por Gláucia Milicio
Para evitar que filhos indesejados sejam abandonados em ruas, praças ou despejados em córregos, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) resolveu facilitar a vida das mães e mudar o destino das crianças rejeitadas. Elaborou anteprojeto de lei que dá às gestantes a possibilidade de fazer todo o acompanhamento de pré-natal e o parto sem a necessidade de se identificar na maternidade e, inclusive, de ficar com o bebê.
Com a proposta, a mãe fica livre de toda responsabilidade jurídica sobre a criança, que poderá ser deixada em hospitais ou postos de saúde para a adoção. Os parentes biológicos, desde que comprovado, pode reivindicar a guarda da criança em até 30 dias. Se isso não acontecer, ela vai para adoção. O registro civil do bebê, que dificilmente saberá a verdadeira identidade da mãe, ficará por conta dos pais adotivos. O anteprojeto, que cria o chamado parto anônimo, deve ser encaminhado para o Congresso no próximo mês de março.
A mãe que se submeter ao parto anônimo terá de fornecer informações sobre sua saúde e a do pai do bebê. A sua identidade será mantida em sigilo e só poderá ser revelada com determinação judicial.
De acordo o IBDFam, a prática já é adotada na Áustria, Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Luxemburgo e Bélgica. “O parto anônimo surge como uma solução ao abandono trágico de recém-nascidos. O instituto afasta a clandestinidade do abandono, evitando, conseqüentemente, as situações indignas nas quais os recém-nascidos são deixados. Há a substituição do abandono pela entrega”, diz a justificativa do anteprojeto.
Na justificativa, o IBDFam diz, também, que o anteprojeto remonta a um mecanismo conhecido como “roda dos expostos”, no Brasil, quando era permitida a entrega de recém-nascidos às instituições determinadas. “As crianças eram colocadas em segurança numa portinhola giratória, tendo a partir de então resguardados o seu direito à vida, à saúde e à integridade e potencializadas o direito à convivência familiar.”
O juiz Arnoldo Camanho, presidente do IBDFam no Distrito Federal, explica que a proposta do instituto é uma alternativa e não uma solução para o problema. Ela destaca que o abandono é crime e que essa situação “horrorosa” de mães que jogam os filhos no lixo não pode continuar.
“Esse projeto não deve ser visto como solução. Ele é uma alternativa para acabar com o abandono. Uma maneira legal de permitir que a mãe disponha de seu filho sem ser condenada, civil ou penalmente, por sua conduta.”
Para a advogada Sylvia Maria Mendonça do Amaral, especialista em Direito de Família, o parto anônimo também não é a maneira ideal para evitar o abandono, mas bem-vindo diante da situação.
Ela afirma que o país deve enfrentar mais abertamente a questão do aborto, “confrontando-se com a Igreja, evidentemente”. Outra sugestão, segundo ela, “é fazer o mesmo com anticoncepcionais e preservativos, cujo uso é veementemente combatido pelos representantes da igreja católica”.
A advogada acredita que, se o estado cumprisse o seu papel, não haveria necessidade de reinventar a “roda dos expostos”. “Mas, como a educação exige tempo e dinheiro para se traduzir em prática, o parto anônimo cumprirá, mesmo de forma enviesada, o papel de proteger as crianças.”
Leia a minuta do anteprojeto
Anteprojeto de lei: Parto Anônimo
Regula o direito ao parto anônimo e dá outras providências.
Art. 1° Fica instituído no Brasil o direito ao parto anônimo nos termos da presente lei.
Art. 2º É assegurado à mãe o direito de dispor da maternidade:
§ 1º Durante a gravidez, quando a mãe comparece a qualquer hospital ou posto de saúde declarando que não deseja a criança, terá o direito de realizar o pré-natal e o parto de forma gratuita.
§ 2º Depois do nascimento, desejando a mãe manter anônima a maternidade, deverá deixar o filho em local a ser mantido na entrada dos hospitais ou postos de saúde.
Art. 3º Os hospitais e postos de saúde devem manter um local de acesso não identificado, para que a genitora que deseje possa entregar o filho à adoção.
Art. 4º A mulher que, antes ou no momento do parto, demandar o sigilo de sua identidade será informada das conseqüências jurídicas desse pedido e da importância para as pessoas em conhecer sua origem genética e sua história.
