Do remédio heróico do Habeas-Corpus

sinótico

1- origem histórica

2- natureza jurídica

3- espécie de hábeas corpus

4- pedido de informações

5- expressões usadas no Hábeas corpus

6- reiteração de habeas corpus

7- Hábeas corpus –coação praticada por particular

1) Origem histórica

No Brasil, o remedium heróico do habeas corpus entrou pela primeira vez, em nossa legislação em 1832, com a promulgação do Código de Processo Criminal, posteriormente com a Constituição Republicana de 1891, em texto de lei maior.

O Hábeas corpus figurou no capítulo dos direitos e garantias individuais e, atualmente, na recente Carta Magna de 5 de outubro de 1988,no título II, dos Direitos e garantias fundamentais, ínsito no cap 1ª, sob a epigrafe: “ dos direitos deveres coletivos e individuais, ART 5ª, INCISO LXVIII, que preleciona verbis

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;.

2- natureza jurídica:

recurso especial , ação ou ação popular?

8- Recurso especial -Alguns entendem que o HC é um recuso especial, como Galdino Siqueira, Magalhães Noronha, uma vez que pode ser impetrado contra decisão do juiz, para a instância Ad quem (Juízo superior) as reveja.

9- Ação outros reconhecem que o HC é uma ação, como Pontes de Miranda, Helio Tornaghi, Tourinho Filho;

10- Ação popular –Finalmente, há uma terceira corrente de estudiosos que encaram o HC como verdadeira ação,popular constitucional,isto,porque pessoa do povo pode impetra-lo, inclusive o próprio beneficiário, tenha ou não capacidade postulatória, tanto maior ou menor, nacional ou estrangeira (Cf. Paulo Lucio Nogueira, Curso completo de processo penal – R Editora Saraiva, ed. 1988, loc, cit, pág. 265)

3) Espécies de Habeas Corpus

Há duas (2) espécies de Habeas corpus, a saber: o preventivo,que pode ser impetrado,quando houver ameaça a liberdade de locomoção e expede-se salvo conduto em favor do paciente,que não poderá a vir ser preso ou sofrer qualquer constrangimento, o que acontecia nas aberrantes prisões para averiguações, hoje pelo texto constitucional. E hábeas corpus liberatório ou repressivo,que n o dizer de Pontes de Miranda,pode ser impetrado quando o paciente estiver sofrendo violência ou coação ilegal na sua liberdade de locomoção (art 5ª, inciso lXVIII), caso em que ser´expedido “alvará de soltura, se o paciente estiver preso(Cpp art 660, §6.)

4) Pedido de informações

Impetrado o writ nos moldes do art 654,§ 1º, alínea A, do Código de processo Penal, o Juiz ou o tribunal, se entender necessário,poderá requisitar a autoridade coatora as informações necessárias sobre o constrangimento. Recebidas tais informações, o HC será apreciado no defluxo de vinte e quatro horas.

É bom salientar, para os néscios em matéria de processo penal, que o hábeas corpus não é meio adequado par trancar o inquérito,todavia, em algumas situações especialíssimas, como por exemplo,diante da extinção da punibilidade por prescrição ou decadência, tem se admitido em diversos escólios jurisprudenciais, seguindo a ótica do Pretório Excelso da República,o remédio do Hábeas Corpus.

Assim, consideradas em conjunto a excepcionalidade da ordem contra inquérito policial, como salienta o Prof. Mauro Silva Guedes, e a admissibilidade de acurado exame de prova em sede de HC, e sabendo-se que no processo não há em que se falar em partes ou e contraditório, a legitimidade para recorrer há de ser do impetrante,do paciente ou do Ministério Público, do ofendido ou não “ (MAURO Silva Guedes,Questões e soluções de Direito Penal e Processual Penal,Editora Saraiva, ed. 1988, loc, cit, pat 146).

5 Expressões usadas no HC

No HC usam-se as expressões WRIT,designando o remedium júris do HC, paciente,para designar a pessoa que sofreu ou está na iminência de sofrer o constrangimento ilegal: Impetrante, a pessoa que pede a ordem do HC: impetrado, a autoridade a quem é dirigida o pedido; Coator a pessoa que exerce constrangimento, detentor , a pessoa que detém o paciente

) Quais as espécies de hábeas corpus?

