Sem recursos contra a decisão que negou pensão previdenciária a viúvo

Não houve recursos contra a decisão da 21ª Câmara Cível do TJRS que, por maioria, manteve sentença de primeiro grau que negou que viúvo recebesse pensão pela morte da esposa que, como professora estadual, era segurada do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs).

Eventualmente poderiam ter sido interpostos recursos aos tribunais superiores – sem espaço, porém, para embargos infringentes ao próprio TJRS. Tal porque o julgado de primeiro grau foi de improcedência.

Pelo entendimento majoritário da 21ª Câmara do TJ gaúcho é necessário que o marido comprove dependência econômica para ter direito à inclusão como dependente. O acórdão confirmou sentença proferida pela juíza Marilei Lacerda Menna, da 7ª Vara da Fazenda de Porto Alegre.

O autor da ação alegou, na petição inicial, que a legislação previdenciária estadual (Lei nº 7.672/82) “é discriminatória por estabelecer requisitos diferenciados em razão do sexo, idade, saúde física e mental”.

Sustentou também que “a exigência de invalidez do marido para que receba pensão por morte é inconstitucional, pois esse requisito não é exigido em relação à viúva”.

Para o desembargador Genaro José Baroni Borges, relator – que concedia o pensionamento , “a negativa afronta a garantia constitucional de igualdade entre homens e mulheres”. A respeito da dependência econômica como pressuposto, apontou que “não deve ser exigida, pois, atualmente, é considerável o número de mulheres casadas que, se não proveem por inteiro, ao menos contribuem para o sustento da família de forma significativa”.

Genaro explicou que “como a contribuição visa a cobrir a previdência de modo a prevenir a falta do provedor, não há como não estender o benefício ao cônjuge varão”.

A divergência foi aberta pelo desembargador Arminio da Rosa, revisor. Ele citou orientação do STF, de que “a invalidez não é requisito para o pensionamento, porém a demonstração de dependência econômica se faz indispensável”.

O voto salientou que o autor, segundo declaração do Imposto de Renda, “teve rendimentos muito superiores à esposa, além de ser proprietário de razoável patrimônio imobiliário – um apartamento e uma casa em Porto Alegre e terreno litorâneo”.

O desembargador Marco Aurélio Heinz acompanhou a divergência. A advogada Kátia Dal Moro atou em nome do Ipergs. (Proc. nº 70035368653)

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO PREVIDÊNCIA PÚBLICA. VIÚVO. PENSÃO. AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. ART. 9º, LEI ESTADUAL Nº 7.672/82.

Afastada pelo Supremo Tribunal Federal, por ofensa ao princípio da isonomia, a exigência de invalidez, nem por isso restou alijado requisito óbvio à contemplação de pensão estatal, qual seja, o da dependência econômica.

Na hipótese dos autos, inexistia qualquer dependência econômica, tendo o varão, comerciante, recursos próprios, superiores ao da extinta esposa.

Não ofende ao princípio da isonomia presumir a lei dependência econômica quanto aqueles a cujo respeito, sabida a realidade social, ainda há situação de desvantagem.

APELAÇÃO CÍVEL – VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Nº 70035368653 – PORTO ALEGRE
JULIO CESAR DE SOUZA VIANA – APELANTE
INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencido o Relator, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor DES. MARCO AURÉLIO HEINZ.

Porto Alegre, 12 de maio de 2010.

DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES,
Relator.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA,
Presidente e Redator.

RELATÓRIO

DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES (RELATOR) – Trata-se de recurso de apelação interposto por JULIO CESAR DE SOUZA VIANA contra sentença proferida na ação ordinária proposta contra o INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

A d. sentença julgou improcedente a ação, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixou em R$ 500,00, mas suspendeu a exigibilidade em razão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões, o apelante afirma que a legislação previdenciária estadual e inconstitucional e discriminatória, na medida que estabelece requisitos diferenciados em razão do sexo, idade, saúde física e mental. Sustenta que a condição de invalidez do marido, para que perceba a pensão por morte da mulher é inconstitucional, pois o mesmo requisito não é exigido em relação à viúva. Aduz que faz jus ao valor integral dos proventos que a falecida esposa recebia, nos termos do art. 40, § 7º, da Constituição Federal. Postula o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões.

