08-06-99 P-00011

Julgamento 01/06/1999

Despacho

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra o Senhor Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro, no qual o autor do presente writ mandamental sustenta a ocorrência de abuso de poder que teria sido praticado por esse órgão de investigação parlamentar. O ora impetrante – fundamentando a sua pretensão mandamental na circunstância de ser Advogado e de não exercer qualquer cargo de direção, de gestão ou de administração na empresa Teletrust de Recebíveis S/A (da qual, segundo afirma, sequer é acionista) – alega, com apoio no art. 133 da Constituição e no art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94, que se revestem de ilicitude as medidas restritivas de direitos contra ele ordenadas pela CPI/Sistema Financeiro.

Passo a apreciar o pedido de medida liminar.

COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA APRECIAR MANDADOS DE SEGURANÇA/HABEAS CORPUS IMPETRADOS CONTRA COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. Cabe reconhecer, preliminarmente, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, em sede originária, mandados de segurança e habeas corpus impetrados contra Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou no de qualquer de suas Casas. É que a Comissão Parlamentar de Inquérito, enquanto projeção orgânica do Poder Legislativo da União, nada mais é senão a longa manus do próprio Congresso Nacional ou das Casas que o compõem, sujeitando-se, em conseqüência, em tema de mandado de segurança ou de habeas corpus, ao controle jurisdicional originário do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, “d” e “i”). Esse entendimento tem prevalecido, sem maiores disceptações, no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, quer sob a égide do vigente ordenamento constitucional (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD – HC 71.193-SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.), quer sob a vigência de Constituições anteriores (MS 1.959-DF, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI), já decidiu que:

“As Comissões Parlamentares de Inquérito não são órgãos distintos, mas emanações do Congresso, competindo ao Supremo Tribunal Federal o controle de seus atos.” (RDA 47/286-304)

Sendo assim – e tendo presente, ainda, o magistério da doutrina (JOÃO DE OLIVEIRA FILHO, “Legislativo: Poder Autêntico”, p. 295/296, 1974, Forense, v.g.) – reveste-se de plena cognoscibilidade o presente writ mandamental ora deduzido pelo impetrante perante esta Suprema Corte.

ABUSO DE PODER DAS COMISSÕES PARLAMENTARES E POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL. O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de impedir que o exercício abusivo das prerrogativas estatais pudesse conduzir a práticas que transgredissem o regime das liberdades públicas e que sufocassem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se ao Poder Judiciário a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais. Daí a precisa observação de JOÃO MANGABEIRA (“Em torno da Constituição”, p. 99, 1934, Companhia Editora Nacional), para quem o Supremo Tribunal Federal, qualificando-se como “o grande poder político” da República, foi concebido como órgão destinado a conter “o Legislativo e o Executivo nas órbitas que a Carta Constitucional lhes traça” e a garantir “os direitos do indivíduo com o amparo de uma proteção irresistível”.

Dentro desse contexto, impende registrar que os atos das Comissões Parlamentares de Inquérito são passíveis de controle jurisdicional, sempre que, de seu eventual exercício abusivo, derivarem injustas lesões ao regime das liberdades públicas e à integridade dos direitos e garantias individuais.

Desse modo, as ofensas ao status libertatis ou a direitos outros titularizados por pessoas ou entidades que sofram as conseqüências prejudiciais da ação eventualmente arbitrária de uma CPI tornam-se suscetíveis de reparação por efeito de decisões emanadas do Poder Judiciário.

É preciso não perder de perspectiva que, no regime constitucional que consagra o Estado democrático de direito, as decisões políticas emanadas de qualquer das Casas do Congresso Nacional, na medida em que delas derivem conseqüências de ordem jurídica, estão sujeitas ao controle jurisdicional, desde que tomadas com inobservância da Constituição.

Quando estiver em questão a necessidade de impor o respeito à ordem constitucional estabelecida, a invocação do princípio da separação de poderes não terá a virtude de exonerar qualquer das Casas do Congresso Nacional do dever de observar o que prescreve a Lei Fundamental da República.

Lapidar, nesse tema, o magistério, sempre erudito e irrepreensível, de PEDRO LESSA (“Do Poder Judiciário”, p. 65-66, 1915, Livraria Francisco Alves), verbis:

“Em substância: exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limite um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda a eficácia jurídica.” (grifei)

Atenta a esse princípio básico, a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação da natureza política do ato emanado das Casas legislativas pudesse constituir – naquelas hipóteses de lesão atual ou potencial ao direito de terceiros – um ilegítimo manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários.

OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO ESTÃO SUJEITOS ÀS LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Não obstante a inquestionável importância político-institucional da atividade de controle legislativo – e das inerentes funções de investigação que são atribuídas ao órgão parlamentar -, o desenvolvimento do inquérito instaurado por qualquer das Casas que compõem o Congresso Nacional rege-se por normas, que, visando a coibir eventuais excessos, impõem insuperáveis limitações jurídico-constitucionais ao exercício das prerrogativas congressuais de pesquisa dos fatos.