Preventivo e liberatório.

O que é habeas corpus preventivo?

É a modalidade de habeas corpus que deve ser utilizada quando a pessoa encontra-se na iminência de perder a sua liberdade.

O que é hábeas corpus liberatório?

É dito habeas corpus liberatório quando a pessoa já se encontra sofrendo a restrição.

6-REITERAÇÃO DO HABEAS CORPUS

INCIDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

6.1)é Admissível o conhecimento de anterior pedido denegado de hábeas corpus mês mo que a causa de pedir seja com o mesmos fundamentos, uma vez que a ordem não tem execução mandamental e não faz coisa julgada(non res judicata).

JULTCRIM: 14/58,20/81, 22/75. 43/85, 45/141, 48/71, 49/92, 52/85, 53/151, 54/94, 57/116, 65/135, 70/98, 462/365487/340, 492/311, 493/344, 548/384,585/339.

RJTESP VOLUMES

59/340, 65/302, 77/346, 80/396.

6.2)é admissível o conhecimento de anterior pedido denegado de hábeas corpus apenas na parte em que o pedido contiver novo argumento e outras provas.

JULTACRIM:: 26/130, 27/235,43/363,46/70,48/125,49/9254/94,55/73,59/9O, 61/65 66/85,70/95,73/101,Revista dos Tribunais volumes:15/331,570/429, RTJ 74/43

6.3) é inadmísvel o conhecimento de anterior pedido denegdo de Hábeas corpus,pois se tornará, o órgão julgador, a autoridade coatora.

JULTACRIM volumes: 47/107, 48/125,49/131,51/408,52/406,53/465, 57/116,58/67,79/80,63//100,64/122,70/98,70/119; REVISTA DOS TRIBUNAIS; 292/78,317/61,RJTESP 56/300,57/310, 62/327.

NOTAS; 1- VEM O STF entendendo que não ´de possível a reiteração:

RHC 60.678-4 –MT 1ª Turma,22/02/83 – Relator: Ministro Soares Munhoz,DJU 11/03,p.2474

DOUTRINA SOBRE O TEMA EM FOCO

Pontes de Miranda, “ História e prática do Hábeas Corpus ,editora Saraiva, 8ª edição,1979, loc, cit, vol II,pag 51,Eduardo Espíndola Filho, “Código de processo Penal Anotdo “, 67 edição, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro,1965,v.VII,pág. 284, Florêncio de Abreu, “ Comentários ao Código de Processo Penal “Editora Forense, Rio de janeiro, vol. V,pág. 578,, FERNANDO DA Costa Tourinho Filho, “ Processo Penal, 6ª edição, SP, Editora Saraiva, 1983, Vol IV,pag 433, Benjamim do Carmo Braga Junior, “ Manual de Hábeas Corpus, Rio de Janeiro, , Manoel da Costa manso o processo penal na segunda instância, dtiroa Saraiva, 1983, loc, cit, pág. 459, JOSÉ Luiz Vicente de Azevedo Francescini Jurisprudência penal e processual Penal, Editora Universitária de Direito, 1981, vol V,pág. 158, Mohamed Amaro , Jurisprudência e doutrina criminais, Editora RT, vol 1, pág. 543, Damásio Evangelista de Jesus, Código de processo Penal Anotado, editora Saraiva, S.Paulo.

7-HABEAS CORPUS: COAÇÃO PRATICADA POR PARTICULARES

1- É admissível o remédio do Hbeas coru corpus em se tratando de cosntrangimento á lideradadde de locomoção praticdada por particular.

JULTACRIM: VOLUMES:44/129, RT 304/700, 307/76,309/85,493/3L6,509/336,514/307,552/323, rjtjsp 66/332,80/432,85/412,87/419; RF 167/369.

2- A coação que se pretende corrigir com o remddium júris do HC deve partir de ua autgoridsade públcia e não de particular.

JULTACRIM 61/85, rt 300/101,363/185

Pontes de Miranda, História e pratica do Habedas corpus: Mkanoel da Costa Manso, o procdesso a seg8nda instrancia, Eduardo Espindola, Código de PROXCESSI Penal Anoadado, pág 60/61, Inocêncio Borges da Rosa,Processo Penal Basileiro,pág.233).

