por Lilian Matsuura
Só se aplicam as regras do Código de Processo Civil ao processo trabalhista quando a CLT não regula a matéria. Ou quando as regras são compatíveis com os princípios do processo do trabalho. Por isso, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a multa de 10% para o atraso no pagamento da condenação, prevista pelo artigo 475-J do Código de Processo Civil, não pode ser aplicada nas execuções trabalhistas.
Os ministros da 3ª Turma seguiram voto da ministra Maria Cristina Peduzzi. Segundo ela, o artigo 883 da CLT dispõe precisamente sobre a falta de pagamento espontâneo pelo executado. A norma prevê a penhora dos bens necessários para a quitação total do valor da condenação, “acrescida de custas e juros de mora, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial”.
A primeira instância e o Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba decidiram que o dispositivo do CPC deveria incidir sobre o processo de execução trabalhista. De acordo com o acórdão do tribunal, a multa de 10% é aplicável, “tendo em vista que a execução trabalhista é omissa no que se refere às multas”. Os juízes recorreram ainda ao artigo 769 da CLT, que autoriza o uso de regras do CPC em caso de lacuna na lei trabalhista, desde que não haja incompatibilidade.
A ministra Maria Cristina Peduzzi concorda com o argumento de que o processo civil tem aplicação subsidiária ao processo do trabalho. No entanto, entende que a legislação trabalhista não foi omissa ou deixou uma lacuna em relação à multa para atraso no pagamento da indenização. Ela se referiu ao artigo 883 da CLT.
“É importante sublinhar que, nessa hipótese, o silêncio do legislador em relação a qualquer outro efeito — entre eles, a aplicação de multa — deve ser interpretado no contexto do silêncio eloqüente, ou seja, a ausência de cominação de multa representa uma opção política do legislador, e não negligência ou imprevidência”, concluiu.
Diante deste entendimento, a ministra decidiu reformar as decisões anteriores. Para ela, a fixação de penalidade que não condiz com a legislação trabalhista configura ofensa ao princípio do devido processo legal, assegurado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.
Leia o voto da ministra Maria Cristina Peduzzi
PROC. Nº TST-RR-765/2003-008-13-41.8
A C Ó R D Ã O
3ª TURMA
MCP/fhm/rom
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO
Ante possível violação ao artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do apelo denegado.
II – RECURSO DE REVISTA – EXECUÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO
1. Segundo a unânime doutrina e jurisprudência, são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho: i) ausência de disposição na CLT – a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete –; ii) compatibilidade da norma supletiva com os princípios do processo do trabalho.
2. A ausência não se confunde com a diversidade de tratamento: enquanto na primeira não é identificável qualquer efeito jurídico a certo fato – a autorizar a integração do direito pela norma supletiva – na segunda se verifica que um mesmo fato gera distintos efeitos jurídicos, independentemente da extensão conferida à eficácia.
3. O fato juridicizado pelo artigo 475-J do CPC – não-pagamento espontâneo da quantia certa advinda de condenação judicial – possui disciplina própria no âmbito do Processo do Trabalho (art. 883 da CLT), não havendo falar em aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho.
4. A fixação de penalidade não pertinente ao Processo do Trabalho importa em ofensa ao princípio do devido processo legal, nos termos do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República.
Recurso de Revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-RR-765/2003-008-13-41.8, em que é Recorrente COMPANHIA ENERGÉTICA DA BORBOREMA – CELB e são Recorridos ANTÔNIO SILVA VICENTE e CAMPINA PREST SERVICE LTDA.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto às fls. 2/7, ao despacho de fls. 132/133, que negou seguimento ao Recurso de Revista da 2ª Reclamada.
Sem contraminuta ou contra-razões, conforme certidão de fls. 137.
Os autos não foram encaminhados ao D. Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 82 do Regimento Interno desta Corte.
É o relatório.