Parágrafo único. Toda mulher que demandar ao Hospital o parto anônimo, será submetida a acompanhamento psicológico.
Art. 5° A mulher que se submeter ao parto anônimo será informada da possibilidade de fornecer informações sobre sua saúde e/ou a do pai, as origens da criança e as circunstâncias do nascimento, bem como, sua identidade que será mantida em sigilo, e só revelada nas hipóteses do art. 8º desta lei.
Art. 6º A criança será encaminhada à adoção somente após 30 (trinta) dias da data em que foi deixada no hospital ou posto de saúde, período em que qualquer parente biológico, desde que comprovado, poderá reivindicá-la.
Parágrafo único. Quando o parto ocorrer em hospital, sob sigilo de identidade da mãe, a criança será encaminhada à adoção após 30 (trinta) dias de seu nascimento.
Art. 7º As formalidades e o encaminhamento à adoção serão de responsabilidade dos profissionais de saúde, que acolheram a criança ali entregue, bem como, da diretoria do Hospital.
Art. 8º A identidade dos pais biológicos será revelada pelo Hospital, caso possua, somente por ordem judicial.
Art. 9º A parturiente, em casos de parto anônimo, fica isenta de qualquer responsabilidade civil ou criminal em relação ao filho.
Art. 10 Os hospitais particulares e públicos deverão criar condições adequadas para o recebimento e aceitação de parturientes em anonimato.
Art. 11 Ficam revogadas, derrogadas ou modificadas todas as disposições que se oponham ao disposto na presente lei.
Art. 12 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
O abandono de recém-nascidos é uma realidade recorrente. Em todo Brasil é crescente o número de recém-nascidos abandonados em condições indignas e subumanas. A forma cruel com que os abandonos acontecem chocam a sociedade e demandam uma medida efetiva pelo poder público.
A mera criminalização da conduta não basta para evitar as trágicas ocorrências. A criminalização da conduta chega a agravar a situação, pois, os genitores, com temor da punição, acabam por procurar maneiras, as mais clandestinas possíveis, para lançar “literalmente” os recém-nascidos à própria sorte. É essa clandestinidade do abandono que confere maior crueldade e indignidade aos recém-nascidos. A clandestinidade do abandono feito “às escuras” torna a vida dessas crianças ainda mais vulnerável e exposta a sofrimentos de diversas ordens.
Já adotado em países como França, Luxemburgo, Itália, Bélgica, Holanda, Áustria e algumas regiões dos Estados Unidos, o parto anônimo surge como uma solução ao abandono trágico de recém-nascidos. O instituto afasta a clandestinidade do abandono, evitando, conseqüentemente, as situações indignas nas quais os recém-nascidos são deixados. Há a substituição do abandono pela entrega. A criança é entregue em segurança à Hospitais ou Instituições especializadas que irão cuidar de sua saúde e em seguida irão encaminhá-lo à adoção, assegurando a potencial chance de convivência em família substituta. Por sua vez, a mãe terá assegurada a liberdade de dispor do filho biológico sem ser condenada, civil ou penalmente, por sua conduta.
O instituto remonta um mecanismo conhecido como “roda dos expostos”, quando era permitida a entrega de recém-nascidos às instituições determinadas. As crianças eram colocadas em segurança numa portinhola giratória, tendo a partir de então resguardados o seu direito à vida, à saúde e à integridade e potencializadas o direito à convivência familiar.
Diante do número crescente de abandonos de recém-nascidos ocorridos no Brasil e das pesquisas realizadas pela Comissão Científica do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, conclui-se que a institucionalização do Parto Anônimo no Brasil faz-se extremamente necessária. Pois vem ao encontro da demanda jurídica de concretização dos direitos fundamentais positivados, atendendo, também, a repulsa social ao abandono de recém-nascidos em condições subumanas.
O parto anônimo encontra respaldo jurídico na Constituição Federal, ao assegurar a dignidade humana (art. 1º, III), o direito à vida (art. 5°, caput) e a proteção especial à criança (art. 227), bem como, no ECA ao assegurar a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio, em condições dignas de existência (art. 7°).
Revista Consultor Jurídico