Aumento especial de pena e suspensão do processo

Rolf Koerner Junior

Apressados intérpretes da regra do art. 89, da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, incidem em equívocos, só explicados de-pois, quando realizados, à luz do abuso de poder. É o que acontece quando, havendo causa de especial aumento de pena, não se aplica o instituto da suspensão condicional ao processo ao crime cuja pena mínima não supera o quantum de um ano. Essa forma de agir só pode ser explicada quando se admite haver ignorância acerca da natureza jurídica das causas de especial aumento de pena.

O caso é interessante: denunciado pela prática de apropriação indébita (art. 168, § 1o., III, do Código Penal), o acusado pediu ao ma-gistrado que determinasse a ida dos autos para o Ministério Público, a fim de que, como titular da actio poenalis, propusesse a suspensão do processo. O pedido foi deferido, contudo o representante ministerial não a ofertou sob o argumento de que a causa de aumento de pena (inciso III, do § 1o., do art. 168 do Código Penal) afastaria a incidência da regra do art. 89, da Lei n. 9.099/1995, e o magistrado acatou a in-fundada recusa do Órgão do Parquet, também porque, quando já ini-ciada a instrução, descaberia falar nessa medida substitutiva, num e-videnciado desprezo à boa política criminal que a revelou para o País. Restou, assim, prosseguindo o procedimento criminal, quando o acu-sado podia ver-se livre de processo, sob tempo e condições.

Estabelece a regra do art. 89, da Lei n. 9.099, de 1995, que:
“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, po-derá propor a suspensão do processo …”

A pena privativa de liberdade (reclusão) mínima abstratamente cominada para a apropriação indébita é de um ano (CP, art. 168). Até aí não havia algum problema, que só apareceu em razão de imputa-ção capitulada juridicamente na regra do inciso III, do § 1o. do citado tipo penal, ou seja:

“Aumento de pena
A pena é aumentada de um terço, quando o agente re-cebeu a coisa:
¾ em razão de emprego, ofício ou profissão.”

Ora, no Brasil, em duas oportunidades, reuniram-se os Coordena-dores de Juizados (Cíveis e) Criminais, em Macapá (24 a 27 de novem-bro de 1999) e Espírito Santo (24 a 27 de maio de 2000). Naquelas oca-siões, eles editaram inúmeros enunciados, dentre os quais aponta-se o seguinte:

“Enunciado 11
Não devem ser levados em consideração … as causas especiais de aumento da pena para efeito de aplicação da Lei n. 9.099/95.”

Com aqueles encontros, quiseram os magistrados “compartilhar experiências e uniformizar procedimentos” sobre a citada lei especial.

Então, num juízo apertado, poderia alguém admitir que descaberia, no caso, falar-se em suspensão do processo, porque, com o aumento de pena, a sanção abstrata mínima cominada para o tipo apropriação indé-bita superaria o quantum legal?

Claro que não. A causa de especial aumento de pena genérica (parte geral) ou específica (parte especial) não se confunde com a quali-ficadora (parte especial). Ai está a questão nuclear na qual o promotor e o magistrado incidiram num erro imperdoável de interpretação. Com efei-to, “cumpre distinguir as qualificadoras das causas de aumento de pena, gerais ou especiais; nestas não são previstos limites penais (mínimo e máximo), mas um determinado quantum de aumento de pena, fixo ou va-riável; naquelas, porém, há a cominação de nova pena ¾ tipo derivado ¾ com limites mínimo e/ou máximo distintos do tipo fundamental. De-mais disso, enquanto as qualificadoras estabelecem as margens penais para o cálculo da pena-base, as causas de aumento e de diminuição, quando presentes, atuam na terceira fase de determinação judicial da pena.” (cf. Prado, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 471)

Assim, para a suspensão do processo, sempre se tomará o tipo básico (CP, art. 168). Pela presença de causa especial de aumento de pena aquele não se altera e não se desnatura. Por fim, desprezar-se-á o aumento de pena e, presentes os demais requisitos legais, suspender-se-á o processo, acaso aceite o acusado, na presença de seu defensor.

Outra questão também interessante: quando o acusado pedira a ida dos autos para que o agente ministerial se pronunciasse sobre a suspensão do processo, a denúncia já havia sido recebida pelo juiz. Po-deria o magistrado admiti-la já estando o procedimento em fase de defe-sa prévia?

Claro que sim. Com o aparecimento da Lei n. 9.099, de 1995, exi-ge-se mudança de mentalidade dos operadores jurídicos. Essa é a sugestão formulada pelo magistrado Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior. No artigo “Suspensão Condicional do Processo e Desclassificação do Crime em Face dos Princípios da Igualdade e da Proteção Judiciária” publicado pela RT 746/466 e seguintes, escreveu que “nada impede que isto se faça depois, sobretudo a requerimento do réu. Ainda que se trate de fato ocorrido antes da vigência da Lei 9.099/95, sendo favorável ao réu e tendo importante reflexo no âmbito do direito criminal ¾ a extinção de punibilidade ¾, a suspensão do processo não é atingida pela ve-dação contida no art. 90 daquele diploma, que se refere às disposições exclusivamente processuais. O art. 89 da Lei 9.099/95 contém, como bem assinalado, à primeira hora, pela professora Ada Pellegrini Grinover, norma ‘de caráter preponderantemente penal’.”

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