V O T O
AGRAVO DE INSTRUMENTO
I – CONHECIMENTO
Conheço do Agravo de Instrumento, porque regularmente formado, tempestivo (fls. 2, e 134) e subscrito por profissional habilitada (fls. 9). A autenticidade das cópias trasladadas foi declarada às fls. 8.
II – MÉRITO
O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em acórdão de fls. 118/123, negou provimento ao Agravo de Petição, mantendo a sentença, que aplicara a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil à 2ª Reclamada. Eis os fundamentos:
“Sustenta a Agravante que a norma, contida no art. 475-J do CPC, é inaplicável ao processo do trabalho, porquanto a CLT contém regramento explícito relativo ao processo executório.
A Lei nº 11.232/05 produziu uma revolução no processo de execução, uma vez que o extinguiu como processo autônomo, tornando-o uma mera fase executiva do processo.
Trata-se de inovação condizente com o princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, CF), assim como ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional.
Nessa linha de raciocínio, a reforma criou um mecanismo inovador de pressão psicológica do devedor para pagamento da dívida, ao introduzir o art. 475-J no CPC.
Dispõe o artigo 769 da CLT que, nos casos omissos, o Direito Processual Comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível.
Nesses termos, comungo com o entendimento do Juízo de 1º grau, no sentido de que a multa civilista é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, tendo em vista que a execução trabalhista é omissa no que se refere as multas, e o art. 769 da CLT autoriza a utilização das regras insertas no CPC em caso de lacuna na lei trabalhista, desde que não haja incompatibilidade.
Aliás, quanto ao último requisito, tenho que a sua existência é plena, uma vez que, sendo certo que o Processo do Trabalho tem como fim efetivar direitos fundamentais, o que torna a Justiça do Trabalho uma justiça distributiva, com muito maior razão a incidência da multa, deve ser nele aplicada.
Assim, em que pese os argumentos de alguns doutrinadores em sentido contrário, a exemplo do renomado José Augusto Rodrigues Pinto, para quem “norma impositiva de coerção econômica, há que ter aplicação restrita, forçando a caracterização do silêncio da legislação a ser suprida como impeditivo e não omissivo – e só esta última hipótese autorizaria o suprimento”, (Revista LTr. v. 70, n. 3, mar. 2006, p. 313), tenho que este não é o melhor raciocínio aplicável à hipótese, que, acaso acompanhado, impediria também a aplicação subsidiária no processo do trabalho de outras penalidades constantes no caderno processual civil, a exemplo da multa por ato atentatório ao exercício da jurisidição (CPC, art. 14, parágrafo único), da multa por litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), da multa por embargos protelatórios (CPC, artigo 538, parágrafo único), da multa por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 601) e das próprias astreintes (CPC, arts. 461 e 461-A), dentre outras.
Em suma, entendo que a multa, em análise, é plenamente aplicável ao Processo do Trabalho.
Conforme já exposto acima, dada a novidade da matéria, a jurisprudência acerca do tema ainda é incipiente. Mas já há precedentes acerca da questão, conforme aresto da Quarta Turma do TRT 3ª Região, na forma a seguir transcrita:
“MULTA – ARTIGO 475-J DO CPC. A multa prevista no art. 475-J do CPC, com redação dada pela Lei 11.232/05, aplica-se ao Processo do Trabalho, pois a execução trabalhista é omissa quanto a multas e a compatibilidade de sua inserção é plena, atuando como mecanismo compensador de atualização do débito alimentar, notoriamente corrigido por mecanismos insuficientes e com taxa de juros bem menor do que a praticada no mercado. A oneração da parte em execução de sentença, sábia e oportunamente introduzida pelo legislador através da Lei 11.232/05, visa evitar argüições inúteis e protelações desnecessárias, valendo como meio de concretização da promessa constitucional do art. 5º, LXXVIII pelo qual “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados o tempo razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Se o legislador houve por bem cominar multa aos créditos cíveis, com muito mais razão se deve aplicá-la aos créditos alimentares, dos quais o cidadão-trabalhador depende para ter existência digna e compatível com as exigências da vida. A Constituição brasileira considerou o trabalho fundamento da República – art.1, IV e da ordem econômica – art.170. Elevou-o ainda a primado da ordem social – art. 193. Tais valores devem ser trazidos para a vida concreta, através de medidas objetivas que tornem realidade a mensagem ética de dignificação do trabalho, quando presente nas relações jurídicas”. (Processo nº 00987-1998-103-03-00-6-AP, publicado em 02/12/2006, Juiz Relator: Desembargador Antônio Alvares da Silva.’