11- EXEMPLOS TÍPICOS DE HABEAS CORPUS

II – CASOS JULGADOS. De hábeas corpus
PRIMEIRO CASO
Habeas-corpus impetrado pelo próprio Ministério Público em favor do réu, contra condenação transitada em julgado.
Fonte de pesquisa(Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Brasília, 143:628-633 – Fev. 1993),arquivos do Ministério Público, José Wilson Furtado)

Este caso tem como personagens dois acusados de homicídio. Kênedes, o autor, esfaqueou a vítima, enquanto Ailton, o partícipe, com o corpo, obstruiu-lhe a fuga que poderia salvá-la. Processados regularmente, ambos foram pronunciados. [i] [7] Levados ao Tribunal do Júri de Taguatinga, uma cidade satélite de Brasília, houve a separação dos julgamentos. O primeiro a ser julgado foi Kênedes, que acabou absolvido. O Tribunal entendeu por 5 votos a 2 que não houve crime, acolhendo a tese defensiva da legítima defesa, uma excludente de ilicitude. É dispensável dizer que não concordei com esse veredito. Interpus o cabível recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, certo de que a decisão seria cassada e reenviado o caso a novo julgamento. Não havia, nessa perspectiva, impedimento para julgar o partícipe Ailton, o que ocorreu em seguida. Julgado, foi condenado. A defesa também não concordou e recorreu na esperança de que esta decisão seria cassada, para que houvesse, igualmente, outro julgamento.

Como atrasaram os preparativos para processar o primeiro recurso, o certo é que foram julgados simultaneamente pela 2.ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça, que teve, nos dois casos, a mesma composição, ou seja, os dois recursos foram julgados pelos mesmos desembargadores. O ineditismo (melhor diria, o absurdo) das decisões dos jurados, que no Brasil julgam secretamente e, por conseqüência, não motivam as decisões, foi mantido pelo Tribunal. Kênedes teve sua absolvição confirmada e Ailton foi definitivamente condenado. Ambas as decisões transitaram em julgado, valendo relembrar que a absolvição do autor fora por legítima defesa. Em português claro, isso significava dizer que a conduta principal fora lícita. Significava dizer que o Tribunal de Justiça admitiu uma participação criminosa numa conduta lícita. Ou seja, um equívoco elementar. Um erro típico dos bancos escolares como viria a classificá-lo o Supremo Tribunal Federal.

Após o trânsito em julgado, os autos do processo retornaram-me para providenciar a carta de sentença para a execução da pena. Foi nesta oportunidade que tomei conhecimento das decisões do Tribunal de Justiça. Em seguida impetrei o habeas-corpus, afinal julgado em 15 de Dezembro de 1992. O teor da impetração, pela sua objetividade, consta do acórdão do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro [1] [8] Francisco Rezek, integralmente transcrito para que se tenha uma idéia do seu processamento. Há, para complementar, uma curiosidade. Até a Constituição de 1988 havia o entendimento de que os Promotores de Justiça não podiam fazer sustentações orais (defesas orais) no Supremo Tribunal Federal, onde todas as sessões são públicas. Entendia-se que o Ministério Público perante suas turmas e plenário era exclusivamente o Procurador-Geral da República e seus Adjuntos. Nesse habeas-corpus requeri, fundamentadamente, que me fosse autorizado fazer a defesa oral das razões da impetração. A 2.ª Turma, à unanimidade, autorizou-me, quebrando uma tradição de algumas décadas. A ordem foi concedida para cassar a condenação de Ailton, e como no Brasil não há revisão criminal pro societate, nada pôde ser feito contra a absolvição de Kênedes. [2] [9]

SEGUNDO CASO:
Habeas-corpus substitutivo de recurso especial.
(Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, 2(5):136-142 – Jan. 1990,arquivos jurídicos do Ministério Público, José Wilson Furtado))

