O abuso de direito no cancelamento de empresas e celebridades nas redes sociais.

Por Felipe do Nascimento Pereira, advogado do escritório MLA (Miranda Lima Advogados) com atuações nas áreas de consultoria, contratual, de processos administrativos e de processos judiciais para recuperação de créditos, todos focados para Shopping Centers. Bacharel de Direito formado pela Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas (Grupo Pitágoras).


As Mídias Sociais tornaram-se hoje um dos meios mais utilizados por empresas e pessoas que buscam projetar suas produções no mercado. Sejam bens de consumo, ideologias ou produções artísticas, as redes sociais criaram um “ecossistema” pelo qual se tornou possível estender o “direito à livre expressão” a um número muito maior de pessoas, e com um alcance inédito. Com efeito, disto, o mesmo alcance foi concedido a qualquer pessoa que deseje realizar um julgamento moral sobre tais produções.

E neste contexto, o anonimato, a distância e a ausência do contato humano permitiram que pessoas expressassem suas opiniões de forma livre e sem punições sociais por possíveis excessos, originando um ambiente no qual todos podem ser o juiz moral de praticamente tudo, situação que vem sendo chamada por alguns de “A Cultura do Cancelamento”, na qual uma declaração que não satisfaça um indivíduo ou um grupo é o bastante para gerar o cancelamento de pensadores, empresas ou mesmo artistas.

A prática do cancelamento é mais que o fomento a um boicote. Ela é uma ação pela qual uma ou mais pessoas atacam a imagem de outra, com o objetivo de abalar a tranquilidade, prejudicar a boa-fama e criar um desprestígio desta pessoa frente à sociedade, imputando a essa pessoa, fatos falsos, distorcidos, desprovidos de provas ou efetivamente exagerados, como o fim de satisfazer ideologias ou convicções, próprias ou de seu grupo, causando às vítimas, danos morais e materiais. Oque configura inequívoco abuso do direito.

O “Cancelador” instiga multidões que, em um comportamento de manada, são induzidas a fazerem justiça com as próprias mãos, mesmo que simplesmente atacando a imagem de alguém. Todavia, o “Cancelador”, que expõe multidões a uma falsa representação da realidade, para lhe assegurar seu objetivo final de expor a imagem de alguém, pratica inegável ato ilícito, cuja responsabilidade não pode ser reduzida sob o argumento de que o dano à imagem decorreria da vontade ou da opinião subjetiva de terceiros.

Embora esta “Cultura do Cancelamento” tenha sido recebida, inicialmente, como um movimento que busca promover a defesa de novos valores morais mais inclusivos, através de reclamações e ataques àqueles que julgam estar errados, em verdade, tal “Cultura” vem sendo utilizada como uma plataforma por diversos indivíduos e grupos que buscam a projeção de suas ideias, e que para tal pesquisam e utilizam-se de qualquer falha comportamental para atacar e, após beneficiarem-se deste momento de visibilidade.

Estes “Canceladores” tomam para si o direito de decidir o que é certo ou errado, realizando acusações, julgamentos e punições, de forma parcial e arbitrária. Importando ser ressaltado que fazer justiça com as próprias mãos, utilizando-se de apenas de seus próprios pontos de vista e valores, é uma prática abolida de nossa sociedade desde que o “Estado Democrático de Direito” passou a garantir que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, ou mesmo ser condenado, senão pelo poder “Jurisdicional do Estado” e em respeito à Lei.

O Direito é a área do conhecimento humano que busca regular as relações entre os indivíduos, com o fim de garantir o progresso da humanidade, e para tal ele conduz o “consciente” social para que o progresso e a evolução da sociedade se deem sem as infrações destes direitos à imagem e à personalidade, constitucionalmente previstos.

Em complemento, o Estado Democrático de Direito busca, como essência, reparar o dano sofrido ou compensá-lo, atribuindo a responsabilidade desse dano a quem efetivamente é seu causador, de forma proporcional. E assim, nos termos do artigo 5.º, V da Constituição Federal, o cancelamento configura ato ilícito de seus idealizadores, mesmo que as repercussões deste ato não sejam previsíveis, gerando a obrigação dos infratores tanto de realizarem o desagravo como de responderem por possíveis danos morais e materiais.

Em suma, todos possuem o direito à livre expressão do pensamento, o que inclusive garante que novas ideias floresçam em nossa sociedade. Porém, caso estas mesmas pessoas ataquem empresas ou celebridades, com o propósito de lhes destruir a imagem, praticando ações que fujam a razoabilidade, a racionalidade e proporcionalidade, tais pessoas estarão sujeitas a realizarem o desagravo ou a garantir ao ofendido o direito de resposta proporcional ao agravo, sem o prejuízo dever de indenizar.

A “Cultura do Cancelamento” não ajuda a promover a justiça. E mais do que tudo, ela expõe a necessidade de se ensinar, a todos os que praticam este ato ilícito, que a verdadeira “Justiça” não busca satisfazer uma pessoa ou um grupo, mas sim garantir o equilíbrio e o progresso social.

E desta forma, a aplicação do instituto da indenização demonstra-se um meio eficaz para se educar os usuários das mídias sociais, para se limitar os excessos de indivíduos, impedir a propagação deste ambiente de intolerância, bem como para dificultar a que alguns poucos se utilizem destas plataformas para se projetarem ao custo de danos imensuráveis, tanto à indivíduos como à nossa capacidade de convívio e tolerância.

1 https://veja.abril.com.br/cultura/anitta-drauzio-varella-moro-rowling-pugliesi-cancelamento/
2 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


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