Portando, plenamente aplicável a multa constante do artigo 475-J do Código de Processo Civil, pelo que deve suportar a executada agravante com a penalidade que lhe foi imposta.” (fls. 121/123)
No Recurso de Revista, a Reclamada afirmou que o art. 880, da CLT regula a matéria de forma integral, o que afasta a aplicação do artigo 475-J, do CPC. Aduziu que não pode haver aplicação subsidiária in mala partem da multa do art. 475-J, do CPC. Argumentou que a primeira fonte subsidiária do processo de execução trabalhista é a Lei de Execução Fiscal, sendo que o Código de Processo Civil seria utilizado apenas como segunda fonte supletiva. Apontou violação ao artigo 5º, LIV, da Constituição da República.
O primeiro juízo de admissibilidade, às fls. 132/133, denegou seguimento ao apelo com espeque na Súmula nos 297, do TST.
No Agravo de Instrumento, a 2ª Reclamada renova os fundamentos do Recurso de Revista.
Discute-se nos presentes autos a compatibilidade da norma insculpida no artigo 475-J, do CPC, com a redação conferida pela Lei nº 11.232/2005. Segundo a nova sistemática aplicável ao processo civil, o não-pagamento espontâneo e no prazo legal da quantia certa fixada na liquidação obriga o executado a suportar o acréscimo de 10 (dez) por cento do montante, a título de multa. Eis o dispositivo:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”
O processo civil, como se sabe, tem aplicação subsidiária ao processo do trabalho, nos termos do artigo 769 da CLT. No tocante especificamente à execução, é o artigo 889 da CLT que prevê a regra de integração do processo laboral, apontado a Lei de Execução Fiscal como norma subsidiária aplicável.
Segundo a unânime doutrina e jurisprudência, são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum: i) ausência de disposição na CLT – a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete –; ii) compatibilidade da norma supletiva com os princípios do processo do trabalho.
A presente hipótese não se conforma à primeira exigência, porquanto não se identifica, no processo do trabalho, ausência em relação ao tema tratado no artigo 475-J do CPC. Para melhor elucidação da matéria, é preciso diferenciar com clareza a ausência da diversidade de tratamento legal.
A ausência se caracteriza pela inexistência, na lei, de fixação de conseqüências jurídicas para o fato – ato ou negócio – tratado pela legislação suplementar. Na ausência, se constata que o legislador, por desinteresse ou imprevisão, não emprestou qualquer significado jurídico a dado fato do mundo real. É dizer, para o legislador, determinado fato não alcança a importância necessária a ponto de gerar qualquer efeito no mundo do direito.
Outra é a hipótese da diversidade. Em tal circunstância, o legislador afirma a importância de certo fato, atrelando a ele os efeitos jurídicos que entende devidos, na ocasião de sua realização. Contudo, aqui, os efeitos jurídicos advindo da legislação principal se diferenciam daqueles emprestados pela legislação supletiva. Assim, nessa situação, a distinção de tratamento, ainda que caracterizado pela omissão quanto a certos efeitos, não caracterizam ausência, mas sim o silêncio eloqüente não raro identificável nos textos legais.
Pois bem.
Discute-se a aplicabilidade do artigo 475-J, do CPC, ao Processo do Trabalho. O dispositivo, como referido, diz respeito às conseqüências jurídicas do não-adimplemento espontâneo da condenação em pagamento de quantia certa. Este, portanto, precisamente o fato juricizado pela norma: não-pagamento espontâneo de quantia certa advinda de condenação judicial.
