Suspensão condicional do processo e concurso de crimes

O legislador, na edição da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), aproveitou-se da ocasião para introduzir nela um novo instituto em nosso sistema criminal. De acordo com o seu art. 89, caput, nos delitos em que a pena mínima abstrata for igual ou inferior a 1 ano, a ação penal pode ser condicionalmente suspensa por 2 a 4 anos, se atendidos determinados requisitos objetivos e pessoais.

Aplicável a todos os delitos, desde que enquadráveis em suas exigências, e não só aos crimes da Lei n. 9.099, com a natureza de direito penal público subjetivo de liberdade e de despenalização criminal, o dispositivo disciplina o denominado sursis processual, instrumento diverso da suspensão condicional da pena (sursis comum; art. 77 e ss. do CP) e da suspensão do processo (art. 366 do CPP). Elemento de um novo sistema criminal, trata-se de uma alternativa à jurisdição penal, por intermédio da qual, sem exclusão da antijuridicidade da conduta, procura-se impedir o encarceramento do autor do fato, extinguindo-se a pretensão punitiva ao término do período de prova sem revogação [1].

Parâmetro objetivo para a concessão da medida é a pena mínima abstrata, que não pode ser superior a 1 ano. Como levar em conta esse limite legal no concurso de crimes?

Apresentam-se como espécies o concurso material, o formal e o crime continuado, regidos pelos sistemas do cúmulo material e da exasperação, empregados em nosso Código Penal [2]. Na aplicação da pena [3], verifica-se que, no concurso material, quando existe o cúmulo material, há pluralidade de condutas e de crimes, incidindo a soma das sanções (art. 69, caput, do CP); no formal, em que foi adotado o sistema da exasperação, existem unidade de conduta e pluralidade de crimes, levando-se em conta uma das penas, ou a mais grave, com agravação (art. 70, caput) [4]; no crime continuado, nele também recaindo a exasperação, temos, na verdade, um concurso material abrandado, limitando-se a consideração da lei, por razões de política criminal e unicamente para efeito de aplicação da pena, a apenas um delito e uma só resposta penal detentiva, embora com acréscimo (art. 71, caput). Nos três casos, para efeito de admissão do sursis processual, considera-se isoladamente a pena abstrata mínima de cada um dos delitos ou os princípios do cúmulo material e da exasperação?

No concurso material, há duas posições:

1.ª) As penas mínimas abstratas não podem ser somadas para o fim de impedimento da medida. As infrações penais devem ser consideradas isoladamente [5]. Nesse sentido, na doutrina: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254, n. 4.5; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159-163; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 44, n. 3.4; GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 378; RAMOS, Josiane Hybner Rodrigues. Suspensão condicional do processo penal na Lei n. 9.099/95. Revista Jurídica, São Paulo, n. 342, p. 95 e 102, n. 3.1, abr. 2006; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 399. Na jurisprudência: STF, 2.ª T., HC n. 76.717, j. em 18.9.1998, DJU de 30.10.1998; STJ, 5.ª T., RHC n. 7.583, rel. Min. Edson Vidigal, j. em 23.6.1998, DJU de 31.8.1998, p. 110; STJ, 6.ª T., RHC n. 7.809, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 9.11.1998, p. 172-173; Revista dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, 3/359, 5/391 e 397 e 7/301.

2.ª) É inadmissível a medida se a soma das penas mínimas ultrapassa o limite legal. Na doutrina, nesse sentido: DOTTI, René Ariel. Conceitos e distorções da Lei n. 9.099/95: temas de direito e processo penal. In: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Org.). Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 45 e ss.; MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 364, n. 1.2; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67. No mesmo sentido, na jurisprudência [6]: STJ, 6.ª T., HC n. 7.560, rel. Min. Vicente Leal, DJU de 12.4.1999, p. 196; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.093, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 219-220; TJRN, Plenário, Conflito Negativo de Competência (CNC) n. 391, rel. Des. Armando da Costa Ferreira, j. em 5.3.1997, RT 748/702; extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.142.949, j. em 15.7.1999, RT 771/610. Com a mesma orientação: RT 771/563, 772/574, 776/675, 782/661.