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público manifesta-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTOS

DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES (RELATOR) – No que respeita à inclusão do marido como dependente previdenciário da mulher, assim vinha decidindo:

“A Constituição Federal estabeleceu igualdade entre homens e mulheres, sem distinção de qualquer espécie, incluindo-se aí os direitos relativos à saúde e à previdência social (art. 5, caput, inciso I e art. 6º).

Também em seu art. 201, inciso V, prevê a Carta Magna o pensionamento para homens e mulheres, decorrentes de óbitos de segurado, cuja concessão independe do sexo. Como se vê, a regra constitucional insculpida no inciso V do art. 201 citado, deu igualdade de tratamento no que pertine à independência previdenciária.

Assim, para o trato previdenciário, tanto a mulher é dependente do homem, como o homem é da mulher. A dependência, como condição para o pensionista, não é mais ou só econômica, entre marido e mulher, é PREVIDENCIÁRIA. Não foi por outra razão que a Lei Federal 8.213/91 reconheceu desde logo o direito do homem ao recebimento de pensão por morte de segurada mulher, sem imposição de qualquer óbice.

Por último e no que interessa para deslanche da questão ora posta, estabelece o art. 226, § 5º que os direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal são exercidos de igual para igual, pelo homem e pela mulher, fazendo desaparecer a figura do “cabeça do casal”.

A Constituição Estadual, como não poderia deixar de ser, repete as disposições federais sobre serviços assistenciais e pensionamento, como está no artigo 41.

Importa ainda dizer que os direitos sociais relativos à saúde e à previdência têm existência anterior aos textos constitucionais tanto federal como estadual, pelo que se pode dizer que nenhum direito foi criado, a necessitar de regramento infra-constitucional para seu exercício, não sendo demasiado repetir que a doutrina e a jurisprudência têm como auto-aplicáveis as normas constitucionais instituidoras dos direitos e garantias individuais, aí inseridos os direitos sociais. E se o direito emerge da Constituição, como emerge, e se auto-aplicável a norma, como é, sua efetividade prescinde de legislação infra-constitucional inclusive quanto à fonte de custeio.

Não é de esquecer, ainda, que a mulher funcionária pública estadual é tão segurada do sistema previdenciário estadual quanto os servidores homens, vez que todos arcam com o custeio nas mesmíssimas proporções.

Relativamente ao custeio ou sua falta, argumento sempre invocado pelo Embargante para negar o pensionamento ou a dependência, não bastasse a precedência da norma constitucional, é de ver que não é do sistema previdenciário estadual a quantificação dos dependentes. A fonte de custeio é um percentual sobre a remuneração, e só, e não guarda relação alguma com o número de dependentes. Em outra palavras, o sistema não prevê fonte de custeio específica pelo número de dependentes de sorte que tanto contribui pelo mesmo percentual de remuneração quem não tem, como quem tem um ou mais dependentes. De “lege ferenda” até se pode admitir aumento do percentual de contribuição para cobrir os custos. O que não se pode tolerar, no entanto, é a permanente afronta às regras constitucionais sob o argumento da falta de custeio ou de sua previsão, que outra coisa não é do que a falta de vontade política para superar o problema que não é de hoje, é de muito tempo, e que vem atulhando os pretórios. Sabe-se que outros estados já enfrentaram a questão, com exasperar o valor da contribuição previdenciária e assim cumprir a lei e a Constituição.

Ainda sobre o tema, oportuna se faz a transcrição de um trecho do voto proferido pelo Min. Celso de Melo no AR 154.156: “a exigência inscrita no art. 195, parágrafo 5º, da Carta Política, traduz comando que tem, por destinatário exclusivo o próprio legislador no que se refere à criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços de seguridade social”.