A verificação da aplicabilidade do dispositivo, como afirmado, depende da investigação da existência, ou não, de tratamento pela legislação processual trabalhista do mesmo fato. Assim que, confirmado que a legislação trabalhista empresta ao mesmo fato outros efeitos, ainda que reduzidos em relação ao paradigma comum, não há falar em ausência legal, mas sim em diversidade de tratamento.
Essa precisamente a hipótese em teste. O artigo 883 da CLT dispõe precisamente sobre o mesmo fato: não-pagamento espontâneo pelo executado. Confira-se a redação:
“Art. 883 – Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial”
Como se vê, no Processo do Trabalho, o mesmo fato que gera os efeitos previstos no artigo 475-J do CPC importa na penhora dos bens no limite da importância da condenação acrescida de custas e juros de mora. Delimitado no âmbito do Processo do Trabalho os precisos efeitos do fato em discussão, não se admite a utilização do disposto na legislação supletiva.
É importante sublinhar que, nessa hipótese, o silêncio do legislador em relação a qualquer outro efeito – entre eles, a aplicação de multa – deve ser interpretado no contexto do silêncio eloqüente, ou seja, a ausência de cominação de multa representa uma opção política do legislador, e não negligência ou imprevidência.
Conclui-se, portanto, que a fixação de penalidade não pertinente ao Processo do Trabalho importa em ofensa ao princípio do devido processo legal, positivado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República.
Assim, dou provimento ao Agravo de Instrumento para mandar processar o Recurso de Revista e determinar seja publicada certidão, para efeito de intimação das partes, dela constando que o julgamento do recurso dar-se-á na primeira sessão ordinária subseqüente à data da publicação, nos termos da Resolução Administrativa nº 938/2003 desta Corte.
RECURSO DE REVISTA
REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE
Próprio e tempestivo, o Recurso de Revista preenche os requisitos extrínsecos de admissibilidade.
I – INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475-J DO CPC AO PROCESSO DO TRABALHO
a) Conhecimento
O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em acórdão de fls. 118/123, negou provimento ao Agravo de Petição, mantendo a sentença, que aplicara a multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil à 2ª Reclamada. Eis os fundamentos:
“Sustenta a Agravante que a norma, contida no art. 475-J do CPC, é inaplicável ao processo do trabalho, porquanto a CLT contém regramento explícito relativo ao processo executório.
A Lei nº 11.232/05 produziu uma revolução no processo de execução, uma vez que o extinguiu como processo autônomo, tornando-o uma mera fase executiva do processo.
Trata-se de inovação condizente com o princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, CF), assim como ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional.
Nessa linha de raciocínio, a reforma criou um mecanismo inovador de pressão psicológica do devedor para pagamento da dívida, ao introduzir o art. 475-J no CPC.
Dispõe o artigo 769 da CLT que, nos casos omissos, o Direito Processual Comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível.
Nesses termos, comungo com o entendimento do Juízo de 1º grau, no sentido de que a multa civilista é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, tendo em vista que a execução trabalhista é omissa no que se refere as multas, e o art. 769 da CLT autoriza a utilização das regras insertas no CPC em caso de lacuna na lei trabalhista, desde que não haja incompatibilidade.
Aliás, quanto ao último requisito, tenho que a sua existência é plena, uma vez que, sendo certo que o Processo do Trabalho tem como fim efetivar direitos fundamentais, o que torna a Justiça do Trabalho uma justiça distributiva, com muito maior razão a incidência da multa, deve ser nele aplicada.