Não se deve desconhecer que a CPI – qualquer que seja o fato determinado que tenha justificado a sua instauração – não pode exceder, sob pena de incidir em abuso de poder, os parâmetros que delimitam, em nosso ordenamento positivo, a extensão dos seus poderes investigatórios.

Esses possíveis desvios jurídicos são reconhecidos por nossa melhor doutrina, que, ao referir a atuação ultra vires dos órgãos de investigação parlamentar e ao admitir a conseqüente possibilidade de seu controle jurisdicional, observa (JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “Teoria Geral das Comissões Parlamentares – Comissões Parlamentares de Inquérito”, p. 147, 1988, Forense), verbis:

“As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício de suas atribuições, podem exercê-las com abuso de poder. A competência investigatória tem limites na Constituição e nas leis, sendo passível de controle jurisdicional, através do remédio do habeas corpus, desde que a atuação das mesmas venha a acarretar lesão atual ou iminente à liberdade de locomoção física. Será utilizável o mandado de segurança, na violação de direito líquido e certo.”

A necessária submissão de qualquer CPI ao regramento normativo delineado em nosso sistema jurídico – é importante salientar – foi proclamada, em unânime votação, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, ao conceder o writ de habeas corpus, advertiu que esse órgão de investigação parlamentar não dispõe – mesmo em face do que prescreve o art. 58, § 3º, da Constituição – de poder, para, fora das situações de flagrância, decretar a prisão de qualquer pessoa (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD). Sendo, o inquérito parlamentar, essencialmente, “um procedimento jurídico-constitucional” (JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “Teoria Geral das Comissões Parlamentares – Comissões Parlamentares de Inquérito”, p. 162, 1988, Forense), torna-se evidente que os poderes de que dispõe uma CPI acham-se necessariamente condicionados e regidos pelo princípio da legalidade dos meios por ela utilizados na ampla investigação dos fatos sujeitos à apuração congressual.

Isso significa que as Comissões Parlamentares de Inquéritonão têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República.

O reconhecimento de que os poderes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito são essencialmente limitados decorre da própria natureza de nosso sistema constitucional, pois, no regime de governo consagrado pela Constituição brasileira, nenhum órgão do Estado acha-se investido de prerrogativas político-jurídicas absolutas. Esse entendimento – que prevalece na prática institucional norte-americana (THOMAS M. COOLEY, “A Treatise on the Constitutional Limitations”, p. 11, 6ª ed., 1890, Boston; BERNARD SCHWARTZ, “American Constitutional Law”, p. 77, 1955, Cambridge University Press; WILLIAM BENNETT MUNRO, “The Government of the United States”, p. 346-355, 1926, The Macmillan Company, v.g.) – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário de eminentes juristas nacionais que enfatizam, a propósito do tema, notadamente em matéria de direitos e garantias individuais, que não são ilimitados os poderes de investigação parlamentar atribuídos às Comissões de Inquéritoconstituídas no âmbito do Poder Legislativo da União (MOACYR LOBO DA COSTA, “Origem, Natureza e Atribuições das Comissões Parlamentares de Inquérito”, in Revista de Direito Público, vol. 9/110-121; CLÁUDIO PACHECO, “Novo Tratado das Contituições Brasileiras”, vol. 6/355, 1992; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 2/80, 4ª ed., 1948; ROBERTO ROSAS, “Limitações às Comissões de Inquérito do Legislativo”, in Revista de Direito Público, vol. 12/56-60).

OS MEIOS DE INVESTIGAÇÃO DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. É irrecusável que o poder de investigar constitui uma das mais expressivas funções institucionais do Legislativo. Essa prerrogativa de fiscalizar traduz, na dimensão em que se projetam as múltiplas competências constitucionais do Legislativo, atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar. As Comissões Parlamentares de Inquérito – que constituem verdadeiras fact-finding commissions – devem dispor, na condução do procedimento investigatório, de todos os meios necessários e pertinentes à colimação de seus objetivos. Os poderes de indagação probatória e de investigação ou pesquisa dos fatos determinados que motivaram a instauração do inquérito parlamentar sofrem, no entanto, como precedentemente já ressaltado, limitações de ordem jurídico-constitucional que restringem, em conseqüência, a capacidade de atuação da CPI (RAUL MACHADO HORTA, “Limitações Constitucionais dos Poderes de Investigação”, in RDP, vol. 5/38; JOÃO DE OLIVEIRA FILHO, “Inquéritos Parlamentares”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 2/73; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/72, 1992, Saraiva).

O direito de investigar – que o ordenamento constitucional brasileiro atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (CF, art. 58, § 3º), tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais significativo de sua concretização.

A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, § 3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes. É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal – com apoio no magistério da doutrina (JOSÉ CRETELLA JUNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. V/2700-2701, item n. 303, 1991, Forense Universitária) – tem advertido que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).