Edgar Pereira Lima envolveu-se numa disputa amorosa com seu irmão, vindo a matá-lo. Foi processado por homicídio qualificado. Pronunciado, foi julgado pelo mesmo Tribunal do Júri de Taguatinga e absolvido por uma maioria de 4 votos a 3. O Ministério Público, representado pelo digníssimo Dr. Heraldo Machado Paupério, de quem, anos depois, tornei-me colega na Promotoria, não aceitou a decisão e recorreu ao Tribunal de Justiça alegando que a decisão absolutória era contrária à prova dos autos. Pelo princípio brasileiro da soberania das decisões tomadas pelo Tribunal do Júri, os Tribunais de Justiça não podem alterar a decisão de mérito. Não podem reverter uma condenação ou uma absolvição. Nestes casos, operam como corte de cassação e se entenderem que a decisão Popular foi «manifestamente» contrária à prova produzida, cassam-na e reenviam o caso a novo julgamento, o que será feito por outros jurados. No novo julgamento, qualquer que seja a decisão ela não poderá ser submetida a o utro recurso para avaliar provas. Admitindo-se, por exemplo, uma primeira decisão absolutória, a segunda pode confirmá-la ou não. Será indiferente e não haverá outro recurso para avaliar o concerto da prova com a veredito.

Falou pelo paciente o Dr. Diaulas Costa Ribeiro.

Presidência do Sr. Ministro Néri da Silveira. Presentes à seção os Senhores Ministros Paulo Brossard, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Francisco Rezek. Subprocuradora Geral da República Dra. Odília Ferreira da Luz Oliveira.

Brasília, 15 de Dezembro de 1992 – José Wilson Aragão, Secretário. (RTJ 143, Fev.1993, páginas 628-33)

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Foi o que aconteceu e nessa oportunidade, muito antes de ingressar no Ministério Público, fui seu advogado. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, numa decisão também por maioria de 2 votos a um, cassou a absolvição, submetendo-o a novo julgamento. Por ter sido essa decisão contrária ao acusado, houve um recurso para o plenário do Tribunal chamado embargos infringentes. Opostos esses embargos, a cassação foi mantida por maioria. Sem outras alternativas, adveio o segundo julgamento que resultou numa condenação de 5 anos de prisão, também por maioria.

Faço aqui um parêntese para registrar que o então Presidente do Tribunal do Júri era o Juiz Augusto José Alves, o primeiro português a ingressar na magistratura brasileira valendo-se do estatuto de igualdade luso-brasileiro. Por uma feliz coincidência, é primo do nosso vice-reitor, D. Manuel Isidro Alves.

Como não era cabível recurso para discutir as provas, recorri contra o quantum da pena. Também argüi uma nulidade qualquer. Denegado este recurso, impetrei um habeas-corpus. Estávamos no ano de 1989. O STJ, criado pela Constituição de 1988 em substituição ao antigo Tribunal Federal de Recursos, acabava de ser instalado e por esta razão foi o habeas-corpus n.º 10. Hoje já são alguns milhares.

As razões da impetração merecem ser contadas. As minúcias têm em conta o presumido desconhecimento que o leitor possa ter do nosso sistema processual. Assim, para se resguardar a soberania das decisões do Tribunal do Júri, determina o CPP que a cassação pelo Tribunal de Justiça só possa ocorrer, em matéria probatória, quando a decisão for «manifestamente contrária à prova dos autos». Minha sustentação foi mais etimológica do que jurídica. Afirmei que o advérbio «manifestamente» não tolerava decisões por maioria. Se no Tribunal do Júri tudo é possível porque não há motivação, no Tribunal de Justiça não pode valer a mesma regra. Logo, argumentei que os Tribunais de Justiça só poderiam cassar as decisões do júri, em casos de prova, por unanimidade. O que permite dúvida, não é manifesto. O que é manifesto não tem dois lados, não admite duas versões. Ou é, ou não é. Insisti que na turma a decisão fora por maioria de dois a um. O voto vencido tinha tantos argumentos quanto os vencedores. No plenário, quando do julgamento dos embargos infringentes, também não houve unanimidade. A conclusão era que o Tribunal feriu a soberania do júri cassando um veredito que tinha amparo na prova. Não era manifestamente contrário a ela.