Assim, em que pese os argumentos de alguns doutrinadores em sentido contrário, a exemplo do renomado José Augusto Rodrigues Pinto, para quem “norma impositiva de coerção econômica, há que ter aplicação restrita, forçando a caracterização do silêncio da legislação a ser suprida como impeditivo e não omissivo — e só esta última hipótese autorizaria o suprimento”, (Revista LTr. v. 70, n. 3, mar. 2006, p. 313), tenho que este não é o melhor raciocínio aplicável à hipótese, que, acaso acompanhado, impediria também a aplicação subsidiária no processo do trabalho de outras penalidades constantes no caderno processual civil, a exemplo da multa por ato atentatório ao exercício da jurisidição (CPC, art. 14, parágrafo único), da multa por litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), da multa por embargos protelatórios (CPC, artigo 538, parágrafo único), da multa por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 601) e das próprias astreintes (CPC, arts. 461 e 461-A), dentre outras.
Em suma, entendo que a multa, em análise, é plenamente aplicável ao Processo do Trabalho.
Conforme já exposto acima, dada a novidade da matéria, a jurisprudência acerca do tema ainda é incipiente. Mas já há precedentes acerca da questão, conforme aresto da Quarta Turma do TRT 3ª Região, na forma a seguir transcrita:
“MULTA — ARTIGO 475-J DO CPC. A multa prevista no art. 475-J do CPC, com redação dada pela Lei 11.232/05, aplica-se ao Processo do Trabalho, pois a execução trabalhista é omissa quanto a multas e a compatibilidade de sua inserção é plena, atuando como mecanismo compensador de atualização do débito alimentar, notoriamente corrigido por mecanismos insuficientes e com taxa de juros bem menor do que a praticada no mercado. A oneração da parte em execução de sentença, sábia e oportunamente introduzida pelo legislador através da Lei 11.232/05, visa evitar argüições inúteis e protelações desnecessárias, valendo como meio de concretização da promessa constitucional do art. 5º, LXXVIII pelo qual “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados o tempo razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Se o legislador houve por bem cominar multa aos créditos cíveis, com muito mais razão se deve aplicá-la aos créditos alimentares, dos quais o cidadão-trabalhador depende para ter existência digna e compatível com as exigências da vida. A Constituição brasileira considerou o trabalho fundamento da República — art.1, IV e da ordem econômica — art.170. Elevou-o ainda a primado da ordem social — art. 193. Tais valores devem ser trazidos para a vida concreta, através de medidas objetivas que tornem realidade a mensagem ética de dignificação do trabalho, quando presente nas relações jurídicas”. (Processo nº 00987-1998-103-03-00-6-AP, publicado em 02/12/2006, Juiz Relator: Desembargador Antônio Alvares da Silva.’
Portando, plenamente aplicável a multa constante do artigo 475-J do Código de Processo Civil, pelo que deve suportar a executada agravante com a penalidade que lhe foi imposta.” (fls. 121/123)
No Recurso de Revista, a Reclamada afirmou que o art. 880, da CLT regula a matéria integralmente, o que afasta a aplicação do artigo 475-J, do CPC. Aduziu que não pode haver aplicação subsidiária in mala partem da multa do art. 475-J, do CPC. Argumentou que a primeira fonte subsidiária do processo de execução trabalhista é a Lei de Execução Fiscal, sendo que o Código de Processo Civil seria utilizado apenas como segunda fonte supletiva. Apontou violação ao artigo 5º, LIV, da Constituição da República.
Discute-se nos presentes autos a compatibilidade da norma insculpida no artigo 475-J, do CPC, com a redação conferida pela Lei nº 11.232/2005. Segundo a nova sistemática aplicável ao processo civil, o não-pagamento espontâneo e no prazo legal da quantia certa fixada na liquidação obriga o executado a suportar o acréscimo de 10 (dez) por cento do montante, a título de multa. Eis o dispositivo:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.
O processo civil, como se sabe, tem aplicação subsidiária ao processo do trabalho, nos termos do artigo 769 da CLT. No tocante especificamente à execução, é o artigo 889 da CLT que prevê a regra de integração do processo laboral, apontado a Lei de Execução Fiscal como norma subsidiária aplicável.
Segundo a unânime doutrina e jurisprudência, são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum: i) ausência de disposição na CLT — a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete —; ii) compatibilidade da norma supletiva com os princípios do processo do trabalho.