Se é certo, observadas as restrições jurisprudenciais mencionadas, que a Comissão Parlamentar de Inquérito “tem poderes imanentes ao natural exercício de suas atribuições, como os de colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando-as a comparecer perante ela e a depor”, bem assim os de “requisitar documentos e buscar todos os meios de provas legalmente admitidos” (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), não é menos exato – segundo autorizado magistério doutrinário (LUIS ROBERTO BARROSO, “Comissões Parlamentares de Inquérito – Limite de sua Competência – Sentido da Expressão Constitucional ‘Poderes de Investigação Próprios das Autoridades Judiciais’ – Inadmissibilidade de Busca e Apreensão sem Mandado Judicial”, in Revista Forense, vol. 335/165; FÁBIO KONDER COMPARATO, “Comissões Parlamentares de Inquérito – Limites”, in Revista Trimestral de Direito Público, vol. 5/66) – que se revela questionável a possibilidade jurídica de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito praticar atos sujeitos ao princípio constitucional da reserva de jurisdição, vale dizer, atos cuja efetivação a Constituição Federal atribuiu, com absoluta exclusividade, aos membros do Poder Judiciário.

O postulado da reserva constitucional de jurisdição – consoante assinala a doutrina (J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 580 e 586, 1998, Almedina, Coimbra) – importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de verdadeira discriminação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se hajam eventualmente atribuído “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.

Isso significa – considerada a cláusula de primazia judiciária que encontra fundamento no próprio texto da Constituição – que esta exige, para a legítima efetivação de determinados atos, notadamente daqueles que implicam restrição a direitos, que sejam eles ordenados apenas por magistrados.

Daí a observação feita por LUIZ FLÁVIO GOMES e por CÁSSIO JUVENAL FARIA, que, a propósito da extensão dos poderes das comissões parlamentares de inquérito, expendem preciso magistério: “São amplos, inegavelmente, os poderes investigatórios das CPIs, porém nunca ilimitados. Seus abusos não refogem, de modo algum, ao controle jurisdicional (HC 71.039-STF). É sempre necessário que o poder freie o poder (Montesquieu). Tais Comissões podem: (a) determinar as diligências que reputarem necessárias; (b) convocar ministros de Estado; (c) tomar o depoimento de qualquer autoridade; (d) ouvir indiciados; (e) inquirir testemunhas sob compromisso; (f) requisitar de órgão público informações e documentos de qualquer natureza (inclusive sigilosos); (g) transportar-se aos lugares aonde for preciso. Cuidando-se de CPI do Senado, da Câmara ou mista, pode, ainda, requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias.

Quanto aos dados, informações e documentos, mesmo que resguardados por sigilo legal, desde que observadas as cautelas legais, podem as CPIs requisitá-los. Isso significa que podem quebrar o sigilo fiscal, bancário, assim como o segredo de quaisquer outros dados, abarcando-se, por exemplo, os telefônicos (registros relacionados com chamadas telefônicas já concretizadas), e, ainda, determinar buscas e apreensões.

O fundamental, nesse âmbito, é:

(a) jamais ultrapassar o intransponível limite da ‘reserva jurisdicional constitucional’, isto é, a CPI pode muita coisa, menos determinar o que a Constituição Federal reservou com exclusividade aos juízes. Incluem-se nessa importante restrição: a prisão, salvo flagrante (CF, art. 5º, inc. LXI); a busca domiciliar (CF, art. 5º, inc. X) e a interceptação ou escuta telefônica (art. 5º, inc. XII);

(b) impedir, em nome da tutela da privacidade constitucional (art. 5º inc. X), a publicidade do que é sigiloso, mesmo porque, quem quebra esse sigilo passa a ser dele detentor;

(c) não confundir ‘poderes de investigação do juiz’ (CF, art. 58, § 3º) com o poder geral de cautela judicial: isso significa que a CPI não pode adotar nenhuma medida assecuratória real ou restritiva do ‘jus libertatis’, incluindo-se a apreensão, seqüestro ou indisponibilidade de bens ou mesmo a proibição de se afastar do país.”

Torna-se importante assinalar, neste ponto, que, mesmo naqueles casos em que se revelar possível o exercício, por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, dos mesmos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, ainda assim a prática dessas prerrogativas estará necessariamente sujeita aos mesmos condicionamentos, às mesmas limitações e aos mesmos princípios que regem o desempenho, pelos juízes, da competência institucional que lhes foi conferida pelo ordenamento positivo. Isso significa, por exemplo, que qualquer medida restritiva de direitos, além de excepcional, dependerá, para reputar-se válida e legítima, da necessária motivação, pois, sem esta, tal ato – à semelhança do que ocorre com as decisões judiciais (CF, art. 93, IX) – reputar-se-á írrito e destituído de eficácia jurídica (RTJ 140/514, Rel. Min, CELSO DE MELLO, v.g.).

Em uma palavra: as Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados judiciais, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes.

Assim sendo, tendo presentes as razões expostas, considerando o relevo jurídico da tese suscitada nesta impetração – especialmente a alegação de ofensa ao princí

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