De ver-se, nesse último sentido, a Súmula n. 243 do Superior Tribunal de Justiça, adotando o princípio repressivo e não o despenalizador: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano” (grifo nosso).

Em relação ao concurso formal de crimes, existem três orientações:

1.ª) As infrações devem ser consideradas isoladamente. Nesse sentido, na doutrina: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159-163; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 44, n. 3.4; RAMOS, Josiane Hybner Rodrigues. Suspensão condicional do processo penal na Lei n. 9.099/95. Revista Jurídica, São Paulo, n. 342, p. 95 e 102, n. 3.1, abr. 2006; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 399. No mesmo sentido, na jurisprudência: STF, 2.ª T., HC n. 76.717, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 30.10.1998, p. 3, RT 760/533; STJ, 6.ª T., RHC n. 7.809, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 9.11.1998, p. 172-173; Revista dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, 3/359, 5/391 e 397 e 7/301 [7]. Para essa posição, as penas mínimas abstratas não podem ser somadas (STF, 2.ª T., HC n. 76.717, rel. Min. Maurício Corrêa, RT 760/533).

2.ª) Se, somada a causa de aumento (art. 70, caput, do CP), a pena mínima abstrata ultrapassa o limite legal, é inadmissível a medida. Nesse sentido: BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 365, n. 1.2. No mesmo sentido, na jurisprudência: STF, 2.ª T., HC n. 78.876, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 28.5.1999, p. 6-7; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.093, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 219; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.331, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 220; TJSP, 4.ª Câm. de Férias, HC n. 247.643, rel. Des. Hélio de Freitas, j. em 29.1.1998, RT 752/591; extinto TAMG, 1.ª Câm. Crim., Apel. Crim. n. 244.282, rel. Juiz Audebert Delage, j. em 26.11.1997, RT 756/662.

3.ª) Não se admite o sursis processual ou antecipado se a soma das penas mínimas abstratas ultrapassa o limite legal. Na doutrina, nesse sentido: DOTTI, René Ariel. Conceitos e distorções da Lei n. 9.099/95: temas de direito e processo penal. In: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Org.). Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 46; MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67. No mesmo sentido, na jurisprudência: TJRN, Plenário, CNC n. 391, rel. Des. Armando da Costa Ferreira, j. em 5.3.1997, RT 748/702; TJPA, Câms. Crims. Reunidas, HC n. 33.452, rel. Des. Benedito de Miranda Alvarenga, j. em 30.3.1998, RT 759/683; extinto TAMG, 1.ª Câm., ACrim n. 244.282, rel. Juiz Audebert Delage, RT 756/662; extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.142.949, j. em 15.7.1999, RT 771/610. Com a mesma orientação: RT 771/563, 772/574, 776/675 e 782/661.

Não se olvidar da Súmula n. 243 do Superior Tribunal de Justiça, adotando o princípio prejudicial ao acusado: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano” (grifo nosso).

No tocante ao crime continuado, há três orientações:

1.ª) As infrações devem ser consideradas isoladamente. Na doutrina, nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 159-163; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 44, n. 3.4; RAMOS, Josiane Hybner Rodrigues. Suspensão condicional do processo penal na Lei n. 9.099/95. Revista Jurídica, São Paulo, n. 342, p. 95 e 102, n. 3.1, abr. 2006; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 399. Na jurisprudência [8]: STF, 2.ª T., HC n. 76.717, j. em 18.9.1998, DJU de 30.10.1998; STJ, 6.ª T., RHC n. 7.809, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 9.5.1998, p. 172-173; TJRS, RT 766/707; Revista dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo, 3/359, 5/391 e 397 e 7/301.

2.ª) Se, acrescida a causa de aumento, a pena mínima abstrata ultrapassa o limite legal, é inadmissível a medida. Nesse sentido: BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 365, n. 1.2. Orientando-se no mesmo sentido, na jurisprudência: Súmula n. 243 do STJ; STF, 2.ª T., HC n. 78.876, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 25.5.1999, p. 6-7; STF, 1.ª T., RHC n. 80.143, rel. Min. Sydney Sanches, j. em 13.6.2000, Informativo STF 193/2, 21.6.2000; STJ, 5.ª T., RHC n. 8.093, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17.5.1999, p. 219; TJSP, 4.ª Câm. de Férias, HC n. 247.643, rel. Des. Hélio de Freitas, j. em 29.1.1998, RT 752/591; extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.100.629, rel. Juiz Pires Neto, j. em 5.11.1998, RT 761/618.