A decisão, no resumo, foi favorável. O Superior Tribunal de Justiça cassou a decisão proferida no segundo julgamento; cassou o acórdão proferido no julgamento dos embargos infringentes; cassou o acórdão proferido na apelação do Ministério Público (a que submeteu o acusado a novo julgamento), e, finalmente, restabeleceu aquela primeira decisão tomada por 4 a 3 que absolveu o acusado. [3] [10]

TERCEIRO CASO:
Habeas-corpus impetrado em favor do ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.
(Grandes julgamentos de 1964)

O regime militar instaurado em 31 de Março de 1964 cassou os direitos políticos de várias personalidades, destacando-se o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília. JK exilou-se na Europa, retornando em Outubro de 1965. Ainda no aeroporto do Rio de Janeiro (Galeão), chegando de Lisboa, foi intimado a prestar depoimento num Inquérito Policial Militar (IPM). Ao cumprir esta primeira intimação sobre as atividades do Partido Comunista, foi logo intimado para um outro, chegando ao absurdo de 60 horas de interrogatórios, alguns deles com 11 horas ininterruptas.

Indignado com esses fatos, o advogado Sobral Pinto, notório pela defesa de presos políticos e perseguidos pelo fascismo getulista, dentre eles o Capitão Luís Carlos Prestes, impetrou, em companhia do Dr. Cândido de Oliveira Neto, um habeas-corpus perante o Supremo Tribunal Federal em favor do ex-Presidente. No auge da repressão do governo Castelo Branco a coragem do Dr. Sobral tomou lugar na história brasileira. O Supremo não chegou a julgar o pedido porque as alegadas coações encerraram-se. Contudo, a transcrição integral do pedido, classificado como um dos “Grandes Julgamentos de 1964” não poderia ficar fora desta exposição. O documento dispensa qualquer outro comentário. Registro, apenas, que tem mais de 30 anos

(*) José Wilson Furtado,Promotor de Justiça Titular da 7º Unidade do Juizado do Montese e arquivista do Jornal Tribuna do Ceará, formado em pos Graduação em Processo Penal pela Unifor).

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[1] [8] Eleitoral e o Superior Tribunal Militar.

[2] [9] HABEAS-CORPUS N° 69.741—DF (Segunda Turma)

Relator: O Sr. Ministro Francisco Rezek.

Paciente: Ailton Barbosa de Oliveira.

Impetrante: Diaulas Costa Ribeiro.

Coator: Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Habeas-corpus. Júri. Co-autoria. Absolvição do autor e condenação do partícipe. Nulidade. Extensão dos efeitos absolutórios.

Homicídio. Reconhecimento, em favor do autor, de legítima defesa. Condenação, entretanto, do partícipe, em julgamento separado. A participação penalmente reprovável há de pressupor a existência de um crime, sem o qual descabe cogitar de punir a conduta acessória.

Habeas-corpus concedido, com anulação da condenação e extensão dos efeitos absolutórios resultantes do julgamento do autor.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em anular a condenação imposta ao paciente, estendendo-se a ele a decisão absolutória do Tribunal do Júri, prolatada quando do julgamento do co-réu Kênedes Sousa Félix. Determinou-se a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente Ailton Barbosa de Oliveira, se por al não houver de permanecer preso.

Brasília, 15 de Dezembro de 1992 – Néri da Silveira, Presidente – Francisco Rezek, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Rezek: Este habeas-corpus, impetrado pelo Promotor de Justiça que oficiou na acusação do paciente ante o júri de Taguatinga, insurge-se contra decisão do Tribunal de Justiça do DF pelos motivos assim expostos na inicial:

«I – O Ministério Público ofereceu, em 25 de Março de 1991, denúncia contra Kênedes Souza Félix (primeiro denunciado) e Ailton Barbosa de Oliveira (segundo denunciado). Conforme a denúncia, no dia 12 de Março de 1991 o l.º acusado esfaqueou e matou Isaias Gomes de Oliveira. O segundo acusado concorreu para o crime, visto que, no momento da facada, impediu, obstruindo com o corpo, que a vítima fugisse. Foram enquadrados no artigo 121 do Código Penal. O l.º como autor e o segundo como partícipe (cúmplice).

