O atendimento precário nas filas de bancos no Brasil

Muito se tem discutido a respeito das intermináveis filas em bancos, em especial nos dias de hoje, onde a expressão “tempo é dinheiro” encontra perfeita aplicação. As críticas são sempre severas, em especial porque, pelo menos para aqueles que tem um mínimo de cultura, é de conhecimento serem os bancos (salvo exceções, como alguns bancos públicos) empresas das mais rentáveis na economia brasileira. Embora os bancos invistam, constantemente, em equipamentos e tecnologia para, segundo sua óptica, facilitar a vida dos clientes, o fato é que as filas continuam, qualquer que seja o banco.

Eu já fui bancário, tendo trabalhado por quase oito anos num dos bancos particulares mais conhecidos, o Bradesco. Por isso, me vejo na condição de tecer alguns comentários a respeito da qualidade do atendimento bancário à população em geral. Iniciei minha carreira no banco em dezembro de 1976, um mês após haver completado 16 anos de idade. Depois de ingressar no banco, percebi que ali não se tratava de mais um local de trabalho, como tantos outros, pois os funcionários, indiferentemente da posição hierárquica que ocupavam na agência, se tratavam como membros de uma família e procuravam transmitir isso para os clientes. É bem verdade que isso aconteceu na pequena cidade de Guararema, distante mais ou menos 80 quilômetros da capital, entre Mogi das Cruzes e Jacareí, razão pela qual os funcionários (não só o gerente) conheciam quase que a totalidade dos clientes da agência pelo primeiro nome, o que facilitava o relacionamento.

O que estou querendo dizer é que, naquela época, a economia brasileira era outra (e não era melhor do que a atual, não), a visão comercial dos bancos em relação aos clientes era outra, a dedicação dos empregados para com o banco também era outra. Não posso precisar com firmeza se esse pensamento particular meu representava uma unanimidade no setor bancário, mas pelo menos os colegas de outras agências com quem eu tinha contato ratificavam essa visão. Apontar erros é fácil, encontrar a solução nem tanto. Com o intuito de colaborar, com a humildade devida, para a busca de soluções que visem erradicar, ou ao menos minimizar, a questão das filas nos bancos, passo a comentar os dois lados da moeda: os bancos, de um lado, e os bancários, de outro, visando à satisfação do consumidor final – o cliente.

Nos anos 70 e 80, o bancário tinha papel relevante na avaliação de rapidez e eficiência no atendimento do cliente, porque o trabalho dependia, em sua maior parte, da capacidade e inteligência de cada um na execução do seu mister. Lembro que, quando trabalhei no caixa, minhas ferramentas de trabalho eram uma máquina autenticadora Burroughs, grande, pesada e cheia de teclas com números, e uma máquina calculadora elétrica (depois substituíram por uma eletrônica) Olivetti.

Não existia fila única, como hoje; ao contrário, em cada caixa havia uma fila, o que possibilitava à chefia averiguar o desempenho de cada empregado, pela quantidade de autenticações na fita no final do dia. Cientes dessa avaliação, os próprios caixas estipulavam, entre si, uma competição sadia para ver quem eliminava a fila primeiro. Havia mesmo até uma solidariedade entre eles, de forma a que os clientes não tivessem do que reclamar, o que lhes garantia a manutenção no emprego. Não que um fraco desempenho pudesse significar a demissão, mas, no mínimo, um retrocesso na carreira, pois aquele que não se adaptasse seria rebaixado para o cargo de escriturário, perdendo a gratificação pelo exercício da função de caixa. Tal como hoje, naquele tempo qualquer acréscimo no salário era motivo para se esforçar no trabalho.

Não sei quanto aos outros bancos, mas o Bradesco investia bastante na qualificação profissional de seus empregados. Eu, por exemplo, no ano de 1979 participei de seis cursos de formação e aperfeiçoamento, sendo dois deles de uma semana e quatro com quinze dias de duração, com todas as despesas pagas pelo banco. O esforço do empregado em aprender e executar o seu trabalho com eficiência era reconhecido com promoções, o que dava maior incentivo à manutenção de um desempenho progressivo, tanto que eu, após três de anos de serviços prestados, já tinha obtido cinco promoções, em especial ao ser convidado para inaugurar a agência do Bradesco em Ilhabela, no final do ano de 1979, a partir de quando comecei a exercer a função de Sub-Chefe de Expediente (Sub-Contador).

Nem tudo era maravilhoso para o lado do empregado, contudo. O horário de funcionamento dos bancos era mais extenso e a carga horária dos funcionários ultrapassava (e muito) as oito horas diárias, principalmente para aqueles que exerciam cargo de chefia, o que era motivo de constantes discussões trabalhistas, porém, do ponto de vista do cliente, a situação era muito melhor do que a atual.

No final das contas, entre mortos e feridos todos acabavam se salvando. Mas os sindicatos dos bancários, em todo o país, não se deram por satisfeitos e continuaram a buscar novos direitos para seus afiliados, dentre os quais o de ter uma jornada de trabalho de seis horas/dia. Sendo eu um bancário e afiliado do sindicato, tanto quanto muitos outros apoiava a idéia da redução de jornada, entendendo que isso traria maiores benefícios à saúde dos empregados e possibilitaria uma ampliação do quadro funcional de cada agência, o que seria bom para a economia do país. Infelizmente, não só eu como muitos bancários em todo o nosso território estávamos enganados, pelo menos em relação à suposta ampliação de vagas nas agências.