Por último, não bastasse em rota de colisão com o preceito constitucional, o sistema previdenciário estadual contempla constrangedora desigualdade, na medida em que faz coexistir três categorias de servidores públicos, quanto a possibilidade de inclusão de beneficiários: uma, a de servidores públicos homens cujas mulheres são suas dependentes, sem questionar se são sadias ou não: outra, a de servidoras públicas cujos maridos ou companheiros são dependentes, por inválidos (Lei 7.672/82): por último, servidoras públicas cujos maridos ou companheiros, por sadios, não são habilitados como dependentes.

De tudo isso decorre: I – a recusa ao pensionamento ou à inclusão do marido como dependente da mulher, afronta a garantia constitucional de igualdade entre homens e mulheres. II – no sistema previdenciário estadual não há fonte custeio específica pelo número de dependentes. O custeio é sobre a remuneração.”

Relativamente ao tema, o Pretório Excelso decidiu em sentido diametralmente oposto, como é exemplo o voto vista do Min. Nelson Jobim proferido ao ensejo do Recurso Extraordinário nº 208.618-5- Rio Grande do Sul, que transcrevo:

“4. O RE
As autoras interpõem RE admitido.
Fundamenta o recurso na alínea “a” e “c” do permissivo constitucional (art. 102, inc. III).
Sustenta ofensa à CF (art. 5º, inc. I, 195, § 5º, 201, V, 226, §5º).
5. O voto do Relator.
VELLOSO não conhece do recurso.
Leio no voto:
“… A questão em debate – o direito de o marido ser incluído como dependente da mulher e, em tal situação, ser beneficiário de pensão, nos casos especificados em lei, relativamente a ela, esposa, enquanto dependente do segurado, seu marido – não se resolve com a simplicidade como foi posto.
…. no Brasil … o homem sempre foi, de regra, o provedor da família. A presunção de dependência da viúva pode ser afirmada, em linha de princípio. O contrário não tem sido a regra. Esse dado sociológico é muito importante na elaboração legislativa. É claro que essa situação, principalmente entre a classe média, nas grandes cidades, tem sofrido alterações. A legislação infraconstitucional, por sua vez, também tem evoluído. Menciono, como exemplo, a Lei 8.112, de 11.12.90, que dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das funções públicas federais, que estabelece, no art. 217, I, “a”, como beneficiário da pensão vitalícia o cônjuge e não a esposa, como era costumeiro. O que é certo, entretanto, é que é preciso lei específica dispondo a respeito, porque o dado sociológico acima indicado sempre foi considerado no custeio do benefício. Sendo assim, presente a norma inscrita no art. 195, § 5º, da Constituição Federal – nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total – a extensão da pensão ao viúvo da segurada não prescinde de lei específica, não sendo possível, data vênia, no caso, ao contrário do sustentado no parecer da Procuradoria-Geral da República, a interpretação extensiva do disposto no art. 9º, I, da Lei 7.672/82, do Estado do Rio Grande do Sul.”
Em suma: a extensão automática da pensão ao viúvo, em decorrência do falecimento da esposa-segurada, assim considerando aquele como dependente desta, exige a lei específica, tendo em vista as disposições inscritas no art. 195, “caput”, e seu § 5º, e art. 201, V, da Constituição Federal.”
6. Voto vista.
A questão posta:
Pela circunstância de casado com a segurada, desde logo o marido é segurado?
A lei gaúcha estabelece que o marido é segurado se ele for inválido, ou seja, se realmente ele for dependente econômico da mulher.
Dispõe a Lei nº 7.672/82 que “… são dependentes do segurado … o marido inválido …” (art. 9º, I).
Fora dessa hipótese legal, não há como incluir o cônjuge varão como dependente da mulher no órgão de previdência do Estado – IPERGS.
No caso específico, o acórdão recorrido não estendeu benefício a quem, no cálculo das contribuições, não estava incluído, atuarialmente.
Com o advento da Constituição de 1988, a dependência econômica não mais se presume.
A atual Constituição estabeleceu a equiparação entre marido e mulher para todos os efeitos.
Se o homem tem que demonstrar a dependência econômica, a mulher terá o mesmo tratamento.
As mulheres, conforme a Constituição Federal de 1988, para gozarem da situação de benefício, teriam que demonstrar a dependência.
Não se pode estender o benefício onde a lei não o fez.
Reconheço que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a equiparação do homem e da mulher.
No caso, específico, o homem, para gozar do benefício, teria que ter a qualificação de dependência, assim, como a mulher.
Aí se resolve o caso.
Com essas considerações, acompanho o Relator para não conhecer do recurso”.