3.ª) Não se permite a suspensão condicional do processo se a soma das penas mínimas abstratas ultrapassa o limite legal. Com essa orientação, na doutrina: DOTTI, René Ariel. Conceitos e distorções da Lei n. 9.099/95: temas de direito e processo penal. In: PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Org.). Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 47; MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997. p. 149; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência atualizadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 67. No mesmo sentido, na jurisprudência: extinto TACrimSP, 1.ª Câm., ACrim n. 1.142.949, j. em 15.7.1999, RT 771/610. Com a mesma orientação: RT 771/563, 772/574, 776/675, 782/661.

O mesmo conteúdo se encontra na Súmula n. 243 do STJ: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 01 (um) ano” (grifo nosso).

Essa corrente também se assenta na Súmula n. 723 do Supremo Tribunal Federal: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”.

No STF, diante da nova composição da Corte, o tema foi submetido ao Plenário no julgamento do HC n. 83.163, de São Paulo, em 21 de agosto de 2003, relator o Min. Sepúlveda Pertence, que votou nos termos da posição por ele adotada no HC n. 77.242: no concurso de crimes, cada infração deve ser apreciada isoladamente, considerando a pena mínima abstrata, e não a soma delas, afastada a medida quando a um dos delitos for cominada pena superior a 1 ano, levando-se também em consideração o número de fatos praticados (Plenário, DJU de 25.1.2001). Naquela oportunidade, em 21 de agosto de 2003, o julgamento do Pleno foi adiado devido ao pedido de vista do Min. Nelson Jobim (Informativo STF n. 317, 18 a 22 ago. 2003).

Retomado o julgamento em 23 de fevereiro de 2006, o Min. Nelson Jobim, Presidente, em voto-vista, adotou a tese severa, de acordo com a decisão acatada pelo Plenário da Corte no referido HC n. 77.242, segundo a qual, no concurso de crimes, há de se computar a soma das penas mínimas abstratas cominadas aos delitos. Para ele, acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, no concurso material, há um crime com pena que equivale à soma das penas cominadas aos demais delitos; no concurso formal e no crime continuado, existe o delito mais grave com acréscimo. O Min. Eros Grau adotou a tese do relator (consideração de cada crime isoladamente). Depois, o julgamento foi adiado em face de pedido de vista do Min. Cezar Peluso (Informativo STF n. 417, 8 mar. 2006; Revista Jurídica, São Paulo, n. 341, p. 158, mar. 2006).

A tese da inadmissibilidade da suspensão condicional do processo nas três questões debatidas, quais sejam do concurso material, formal e do crime continuado, não encontra respaldo legal, uma vez que a lei, para tal fim, não impõe a soma das penas nem a consideração de uma delas com acréscimo. Como afirmam ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, “não importa qual seja a natureza do concurso: material, formal ou crime continuado. A concessão da suspensão, em qualquer hipótese, deve ser regida pelo critério bifásico individual-global. No primeiro momento, pensamos que de modo algum podem ser somadas as penas mínimas de cada delito para o efeito de excluir, ab initio, a suspensão. Quanto à pena (requisito objetivo), o critério de valoração é o individual (CP, art. 119 e Súmula 497 do STF). Cada crime deve ser considerado isoladamente, com sua sanção mínima abstrata respectiva. Se temos, por exemplo, cinco crimes em concurso (cinco estelionatos, ad exemplum) e cada um deles, no mínimo abstrato, não excede o limite de um ano, em tese, pela pena cominada, todos admitem a suspensão” [9].

No concurso de crimes, as sanções detentivas não são somadas até para fins de prescrição da pretensão punitiva ou executória, incidindo o prazo extintivo da punibilidade sobre o quantum de privação da liberdade imposto a cada delito considerado isoladamente (art. 119 do CP). Assim, no crime continuado, criado para beneficiar o agente, até o acréscimo deve ser desprezado na contagem do prazo prescricional da pretensão executória, princípio assumido na Súmula n. 497 do STF: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.

