Jason Soares Albergaria e o papel criminológico no mundo moderno

Lélio Braga Calhau

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Vale do Rio Doce.
Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal.
Mestrando em Direito pela Universidade Gama Filho (RJ).
Editor do site Revista de Direito Penal (www.direitopenal.adv.br)
Autor do livro Vítima e Direito Penal (Editora Mandamentos, BH, 2002).

Nos últimos anos temos visto que Minas Gerais foi perdendo gradativamente espaço nas grandes decisões nacionais sobre o futuro de nossas ciências criminais. Na última década foi criado em São Paulo o IBCCRIM, um dos maiores institutos de ciências criminais da América Latina; vimos a criação e direção do Instituto Carioca de Criminologia no Rio de Janeiro, tendo a direção do professor Dr. Nilo Batista; o Rio Grande do Sul promoveu em 2003 a vinda ao Brasil do penalista alemão Gunther Jakobs e, em 2001, São Paulo e Rio de Janeiro nos proporcionaram a vinda inédita de Claus Roxin ao Brasil (01).

Nesse contexto, a Criminologia mineira perdeu recentemente Jason Soares Albergaria, penalista que fez escola em Minas Gerais elevando pela primeira vez nossa Criminologia ao patamar de reconhecimento nacional e internacional.

Jason Soares Albergaria nasceu em Raul Soares (MG), em 24.11.12, onde fez seus primeiros estudos. Cursou o ginásio em Leopoldina e o curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, onde se tornou bacharel em 1935. No ano seguinte foi nomeado Promotor de Justiça na comarca de Caratinga, na ocasião uma das maiores comarcas do Estado abrangendo vários termos. Permaneceu até 1946, exercendo a sua difícil missão, sempre na defesa da sociedade e dos menos favorecidos.

Em 1946, por puro idealismo se candidatou a Deputado Estadual pelo Partido Democrata Cristão, sendo eleito como único representante desta agremiação política. Foi Deputado Constituinte de 1947, exercendo o seu mandato até o ano de 1950, quando desiludido com a política retorna ao exercício do cargo de Promotor de Justiça, sua verdadeira e única vocação. Atuou na comarca de Juiz de Fora, onde permaneceu alguns meses, tendo sido removido para o cargo de curador de menores da comarca de Belo Horizonte.

No cargo de curador de menores dedicou-se com muito estudo e afinco a causa do menor. Nesta oportunidade criou o Serviço Social e o Setor de Psicologia naquela Curadoria e reformulou o Comissariado de Menores, dando então um cunho de seriedade e de realidade jurídico–científica a orientação do menor, principalmente, ao menor infrator, isto no ano de 1952. Dedicou-se, ainda, à mudança da Lei de Adoção e redige um ante-projeto para a mesma, que foi apresentado na Câmara Federal por seu irmão Jaeder Albergaria sendo aprovada e sancionada, mudando por completo esta legislação no Brasil, e que nos seus princípios básicos foi mantida no atual Estatuto da Criança e do Adolescente.

Foi em seguida promovido ao cargo de Sub-procurador de Justiça, transformado posteriormente em Procurador de Justiça. Por convocação do então Secretário de Justiça Rondon Pacheco, exerceu o cargo em comissão de Diretor do Departamento Social do Menor, quando então extingue o famigerado “Alfredo Pinto” – depósito de adolescentes infratores, criando em seu lugar uma instituição de amparo e recuperação dos mesmos.

Na sua missão de amparar os menores, reformula todas as escolas de menores do Estado sob a sua direção, cria cursos de especialização para o pessoal que irá lidar com os menores. Leva às escolas o Assistente Social, o Psicólogo e o Médico. Foi um dos momentos em que os chamados “menores abandonados” tiveram a melhor orientação e assistência no Estado.