Por conta disso, passei a adotar a posição da Corte Suprema; afinal, dela a última e definitiva palavra nas questões constitucionais.

Após isso, todavia, o mesmo Supremo Tribunal seguiu caminho diametralmente oposto, modificando entendimento sobre a matéria, a começar pelo julgamento em Plenário do RE-AgR 385.397/MG, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, assim ementado:

I. Recurso extraordinário: descabimento. Ausência de prequestionamento do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, tido por violado: incidência das Súmulas 282 e 356. II. Pensão por morte de servidora pública estadual, ocorrida antes da EC 20/98: cônjuge varão: exigência de requisito de invalidez que afronta o princípio da isonomia. 1. Considerada a redação do artigo 40 da Constituição Federal antes da EC 20/98, em vigor na data do falecimento da servidora, que não faz remissão ao regime geral da previdência social, impossível a invocação tanto do texto do artigo 195, § 5º – exigência de fonte de custeio para a instituição de benefício -, quanto o do art. 201, V – inclusão automática do cônjuge, seja homem ou mulher, como beneficiário de pensão por morte. 2. No texto anterior à EC 20/98, a Constituição se preocupou apenas em definir a correspondência entre o valor da pensão e a totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, sem qualquer referência a outras questões, como, por exemplo os possíveis beneficiários da pensão por morte (Precedente: MS 21.540, Gallotti, RTJ 159/787). 3. No entanto, a lei estadual mineira, violando o princípio da igualdade do artigo 5º, I, da Constituição, exige do marido, para que perceba a pensão por morte da mulher, um requisito – o da invalidez – que, não se presume em relação à viúva, e que não foi objeto do acórdão do RE 204.193, 30.5.2001, Carlos Velloso, DJ 31.10.2002. 4. Nesse precedente, ficou evidenciado que o dado sociológico que se presume em favor da mulher é o da dependência econômica e não, a de invalidez, razão pela qual também não pode ela ser exigida do marido. Se a condição de invalidez revela, de modo inequívoco, a dependência econômica, a recíproca não é verdadeira; a condição de dependência econômica não implica declaração de invalidez. 5. Agravo regimental provido, para conhecer do recurso extraordinário e negar-lhe provimento.”

Seguiram-se decisões daquela Corte no mesmo sentido, adotando idêntica orientação, como seguem:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENSÃO. EXTENSÃO. CÔNJUGE VARÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 385.397-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, na Sessão do dia 29 de junho de 2007, decidiu que viola o princípio da isonomia lei que exige do marido, para fins de recebimento de pensão por morte da mulher, a comprovação da condição de invalidez. 2. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso extraordinário interposto pelo IPSEMG.” (RE-AgR-ED 428831/MG; Relator: Min. Eros Grau; Julgamento: 16/10/2007; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: DJ 142).

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Pensão. Cônjuge varão. Invalidez. Ofensa ao princípio da isonomia. Precedentes. 1. A exigência de invalidez do marido para ser beneficiário de pensão por morte da esposa, no caso o óbito é anterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, fere o princípio da isonomia contido no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, uma vez que tal requisito não é exigido em relação à esposa. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE-AgR 452615/MG; Relator: Min. Menezes Direito; Julgamento: 13/5/2008; Órgão Julgador: Primeira Turma; Publicação: DJ 117).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENSÃO. EXTENSÃO. CÔNJUGE VARÃO. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 385.397-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6.9.07, decidiu que viola o princípio da isonomia lei que exige do marido, para fins de recebimento de pensão por morte da mulher, a comprovação da condição de invalidez. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE-AgR 547304/MA; Relator: Min. Eros Grau; Julgamento: 12/8/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: DJ 162).