II – Processados regularmente, foram pronunciados e libelados nos termos da denúncia. Marcado o julgamento para o dia 17 de Setembro de 1991, houve a separação na forma do artigo 461 do CPP. Kênedes Souza Félix, o autor da execução, foi absolvido com o acolhimento da legítima defesa própria. Ailton Barbosa de Oliveira, o partícipe, foi julgado em 12 de Novembro de 1991 e condenado. O Ministério Público recorreu da absolvição de Kênedes e a defesa recorreu da condenação de Ailton. Ambos os recursos, alegando decisões manifestamente contrárias à prova dos autos, foram improvidos pela 2.ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

III – Independentemente da soberania constitucional das decisões do Tribunal do Júri, a autoridade coatora não poderia ter permitido absurda contradição entre as duas decisões. Se o autor agiu em legítima defesa, não praticou crime. Logo, a participação do paciente não pode ter relevância penal. Há de se esclarecer que os dois recursos foram julgados em datas próximas, sendo que o primeiro foi lembrado pelo Des. Carlos Augusto Faria, quando do julgamento do segundo. Poderia, portanto, ter sido concebida uma melhor decisão.

IV – A participação (prevista no artigo 29 do Código Penal) é, necessariamente, acessória, segundo Bockelmann, ou seja, depende da existência de um crime principal. Diz o Código: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Essa acessoriedade não é produto da lei. Ela está na própria natureza dos fatos. A cumplicidade pressupõe um crime ao qual se vinculam duas ou mais pessoas. Não havendo crime na ação principal do autor, não há que se falar em participação criminosa.

V – Pela Teoria Finalista é possível haver participação quando o autor é isento de culpa ou de pena. Mas essa não é a hipótese ocorrida. No caso não houve crime (CP, artigo 23 «Não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa») .

VI – Segundo Heleno Fragoso, «a participação está em função da conduta típica realizada por outrem. Em si mesma, a participação se realiza através de conduta penalmente irrelevante, que acede ao fato principal, adquirindo relevância somente quando, pelo menos, o autor inicia a execução. A participação, é, pois, contribuição ao crime realizado por outrem». Não havendo crime, conclui-se, não há participação a ser punida.

VII – Diante da manifesta ilegalidade do resultado produzido pelo antagonismo das decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, já transitadas em julgado, e a imutabilidade da absolvição do autor Kênedes, não há outro remédio senão a absolvição, também, do paciente. Na opinião deste Promotor, que funcionou nos dois julgamentos do Tribunal do Júri, se a absolvição do autor (Kênedes) tivesse sido mantida pelo Tribunal de Justiça antes de se julgar o paciente Ailton, não caberia, sequer, a sustentação do libelo com relação a este. A extensão deveria ser automática e concedida de oficio pelo próprio Tribunal de Justiça. A contradição só aconteceu porque esperava o Ministério Público a reforma da primeira decisão, sendo surpreendido com a sua manutenção.

VIII – Seria cômodo deixar a situação no estado em que se encontra, principalmente ante a inércia da defesa. Mas esse não e o comportamento que deve ter aquele que recebeu da Constituição a titularidade da ação penal e a incumbência de fiscalizar a aplicação das leis. É também uma questão de consciência pessoal do acusador.

Ante o exposto, Senhor Ministro Presidente, demonstrada a ilegalidade da condenação imposta ao paciente, espera o impetrante seja concedida a ordem para anular o acórdão n.º 57.192/92 (proferido no julgamento da apelação n.° 11.849/ 91) editado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal através da sua 2.ª Turma Criminal, e que manteve a condenação de Ailton Barbosa de Oliveira. Por conseqüência, requer a retroatividade dessa anulação a todos os atos processuais que diretamente dependam da decisão anulada (sentença condenatória de primeiro grau, decisão de pronúncia, e despacho de recebimento da denúncia) de forma a tornar nula toda a ação penal, proposta contra o partícipe (cúmplice) de uma conduta afinal declarada lícita.

Concedida a ordem, requer a expedição de Alvará de Soltura em favor do paciente, atualmente preso e cumprindo pena no Centro de Internamento e Reeducação da Penitenciária do Distrito Federal».