A presente hipótese não se conforma à primeira exigência, porquanto não se identifica, no processo do trabalho, ausência em relação ao tema tratado no artigo 475-J do CPC. Para melhor elucidação da matéria, é preciso diferenciar com clareza a ausência da diversidade de tratamento legal.
A ausência se caracteriza pela inexistência, na lei, de fixação de conseqüências jurídicas para o fato — ato ou negócio — tratado pela legislação suplementar. Na ausência, se constata que o legislador, por desinteresse ou imprevisão, não emprestou qualquer significado jurídico a dado fato do mundo real. É dizer, para o legislador, determinado fato não alcança a importância necessária a ponto de gerar qualquer efeito no mundo do direito.
Outra é a hipótese da diversidade. Em tal circunstância, o legislador afirma a importância de certo fato, atrelando a ele os efeitos jurídicos que entende devidos, na ocasião de sua realização. Contudo, aqui, os efeitos jurídicos advindo da legislação principal se diferenciam daqueles emprestados pela legislação supletiva. Assim, nessa situação, a distinção de tratamento, ainda que caracterizado pela omissão quanto a certos efeitos, não caracterizam ausência, mas sim o silêncio eloqüente não raro identificável nos textos legais.
Pois bem.
Discute-se a aplicabilidade do artigo 475-J, do CPC, ao Processo do Trabalho. O dispositivo, como referido, diz respeito às conseqüências jurídicas do não-adimplemento espontâneo da condenação em pagamento de quantia certa. Este, portanto, precisamente o fato juricizado pela norma: não-pagamento espontâneo de quantia certa advinda de condenação judicial.
A verificação da aplicabilidade do dispositivo, como afirmado, depende da investigação da existência, ou não, de tratamento pela legislação processual trabalhista do mesmo fato. Assim que, confirmado que a legislação trabalhista empresta ao mesmo fato outros efeitos, ainda que reduzidos em relação ao paradigma comum, não há falar em ausência legal, mas sim em diversidade de tratamento.
Essa precisamente a hipótese em teste. O artigo 883 da CLT dispõe precisamente sobre o mesmo fato: não-pagamento espontâneo pelo executado. Confira-se a redação:
“Art. 883 — Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial”
Como se vê, no Processo do Trabalho, o mesmo fato que gera os efeitos previstos no artigo 475-J do CPC importa na penhora dos bens no limite da importância da condenação acrescida de custas e juros de mora. Delimitado no âmbito do Processo do Trabalho os precisos efeitos do fato em discussão, não se admite a utilização do disposto na legislação supletiva.
É importante sublinhar que, nessa hipótese, o silêncio do legislador em relação a qualquer outro efeito — entre eles, a aplicação de multa — deve ser interpretado no contexto do silêncio eloqüente, ou seja, a ausência de cominação de multa representa uma opção política do legislador, e não negligência ou imprevidência.
Conclui-se, portanto, que a fixação de penalidade não pertinente ao Processo do Trabalho importa em ofensa ao princípio do devido processo legal, positivado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República.
Conheço, pois, por violação ao artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República.
b) Mérito
Consectário do conhecimento do Recurso de Revista por violação constitucional é o seu provimento. Assim, dou-lhe provimento para excluir da condenação a multa fixada sob a égide do artigo 475-J do CPC.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I — dar provimento ao Agravo de Instrumento para mandar processar o Recurso de Revista e determinar seja publicada certidão, para efeito de intimação das partes, dela constando que o julgamento do recurso dar-se-á na primeira sessão ordinária subseqüente à data da publicação, nos termos da Resolução Administrativa nº 938/2003 desta Corte; II — conhecer do Recurso de Revista por ofensa ao artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir da condenação a multa fixada sob a égide do artigo 475-J do CPC.
Brasília, 5 de dezembro de 2007.
MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI
Ministra-Relatora
Revista Consultor Jurídico