Verifica-se, pois, que, mesmo existindo decisão condenatória com trânsito em julgado afirmando a culpabilidade do agente e assentada no reconhecimento da prática de fatos continuados típicos e ilícitos, para fins de prescrição da pretensão executória, considera-se isoladamente a pena de cada crime (art. 119 do CP), não se levando em conta o acréscimo (art. 71, caput, do CP e Súmula n. 497 do STF).

É o que ocorre, em termos semelhantes, na decadência do direito de queixa e de representação, em que, tratando-se de crime continuado, o prazo extintivo da punibilidade deve ser contado em relação a cada delito, considerado isoladamente [10], não se admitindo a tese mais gravosa, qual seja a da contagem do lapso temporal em relação ao primeiro delito. Como se nota, cuida-se de uma forma atenuada de concurso material. Nesse último sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 297, n. 113; COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. II, p. 1577- 1578. Na jurisprudência: STJ, 6.ª T., REsp n. 27.028, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 15.2.1993, p. 1703.

No que tange ao crime continuado, nota-se que o Código Penal adotou a teoria da ficção jurídica: o legislador presume a existência de um só crime. Essa presunção, entretanto, é relativa e só tem relevância na aplicação da pena. Para outros efeitos, o delito continuado é considerado forma de concurso de crimes.

Com o advento da CF de 1988, passaram a ser admitidos em nosso ordenamento jurídico institutos de consenso na esfera penal, como o acordo civil, a transação penal com aplicação de pena alternativa e a suspensão condicional do processo. Na questão genérica enfrentada neste trabalho, estamos em face de dois institutos: o do sursis antecipado e o das regras gerais do CP a respeito da aplicação da pena no concurso de crimes. A suspensão condicional do processo é um instrumento despenalizador do Direito Penal Mínimo, procurando evitar ao máximo a submissão do autor da infração a um processo estigmatizante e à imposição da sanção penal clássica [11]. Na aferição do valor maior, deve prevalecer o espírito da lei nova, inegavelmente tendente às modernas teorias do processo e da pena. De maneira que a novel medida de prevenção especial não deve ser proibida pela adoção de critério meramente quantitativo, convindo ao Juiz de Direito verificar a viabilidade da permissão nas hipóteses em que o agente, nos casos de potencialidade lesiva mínima e média, não obstante o concurso de fatos delituosos, demonstrando um comportamento ocasional, não rompeu os laços com a sociedade [12].

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NOTAS

[1] Art. 89, § 5.º, da Lei n. 9.099/95.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 35.

[3] Os dispositivos do concurso de crimes encontram-se no Capítulo III do Título V da Parte Geral do CP (arts. 69 a 72), que regula a “aplicação da pena”.

[4] Nota-se que o sistema do cúmulo material também se aplica ao concurso formal impróprio (art. 70, caput, 2.ª parte do CP).

[5] No caso de unidade de processo com vários crimes, não existe obstáculo a que a medida alcance só um deles (GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 378).

[6] Confira farta jurisprudência a respeito do tema em LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). A Lei dos Juizados Especiais Criminais na jurisprudência. São Paulo: Oliveira Mendes, 1999. p. 198 e ss.; NEGRÃO, Perseu Gentil. Juizados Especiais Criminais: doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 108 e ss.; FRIGINI, Ronaldo. Juizados Especiais Criminais: ementário de jurisprudência dos Colégios Recursais. São Paulo: J. H. Mizuno, 2006.

[7] Confira farta jurisprudência a respeito do tema em LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Loc. cit.; NEGRÃO, Perseu Gentil. Loc. cit.; FRIGINI, Ronaldo. Op. cit.

[8] Confira farta jurisprudência a respeito do tema em LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Loc. cit.; NEGRÃO, Perseu Gentil. Loc. cit.; FRIGINI, Ronaldo. Op. cit.

[9] Juizados Especiais Criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 254.

[10] JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal anotado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 46.

[11] GIACOMOLLI, Nereu José. Op. cit. p. 146.

[12] DÍEZ, Luis Alfredo de Diego. Justicia criminal consensuada. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 187.

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Damásio E. de Jesus
advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

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