Tenho, ainda, irrelevante a questão da dependência econômica como pressuposto para a concessão do benefício ao cônjuge varão, por morte da mulher, ou a supor fonte de custeio ou lei específica que previsse sua inclusão.

Deveras, não passa de ranço sociológico supor nos dias de hoje ser o marido o único provedor da família, situação que já se alterou e muito e de muito tempo. Atualmente é considerável o número de mulheres casadas economicamente ativas que se não provém por inteiro, ao menos contribuem significativamente para o sustento da família.

E como a contribuição visa cobrir a previdência de modo a prevenir a falta do provedor, não vejo como não estender o benefício ao cônjuge varão por falecimento da mulher quando esta, porque inserida no mercado de trabalho, auxilia no sustento da família, e também contribuiu para a instituição previdenciária.

Não interessa, pois, a meu sentir, o sexo do servidor. Importa não demonizar ou diminuir a mulher com não se lhe reconhecer também a qualidade e a condição provedora, que nos tempos modernos não é mais de se atribuir exclusivamente ao homem.

Para concluir, em homenagem ao princípio da isonomia, do tratamento igualitário, que a Carta da República deixa bem assentado, não mais se sustenta o disposto no artigo que impõe a invalidez como única condição a que o marido faça jus ao benefício previdenciário, condição essa que não é exigida para o gozo de igual benefício pela mulher. Afinal, se milita em favor da mulher a presunção de dependência, também há de militar em favor do marido. E para essa igualdade de tratamento basta o princípio do art. 5º, I da CF, independente de lei que o proclame.

Portanto, acode ao apelante direito ao benefício previdenciário.

Quanto ao mais, trata-se de matéria já vastamente conhecida desta Câmara e pacificada pelo Pretório Excelso, no sentido da auto-aplicabilidade do art. 40, § 5º da Carta Magna, hoje § 7º, com a edição da EC nº 20. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, referida norma constitucional prescinde de qualquer mediação legislativa, sendo de aplicação imediata a determinação que estipula o pagamento integral da pensão, conforme exegese refletida no Recurso Extraordinário n.º 2055527-1, julgado em 07.03.1997, em que foi relator o eminente Min. NÉRI DA SILVEIRA, verbis:

“1. Pensão por morte de servidor público. Aplicação do art. 40, § 7º da CF. 2. Esta corte já firmou o entendimento segundo o qual esse dispositivo, que é auto-aplicável, determina a fixação da pensão por morte do servidor público no valor correspondente à totalidade dos vencimentos que ele perceberia. Precedentes. 3. Inexigibilidade, por outro lado, da observância do art. 195, § 7º, da Constituição Federal, quando o benefício é criado diretamente pela Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.”
“1. Pensão por morte de servidor público. Aplicação do art. 40, § 7º da CF. 2. Esta corte já firmou o entendimento segundo o qual esse dispositivo, que é auto-aplicável, determina a fixação da pensão por morte do servidor público no valor correspondente à totalidade dos vencimentos que ele perceberia. Precedentes. 3. Inexigibilidade, por outro lado, da observância do art. 195, § 7º, da Constituição Federal, quando o benefício é criado diretamente pela Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.”

No que diz com a necessidade de existência de fonte de custeio para a implementação da pensão integral, esta não se aplica à espécie, pois do contrário, estaríamos frente a conflito de disposições contraditórias de mesma hierarquia (arts. 195, § 5º e 40, § 7º da CF).

Já advertia CARLOS MAXIMILIANO que “não se presumem as antinomias ou incompatibilidades nos repositórios jurídicos“, e acrescenta:

“Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si, presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório “.

Logo a seguir elenca preceitos diretores para superar a aparente contradição para concluir:

“Se nenhum dos sete preceitos expostos resolve a incompatibilidade, e são os dois textos da mesma data e procedência, a antinomia resulta a eliminação recíproca de ambos: nenhum deles se aplica ao objeto a que se referem.” (Hermenêutica e Aplicação do Direito – Forense -, nona ed., p. 134/136).