O Ministério Público Federal manifesta-se pelo conhecimento e concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Rezek (Relator): Temos aqui um caso escolar de ilegalidade corrigível por habeas-corpus: sintomático que a ordem tenha sido proposta pelo mesmo membro do Ministério Público que funcionou na acusação. Da mesma forma registro a independência na atuação do promotor que frente ao constrangimento praticado não hesitou em relegar a originária investida acusatória para buscar obter a validade do bom direito. Sobre a espécie assim opina, no essencial, o Subprocurador-Geral da República Mardem Costa Pinto:

«O presente habeas-corpus deve ser conhecido e concedida a ordem para anular o julgamento do paciente .

É que diante da teoria monística adotada por nosso código, que considera o crime como unidade jurídica, apesar da pluralidade de agentes, a participação, que é necessariamente acessória de um ato principal, só tem relevância quando o agente principal pelo menos inicia a execução de um crime: conseqüentemente, se o fato atribuído àquele que executa a ação descrita na figura típica foi considerado legal, em face do acolhimento da tese da legítima defesa, a mera participação não pode ter qualquer repercussão no âmbito do direito penal, já que o fato principal deixou de ser objetivamente ilícito.

Esta aliás é a posição de José Frederico Marques, em face da chamada «teoria da acessoriedade limitada», quando afirma, verbis:

«A participação é acessória de um ato principal, como diz Jimenez de Asúa, e este consiste na prática de ação penalmente ilícita .

As dificuldades que entendem existir os adversários da acessoriedade para a explicação de certos casos de co-delinqüência onde o autor principal não é punível são de todo inexistentes, desde que se fixe que se exige no ato principal a ilicitude a parte objecti, isto é, o fato típico e anti-jurídico. A não punibilidade, do sujeito que realiza os atos típicos a que está subordinada a participação não exclui a antijuridicidade do fato tipificado; e sua punibilidade, desde que haja ilicitude penal a parte objecti, é toda pessoal. Participar de um fato típico praticado no exercício regular de um direito, ou em estado de necessidade, não constitui ato punível porque a ação principal não é objetivamente ilícito. Mas se da parte do autor principal, houve erro de fato, a exclusão de punibilidade por ausência de culpa não exclui a punibilidade do participante, pois houve ilícito penal na ação principal, embora o preceito secundário da norma não possa ser aplicado ao executor». (Curso de Direito Penal, Saraiva, 1966; volume II, páginas 311/312. Grifamos).

O legislador penal separou assim, de forma bem patente, a ilicitude, a parte objecti, da culpabilidade, a antijuridicidade objetiva da relação subjetiva com o fato, isto é, do juízo de valor sobre a culpa em sentido lato.

Se um louco comete um furto, a ilicitude criminal do fato não o torna passível de pena porque a inimputabilidade impede a aplicação de sanctio iuris dessa natureza. Mas se o louco vender a coisa furtada a um terceiro, esta será considerada produto de crime para caracterizar-se o delito de receptação descrito no artigo 180, do Código Penal.

Isto significa que a legislação brasileira perfilhou a doutrina que conceitua a antijuridicidade penal como ilícito objetivo. A cooperação, por exemplo, em ação penalmente justificada (e portanto lícita), nada tem de antijurídica, embora se trate de ação enquadrada em descrição típica. O co-autor, porém, de um fato típico e ilícito, será passível de pena, apesar de o executor da ação típica estar isento de punição por ausência de culpabilidade». (Obra citada, volume 11, página 110. Grifamos) .

No mesmo sentido é a lição de Damásio E. de Jesus, verbis: «Passamos a adotar a teoria da acessoriedade limitada. Como diz Welzel, «para a punibilidade da participação basta que o fato principal seja típico e antijurídico», não se exigindo que seja culpável. Assim, a participação não requer que o autor principal tenha atuado «culpavelmente».