Antes de sua aposentadoria, atendendo a convocação do então Secretário de Justiça, Expedito Faria Tavares, assume a direção da Penitenciária Agrícola de Neves, completamente desestruturada a abandonada. Na sua gestão frente aquela penitenciária, cuidou de montar um Hospital junto a ela para a realização de exames criminológicos. Buscando a recuperação dos presos colocou em funcionamento todas as oficinas do presídio. Fez funcionar as suas três fazendas, tornando o presídio auto-suficiente, e em convênio com órgãos federais, criou vários cursos profissionalizantes que eram freqüentados pelos presos. Assim, a maioria dos presos após o cumprimento da pena, tinham um certificado e um treinamento para exercer uma profissão. Nesta época conseguiu melhorar as condições de vida no presídio com a instauração do tratamento médico e odontológico para todos os presos iniciando desta forma um processo de humanização naquela instituição.

Já na aposentadoria, seguindo o seu espírito de servir a causa pública acata a convocação para exercer, ainda, junto a Secretaria de Justiça do então Secretaria Dênio Moreira o espinhoso cargo de Diretor do Departamento de Organização Penitenciária de Minas Gerais. Neste órgão, demonstrando mais uma vez seu grandes conhecimentos de Criminologia, faz uma verdadeira revolução no sistema penitenciário criando normas, até então inexistentes, valorizando o treinamento e preparo do pessoal que trabalhava em penitenciárias.

Cumprida a sua missão, dedicou-se a atividades acadêmicas tendo criado o Instituto de Criminologia na PUC-MG, que posteriormente foi agregado a Academia da Polícia Civil de Minas Gerais. Lecionou na Faculdade de Direito da PUC-MG por mais de vinte anos na cadeira de Direito Processo Penal.

Neste período foi representante do Estado de Minas Gerais como Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, junto ao Ministério da Justiça, onde atuou como relator de vários processos ali deixou também a sua colaboração como criminólogo. Finalmente, atendendo o convite do então Ministro da Justiça, Dr. Ibrahim Abi-Ackel, assumiu o cargo de Diretor do Departamento Penitenciário Nacional. Nesse órgão, que chefiou por sete anos, na época residindo em Brasília, pode realmente colaborar para várias mudanças no sistema penitenciário nacional, quando editou inúmeros atos normativos, estabeleceu a obrigatoriedade do curso do guarda penitenciário e demais servidores em estabelecimentos penais, formulando os programas e carga horária, criando e instalando várias penitenciárias no Brasil.

Participou da comissão que elaborou a Lei de Execuções Penais (Lei 7210/84). Desta forma anônima, com simplicidade e muita humildade, com amor ao próximo realizou a sua obra em prol dos mais desvalidos, ou seja, os menores e os presidiários, deixando um legado incalculável para a Criminologia brasileira.

Jason Albergaria foi técnico, sem deixar de estar atento a realidade social. Procurou em toda sua trajetória profissional aplicar a teoria que aprendia no intuito de minimizar o sofrimento daqueles que enfrentavam as agruras do sistema penal.

A função básica da Criminologia consiste em informar a sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinqüente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos – o mais seguro e contrastado – que permita compreender cientificamente o problema criminal, preveni-lo e intervir com eficácia e de modo positivo no homem deliquente. A investigação criminológica, enquanto atividade científica, reduz ao máximo a intuição e o subjetivismo, submetendo o problema criminal a uma análise rigorosa, com técnicas empíricas (02). Nesse sentido o trabalho de Jason Albergaria foi realizado diretamente com as pessoas que passavam pelo sistema penal.

Albergaria não se encastelou no mundo acadêmico, onde teria tido muito menos trabalho e teria, caso tivesse se dedicado apenas a lecionar, obtido mais projeção e retorno financeiro. Pelo contrário, fez questão de inserir a Criminologia acadêmica na realidade social de Minas Gerais e do Brasil.