É o caso. Referidas disposições cuidam de hipóteses distintas, sendo o § 5º do art. 195 regra de comando a disciplinar a criação, a majoração ou a extensão de benefícios instituídos por leis infraconstitucionais e não por aqueles criados, assegurados ou resguardados no próprio texto constitucional, como é a hipótese do parágrafo 7º do art. 40 da CF. Assim, resta afastada qualquer possibilidade de conflito entre as normas, porquanto possuem esfera de ação específica e distinta.

Também não encontra guarida o pedido de exclusão das vantagens pessoais com fundamento no art. 37, XI da CF, pois referido dispositivo apenas estabelece um teto de remuneração, que não deve ser ultrapassado independentemente do adimplemento, ou não, das vantagens pessoais.

Ademais, considerando que o segurado contribuía previdencialmente sobre todas as parcelas que compunham seus vencimentos, não se revela correta sua exclusão quando do cálculo da aposentadoria e/ou pensão, porquanto, conforme entendimento do STF, o termo “vencimento” constante do art. 40, § 7º da CF abrange não somente a retribuição pecuniária padrão, mas também as vantagens pessoais.

De outra parte, a correção monetária há de ser a mais completa possível, pois, conforme consagrado na doutrina e jurisprudência, “não é um plus que se adita, mas um minus que se evita”, devendo por isso ser contada desde as datas em que devidos os benefícios, até o efetivo pagamento.

A lei não indica indexador para a atualização monetária; entretanto, conforme entendimento deste Tribunal e recomendação da Corregedoria Geral de Justiça, o que mais se coaduna com a realidade inflacionária é o IGP-M e este deve ser o aplicado.

Com relação aos juros legais incidentes sobre valores devidos pela Autarquia às pensionistas, são devidos, da citação, à taxa de 6% ao ano, nos termos do art. 1º, F da lei 9.494/97, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35.

Ante ao exposto, retomo o entendimento anteriormente esposado e dou provimento à apelação para declarar o direito do autor ao percebimento da pensão pela integralidade dos proventos que estaria recebendo a servidora, se vivo fosse, e condenar a Autarquia ao pagamento das parcelas vencidas, desde a data do óbito da ex-segurada, respeitada a prescrição quinquenal, corrigidas monetariamente pelo IGPM, a contar do respectivo vencimento, e acrescidas de juros 6% ao ano, da citação, invertidos os ônus sucumbenciais.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E REDATOR) – Com a devida vênia, estou negando provimento.

O autor não se apresenta nem como inválido, nem como dependente econômico da extinta professora.

Se aquele requisito cumpre ser afastado, em face da sabida orientação do Supremo Tribunal Federal, assentada essencialmente em não se poder exigir do cônjuge varão aquilo que não se exige da cônjuge mulher, no entanto não dispensou o Supremo Tribunal Federal a dependência econômica.

Esta é requisito indispensável à concessão do pensionamento, ausente qualquer inconstitucionalidade em presumi-la a lei estadual quanto a alguns, tal qual o faz em relação ao filhos ou filhas e esposas ou ex-esposas, no que ainda se permite um traço da realidade social considerado pelo legislador.

Assim, ao estabelecer idade menor, quanto aos filhos varões, como critério de dependência em face das filhas, é de se aceitar a razoabilidade do tratamento legal, exatamente observado a realidade, a impor, ainda, uma maior proteção às mulheres.

E no que diz com dependência econômica, seguramente o apelante não a tinha.

Ao contrário, pelo que se vê da declaração de ajuste anual do exercício de 2008, auferiu rendimentos tributáveis de R$ 42.576,30 (fl. 35), o que representa muito mais do que percebia a falecida (esta tinha dois contracheques. Um, no valor de R$ 1.729,76 e outro no valor de R$ 950,21). Além disso, apresenta razoável patrimônio imobiliário, com apartamento e casa em Porto Alegre e terreno litorâneo (fl. 36).