José Frederico Marques também aceita a teoria da acessoriedade limitada, pois, de acordo com a sua lição, a participação «exige no fato principal a ilicitude parte objecti, isto é, fato típico e antijurídico. Para que haja participação basta que a conduta secundária aceda a uma conduta principal que constitua fato típico e antijurídico. Não precisa ser culpável. A simples tipicidade do fato principal (acessoriedade mínima) não é suficiente para a existência da participação. É possível que a conduta do autor constitua fato típico e não responda ele e o eventual partícipe por crime algum. Assim ocorre quando a conduta primária está acobertada por uma causa de exclusão da antijuridicidade (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal). Ex: A instiga B a defender-se de uma agressão injusta que está sendo cometida por C. A e B não respondem pelo resultado lesivo produzido em C, pois o fato não é proibido pelo direito. Assim, a participação exige, além da tipicidade do fato principal, a sua ilicitude, isto é, que não ocorra causa de justificação em relação ao autor». (Comentário ao Código Penal, Saraiva, 1985, 1° volume, páginas 524/525. Grifamos)

. . .

«A legítima defesa empregada pelo autor direto exclui a possibilidade de o provocador responder pelo crime de homicídio a título de participação, pois a acessoriedade limitada exige que o fato principal, além de típico, seja antijurídico (a legítima defesa exclui a antijuridicidade» (Obra citada, 1° volume, páginas 525/526. Grifamos).

Se o agente principal foi absolvido, pelo acolhimento da tese da legítima defesa, não se compreende a condenação do partícipe, que teve atuação meramente acessória, podendo-se assim falar em ausência de justa causa.

Se não existe justa causa para a condenação é de se anular a decisão do Júri que condenou o paciente e o acórdão que confirmou a mesma, estendendo-se a ele a decisão anterior do mesmo Tribunal do Júri, e que absolveu o co-réu, agente principal, acolhendo a tese da legítima defesa, solução que inclusive esta de acordo com o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante, como se vê da ementa a seguir transcrita:

«Júri. Co-autoria. Inexistência de mandato, pois o indigitado mandatário foi até absolvido pela justificativa da legítima defesa, isto é, antes de cometer o crime, exerceu um direito. A decisão do Júri, em relação ao apontado mandatário, transitou em julgado e assim, aproveita ao paciente apontado como mandante. Concessão do habeas-corpus». RTJ 33/809.

A solução apontada, segundo entendemos, não afronta o princípio constitucional que assegura a soberania do júri, desde que prestigia decisão anterior transitada em julgado, prolatada pelo mesmo Tribunal do Júri, sobre o mesmo fato, e que devia ter sido estendida ao paciente, que, como visto, foi condenado sem justa causa.

Pelo exposto, somos pelo conhecimento e concessão da ordem, para anular, por falta de justa causa, a condenação do paciente, estendendo se a ele a decisão absolutória do mesmo Tribunal do Júri, prolatada quando do julgamento do co-réu Kênedes Souza Félix, já que diante da teoria unitária e da acessoriedade limitada da participação, a solução não pode ser outra, expedindo-se em conseqüência, o competente alvará de soltura».

Nada havendo de útil que possa acrescentar ao pronunciamento do Ministério Público Federal, adoto-o como razão de decidir e concedo a ordem nos efeitos ali alvitrados.

VOTO (ADITAMENTO AO VOTO)

O Sr. Ministro Francisco Rezek (Relator): Este caso enaltece a atuação profissional do Promotor impetrante e lembra algo que, não faz muitas semanas, eu buscava enfatizar ante esta Turma: a inteira dimensão constitucional do Ministério Público, que não é um acusador necessário.

Ao mesmo tempo alerta, instrumentalmente, o Tribunal de Justiça para situações constrangedoras como esta que veio à mesa do Supremo. Por último, nos faz de novo refletir sobre o Tribunal do Júri e tudo aquilo que, do veredito popular, pode resultar na prática corrente.

Meu voto, como disse, concede a ordem.

EXTRATO DA ATA.

HC 69.741-1 Rel. Min. Francisco Rezek. – Pacte: Ailton Barbosa de Oliveira. – Impte: Diaulas Costa Ribeiro. – Coator: Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Decisão: Por unanimidade, a Turma deferiu o habeas-corpus, para anular a condenação imposta ao paciente, estendendo-se a ele a decisão absolutória do Tribunal do Júri, prolatada quando do julgamento do co-réu Kênedes de Souza Félix. Determinou-se a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente Ailton Barbosa de Oliveira, se por al não houver que permanecer preso.

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( * ) O autor é Promotor de Justiça e titular da 7ª Promotoria de Justiça Criminal de Fortaleza e pós- graduado em Processo Penal pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR

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