Depois de muitas lutas, o sindicato conseguiu, em meados de 1984, reduzir a jornada de trabalho para o patamar desejado (06 horas), mas, ao contrário do que se esperava, não houve uma simples ampliação do quadro de funcionários. A tática usada no Bradesco foi simples: um empregado exercendo cargo de chefia, já com alguns anos de casa, percebia um salário equivalente ao de dois ou três escriturários em início de carreira, daí que, em várias agências os empregados com cargo de subchefia (como era o meu caso) foram demitidos sumariamente para, com o salário deles, o banco contratar novos empregados. Em outras palavras, como se tratava de banco, e banco sempre tem dinheiro para troco, o que eles fizeram foi trocar uma nota de 10 por duas de 5.

O tempo foi passando e o que se viu foi que o tiro saiu pela culatra, tanto para os empregados quanto para os clientes, estes últimos deixados de lado pela ganância dos banqueiros e pela burrice dos bancários (o termo burrice será mais bem entendido com a continuidade da leitura), pois, para variar, todos, menos os bancos, saíram perdendo. Com efeito, os clientes das agências pequenas, que antes eram conhecidos dos funcionários pelo primeiro nome, começaram a se sentir menosprezados, passando a ser tratados não pelo nome mas pelo número da conta que possuíam, até porque o rodízio de empregados começou a ser freqüente, dificultando o relacionamento banco-cliente (leia-se bancário-cliente).

Os investimentos em aprimoramento profissional começaram a diminuir, primeiro no tempo dos cursos (de quinze dias para uma semana, de uma semana para dois dias), sob a alegação (sempre essa) de necessidade de corte de despesas, trazendo um desequilíbrio na relação chefia-empregado-cliente. Por outro lado, os principais bancos (Bradesco, Itaú etc.) começaram a direcionar seus investimentos para a área de tecnologia (pra isso não havia necessidade de corte de despesas), sempre sob a falsa alegação de dar um “melhor atendimento” ao cliente.

Eu me lembro bem que, logo que o Bradesco começou a informatizar suas agências, o Itaú também o fez (1985-1986), e a briga de marketing entre os dois era no sentido que o Itaú se dizia o primeiro banco eletrônico do país, enquanto o Bradesco se intitulava o primeiro banco instantâneo nacional. Para mostrar aos clientes seus investimentos tecnológicos, os bancos precisavam investir também na área de marketing e, assim, as verbas que poderiam ser utilizadas para melhorar as condições financeiras dos bancários eram desviadas para satisfazer os prazeres dos banqueiros.

Como resultado dessa história, o que temos hoje em dia? Bancos eletrônicos e instantâneos, porém com empregados que mais parecem robôs, frios no atendimento, mecânicos na execução dos trabalhos, sem qualquer motivação e nenhum calor humano no trato com os clientes, completamente alheios ao desconforto das pessoas que passam (em pé) muitos minutos à espera de um atendimento. Como eu já disse, e isso pode ser facilmente comprovado, não existem mais bancários como os do meu tempo. Tem-se a impressão que eles não mostram interesse em seguir carreira, não se incomodam em demonstrar capacidade para exercer a função a si atribuída, não se preocupam com o bem-estar do cliente, que é a razão deles estarem ali. O pior é que aqueles que dirigem as instituições bancárias não estão nem um pouco incomodados com a situação. De fato, os bancos também já não são os mesmos de antigamente – pioraram muito.

A meu ver, as principais causas de tão longas filas nos bancos são:

a) a redução do quadro funcional, principalmente de caixas (não é raro vermos agências com 10, 15 boxes de caixa e apenas 05, 06 com funcionários); e

b) a instituição da “fila única”, porque ficou muito fácil para qualquer caixa “enrolar” no atendimento de um cliente, já que eles não vêem (nos olhos deles) motivo nenhum para apressar o atendimento se os seus colegas do lado (o mais correto seria “concorrentes”) podem atender.

Quanto à questão da tecnologia empregada para dar “comodidade”, “satisfação” e “agilidade” ao atendimento bancário, chega a ser uma ofensa à nossa inteligência a argüição de tais justificativas, bastando lembrar que inúmeros são os clientes que, infelizmente, não possuem cultura suficiente para “entender” o funcionamento das máquinas, o que joga por terra os itens “satisfação” e “agilidade”. De outro lado, dado o crescente número de ilícitos praticados em caixas eletrônicos, em igual proporção aumenta a inibição dos clientes em fazerem uso desse sistema, pelo que o item “comodidade” nem há de ser considerado.

Por fim, não bastassem todos esses inconvenientes, ainda que o cliente seja culto, saiba operar a máquina de forma correta e queira correr o risco de ser abordado por criminosos ao fazer uso do caixa eletrônico, tem ele, ainda, que contar com a “sorte” de encontrar um caixa eletrônico que funcione perfeitamente, o que também tem se mostrado tão difícil quanto acertar na loteria. Muito embora este artigo seja portador de uma visão muito pessimista, tenho comigo que, se o Banco Central do Brasil e o Governo Federal realmente quisessem, já teriam melhorado a situação dos clientes de bancos no Brasil há muito tempo. Se não o fazem é porque, como se diz por aí, “algo de podre existe no reino da Dinamarca”.

Frederico J. C. Ramos é advogado, ex-diretor de cartório judicial e ex-bancário.

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