Já foi dito no passado que o criminólogo é um rei sem reino. Se essa premissa teve aceitação em algum momento (o que duvidamos), o trabalho de Jason Soares Albergaria demonstrou que a mesma não é verdadeira. Para Garrido, Stangeland e Santiago Redondo, um criminólogo se faz útil onde pode aplicar parte dos conhecimentos dessa ciência na compreensão ou na prevenção (em sentido amplo) da delinqüência (03). Jason Albergaria com seu trabalho elevou o nome da Criminologia mineira e demonstrou com seu esforço, capacidade intelectual e com seu brilhante caráter que a Criminologia é importante para a efetiva prevenção do delito.

Antonio Beristain, ao comentar a missão do criminólogo no mundo atual, lembra que: “Hay que evitar el abuso históricamente comprobado de la represión por la represión, por el principio de autoridad… Conviene conceder más atención a las disposiones de prevención primaria. Se debe evaluar constantemente los sistemas de la justicia penal para que éstos se ajusten a las necessidades sociales actuales en todo orden: de estructuración, de modificación del sistema penal o de aplicación práctica de éste” (04). Nesse sentido, Albergaria não utilizou de medidas simbólicas no tratamento do sistema penal. Demonstrou que ações concretas podem suavizar o sofrimento dos que passam pelo sistema penal (e em muitos casos) não têm seus direitos fundamentais observados.

Esperamos que as lições de Jason Albergaria não se percam nesse oceano de ações simbólicas e abstrações ( muitas sem o mínimo de responsabilidade social), que se tornou o estudo e a aplicação das ciências criminais em nosso país, onde lamentavelmente em muitos casos a técnica foi deixada de lado, ou utilizada de forma abstrata e irresponsável para beneficiar unicamente os seus aplicadores, em detrimento aos reais anseios e necessidades da sociedade.

Nesse contexto, para Jason Albergaria o ensino da Criminologia revelou-se indispensável em face da atual reformulação da legislação penal e penitenciária, para cuja aplicação são necessárias novas profissões: psicólogo, assistente social, criminólogo, educador. Como são profissionais de formação científica diferente, é necessário um ensino comum de base, de caráter interdisciplinar (05). Há que se manter efetivamente em todas penitenciárias um criminólogo, o qual deve interagir positivamente com os demais profissionais ali lotados.

Jason Albergaria faleceu quase aos noventa anos em 24 de setembro de 2002, certo de ter contribuído de forma bastante significativa para o progresso da Criminologia em nosso país e no mundo.

NOTAS DE FIM

(01) Minas Gerais tem buscado retomar o seu espaço no cenário nacional. Temos o Departamento de Direito Penal da UFMG, dirigido por notáveis criminalistas. Em 2000 foi realizado um Congresso Internacional de Direito Penal (de grandeza pouco superada por qualquer outro recente evento no país) em homenagem à memória do professor Lídio Bandeira de Mello em Belo Horizonte. Fundou-se o ICP – Instituto de Ciências Penais em Belo Horizonte, atualmente presidido pelo advogado criminal Hermes Vilchez Guerrero. O Direito Penal mineiro vive, ainda, um bom momento onde uma nova geração de penalistas (Alexandre Victor de Carvalho, Rogério Greco, Carlos Canedo, Jane Silva, Fernando Galvão) veio se juntar ao grupo que já era muito conhecido (Jair Leonardo Lopes, Marcelo Leonardo, Ariosvaldo Campos Pires, José Cirilo Vargas etc) e estamos vendo a cada dia mais o lançamento de obras do Direito Penal mineiro no cenário nacional.

(02) MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia, 4a edição, São Paulo, RT, 2002, p. 147.

(03) GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Principios de Criminología. 2a ed, Valencia, Tirant lo Blanch, 2001, p. 58.

(04) BERISTAIN, Antonio; NEUMAN, Elías. Criminologia y dignidad humana (diálogos), 2ª ed, Buenos Aires, Depalma, 1991, p. 123-124.

(05) ALBERGARIA, Jason. Noções de Criminologia. Belo Horizonte, Mandamentos, 1999, p. 19.

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