Crise na execução penal (II): Da assistência Mateiral e à saúde

Renato Flávio Marcão

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Mestre em Direito Penal, Político e Econômico
Especialista em Direito Constitucional.
Professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal (Graduação e Pós)
Coordenador Cultural da Escola Superior
do Ministério Público do Estado de São Paulo
Sócio-fundador e Presidente da AREJ – Academia
Rio-pretense de Estudos Jurídicos, e ex-Coordenador
do Núcleo de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia.
Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP)
Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)
Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP)
Membro do Instituto de Estudos de Direito Penal e Processual Penal
Membro da Comissão Regional de Bioética e Biodireito da OAB –
São José do Rio Preto-SP
Autor do livro: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva, 2001)

SUMÁRIO: 1. Abordagem do tema; 2. Da assistência, 3. Modalidades de assistência; 3.1. Da assistência material; 3.2. Da assistência à saúde; 4. Conclusão.

1. Abordagem do tema

Seguindo a linha de análise a que nos propusemos fazer, tendo por objeto alguns dos dispositivos da Lei de Execução Penal, passaremos agora a expor outros aspectos não menos polêmicos e preocupantes, se comparados àqueles anteriormente tratados.[1]
Cuidaremos, no próximo passo, de abordar objetivamente o tema referente a “assistência ao preso e ao internado”.
Nesse particular, convenhamos, a distância existente entre o idealismo normativo e a realidade prática é assombrosa.

2. Da assistência

Consoante dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. E arremata o parágrafo único: “a assistência estende-se ao egresso”.
Preso, evidentemente, é aquele que se encontra recolhido em estabelecimento prisional, cautelarmente ou em razão de sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Portanto, preso provisório ou definitivo. A Lei não restringe a assistência apenas e tão-somente aos condenados…
De outro vértice, internado é o que se encontra submetido a medida de segurança consistente em internação em hospital de tratamento e custódia, em razão de decisão jurisdicional. Ainda que se encontre recolhido em estabelecimento prisional aguardando vaga para transferência ao hospital de tratamento e custódia, por razões óbvias também tem assegurado os mesmos direitos. Aliás, seria o extremo do absurdo suprimir direitos daquele que em razão da inércia e do descaso do Estado, que não disponibiliza hospitais e vagas suficientes para o atendimento da demanda, já sofre os efeitos decorrentes de tal omissão, com o inegável desvio na execução de sua conta. Seria puni-lo duas vezes.[2]
Considera-se egresso, nos termos do art. 26 da Lei de Execução Penal: I – o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II- o liberado condicional, durante o período de prova.
O objetivo da assistência, como está expresso, é prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
A assistência aos condenados e aos internados é exigência básica para se conceber a pena e a medida de segurança como processo de diálogo entre os destinatários e a comunidade.[3]
A assistência ao egresso consiste em orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade e na concessão, se necessária, de alojamento e alimentação em estabelecimento adequado, por dois meses, prorrogável por uma única vez mediante comprovação idônea de esforço na obtenção de emprego.[4]

3. Modalidades de assistência

Tornou-se necessário esclarecer em que consiste cada uma das espécies de assistência em obediência aos princípios e regras internacionais sobre os direitos da pessoa presa, especialmente as que defluem das regras mínimas da ONU (item 41 da Exposição de Motivos da LEP).
A assistência a ser prestada, conforme elenca o art. 11 da Lei de Execução Penal, será: I — material; II — à saúde; III — jurídica; IV — educacional; V — social; VI — religiosa.
Cuidaremos no presente trabalho apenas das assistências material e à saúde. As demais serão tratadas no próximo.

3.1. Da assistência material

A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.[5]
Dispões ainda o art. 13 da Lei de Execução Penal que “o estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração”.
MIRABETE lembra que a regra do art. 13 se justifica em razão da “natural dificuldade de aquisição pelos presos e internados de objetos materiais, de consumo ou de uso pessoal”.[6]
Como é cediço, no particular o Estado só cumpre o que não dá pra evitar. Proporciona a alimentação ao preso e ao internado; nem sempre adequada. Os demais direitos assegurados e que envolvem a assistência material não são respeitados.

3.2. Da assistência à saúde

Nos precisos termos do art. 14, caput, e § 2º, da Lei de Execução Penal, a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.[7] Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.[8]
A realidade nos mostra, entretanto, que os estabelecimentos penais não dispõem de equipamentos e pessoal apropriados para o atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
De tal sorte, resta aplicar o § 2º precitado.
Ocorre, entretanto, que também a rede pública que deveria prestar tais serviços, é carente e não dispõe de condições adequadas para dar atendimento de qualidade nem mesmo à camada ordeira da população e que também necessita de tal assistência Estatal.
O Estado não conseguiu efetivar tais direitos. Não os assegura, de fato, ainda hoje, nem mesmo aos pagadores de impostos.
Desrespeita-se, impunemente, a Constituição Federal; a Lei de Execução Penal; Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos, adotadas em 31 de agosto de 1955, pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes; Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Resolução n.º 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994 (DOU de 02.12.94); Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão — Resolução n. 43/173, da Assembléia Geral das Nações Unidas — 76ª Sessão Plenária, de 9 de dezembro de 1988; Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, ditados pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, visando a humanização da justiça penal e a proteção dos direitos do homem; Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, ditados pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, visando a humanização da justiça penal e a proteção dos direitos do homem; Princípios de Ética Médica aplicáveis à função do pessoal de saúde, especialmente aos médicos, na proteção de prisioneiros ou detidos contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanos ou degradantes. Resolução n. 37/194, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 1982, etc.
Diante de tal quadro, os Tribunais têm decidido que: “Demonstrada pela Comissão Técnica de Classificação, do Departamento do Sistema Penitenciário, a necessidade de tratamento e acompanhamento médico do preso, face à doença que o acomete, e carecendo os hospitais do órgão de unidade de tratamento intensivo, autoriza-se a prisão domiciliar até julgamento final do writ” (STJ, 6ª T., rel. Min. Anselmo Santiago, DJU, 8-4-1996, p. 10490), e que “o preso tem direito à assistência médica adequada, podendo permanecer em sua residência pelo tempo que se fizer necessário ao completo restabelecimento de sua saúde, nos termos do art. 14, § 2º, da Lei n. 7.210/84” (TRF, 3ª Região, HC 95.03.062424/0-SP, 5ª T., rela. Juíza Ramza Tartuce, j. em 25-9-1995, DOU, 21-11-1995, RT 723/682).[9]

4. Conclusão

Conforme é vontade da Lei e está expresso, a assistência ao preso e ao internado tem por objetivo prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Até aqui, resta evidente que referidos objetivos ficaram apenas na frieza do papel, que tudo aceita.
A Lei não cumpre o seu destino; não se presta à sua finalidade; é inócua; uma simples “carta de intenções” esquecida, abandonada.
O idealismo normativo é excelente; empolgante. A realidade prática uma vergonha.

Notas:

1. MARCÃO. Renato Flávio. Crise na Execução Penal (I), disponível na Internet em: http://www.ibccrim.org.br.
2. Na atual conjuntura entendemos que a medida de internação não deixa de ser uma forma de “punição”.
3. MARCÃO. Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42.
4. MARCÃO. Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42.
5. Art. 12 da LEP.
6. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 65.
7. Disposição do caput
8. Disposição do § 2º.
9. cf., MARCÃO. Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 48-9.

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