Aliás, ao apelar, o autor agarra-se à isonomia, afastando, por inteiro, qualquer dependência econômica que tivesse em face da ex-esposa.

Permito-me, no mais, adotar, como razões de decidir, o voto do Eminente Desembargador MARCO AURÉLIO HEINZ, proferido na AC N. 70032594061:

“O autor pretende a sua inclusão como dependente de sua esposa falecida, ex-segurada da autarquia, para fins de recebimento de pensão por morte.

O art. 9.º da Lei Estadual n.º 7.672/82 estabelece:

“Art. 9º – para efeitos desta Lei, são dependentes do segurado:
I – a esposa; a ex-esposa divorciada; o marido inválido; os filhos de qualquer condição, enquanto solteiros ou menores de dezoito anos, ou inválidos, se do sexo masculino, e enquanto solteiros e menores de vinte e um anos, ou inválido, se do sexo feminino.
(…)
§ 5º – Os dependentes enumerados no item I deste artigo, salvo o marido inválido, são preferenciais e a seu favor se presume a dependência econômica: os demais comprova-lá-ão na forma desta Lei.”

Com efeito, embora não haja dúvidas de que o Supremo Tribunal Federal pôs fim à controvérsia acerca da imprescindibilidade da condição de invalidez do cônjuge varão de segurada do sistema público de previdência (RE n.º 385.397-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Sessão Plenária de 29.06.2007), permanece o requisito da dependência econômica como vetor para o recebimento de benefícios previdenciários.

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que afronta o princípio constitucional da isonomia lei que exige do marido, para fins de recebimento de pensão por morte da mulher, a comprovação de estado de invalidez. São precedentes: RE n.º 385.397-AgR; RE n.º 452.615-AgR, da relatoria do Min. Menezes Direito; RE n.º 451.447-AgR, da relatoria do Min. Eros Grau; RE n.º 433.135-AgR, da relatoria do Min. Marco Aurélio e RE n.º 562.365-Agr, da relatoria do Min. Gilmar Mendes. Não afirmou, contudo, que fica o marido dispensado da comprovação da dependência econômica.

Aliás, a Lei n.º 7.672/1982, que regula os benefícios e dependência previdenciária, dispõe que “os dependentes enumerados no item ‘I’ do art. 9.º (esposa, ex-esposa divorciada, filhos de qualquer condição, menores de 18 anos, se do sexo masculino ou inválidos e solteiros, menores de 21 anos, ou inválidos, se do sexo feminino), são preferenciais e a seu favor se presume a dependência econômica; os demais comprová-la-ão na forma da lei”, numa eloquente demonstração de que do marido da segurada é exigida a comprovação daquela condição.

No julgamento do MS n.º 22.604/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa, a Corte Suprema decidiu que “filha viúva, divorciada ou desquitada equipara-se à filha solteira, se provada dependência econômica ao instituidor, à data da sucessão pensional”.

Por fim, vale lembrar que no RE n.º 385.397-AgR, composição Plenária, ficou ressaltado que “não se trata de estender ao cônjuge varão a presunção de dependência que favorece a mulher, mas de deixar de impor a ele, cônjuge varão, ‘exigência desarrazoada’”.

Nesse contexto, resta evidente que o marido de segurada detém a condição de dependente, se demonstrar, à data do óbito, ter sido assistido materialmente pela segurada.

No caso em apreço, o autor é servidor público municipal, não revelando dependência econômica para com a ex-servidora – percebendo mensalmente a quantia aproximada de R$ 1.400,00, consoante documentos de fls. 49/51 -, nem apresenta qualquer invalidez.

Diante do exposto, nego provimento ao apelo.”

Aliás, esta mesmíssima 21ª Câmara Cível veio a decidir pela negativa do pensionamento ante falta de prova da dependência econômica (AC n. 70032282501, MARCO AURÉLIO HEINZ), imputando tal ônus ao autor.

DES. MARCO AURÉLIO HEINZ – De acordo com o Revisor.

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA – Presidente – Apelação Cível nº 70035368653, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR.”

Julgadora de 1º Grau: MARILEI LACERDA MENNA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?