Prazo de validade – Justiça manda prefeito de Mogi das Cruzes sair do cargo

por Aline Pinheiro

O prefeito de Mogi das Cruzes (SP), Junji Abe (PSDB), foi condenado por improbidade administrativa e, se a decisão for mantida, terá de deixar o cargo. Também foram condenados Cláudio Miyake, secretário de Saúde; João Batista Stanziola, do laboratório clínico municipal; e José Moura Campos Neto, ex-secretário de Saúde. A condenação partiu do juiz Gustavo Dall’Olio, auxiliar da 1ª Vara de Campos do Jordão. A decisão ainda está pendente de publicação e cabe recurso.

Todos foram condenados por manterem nos postos de saúde tubos de coleta de sangue e agulhas descartáveis com o prazo de validade vencido. Como justificativa, alegaram que tinha sido feita a revalidação do material e que o procedimento é legal, segundo o Inmetro e a ABNT (Associação Brasileira de Normas e Técnicas).

Os argumentos não foram aceitos pelo juiz Dall’Olio. Ele citou o artigo 122 da Lei paulista 10.083/98, que diz que é vedado usar produtos ligados à saúde que tenham ultrapassado o prazo de validade. “Inconcebível, a pretexto de suposto atendimento do princípio da econimicidade, colocar em risco, concreto ou abstrato, a saúde de pessoas humanas”, disse.

O juiz condenou os réus à perda dos cargos e direitos políticos por cinco anos. Também os mandou ressarcir os cofres públicos de todos os gastos necessários para a revalidação do material vencido. Além disso, determinou o pagamento de multa de até 70 vezes o valor da remuneração recebida por cada um. Eles ficam ainda proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios fiscais pelo prazo de três anos.

Veja a decisão

1ª Vara de Campos do Jordão

Processo n. 724/06

Vistos. Cuida-se de ação civil pública, por ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de Jungi Abe (prefeito), Cláudio Yukio Miyake (secretário de saúde), João Batista Stanziola (laboratório municipal) e José Moura Campos Neto (secretário de saúde), onde, alega, em síntese, que (i) o Município de Mogi das Cruzes adquiriu, no período de janeiro de 2002 a dezembro de 2004, lotes de tubos para coleta de sangue; (ii) a partir de denúncia de Comissão de Vereadores, foram apreendidos, nas unidades de saúde, diversos tubos de coleta de sangue e agulhas descartáveis com o prazo de validade expirado; (iii) a 4ª Vara de Mogi das Cruzes julgou ação civil pública, declarando ilegal o procedimento de ‘revalidação’ dos tubos de coleta de sangue, que era empregado e divulgado pelos réus.

Desse modo, asseverando a violação do princípio da legalidade e moralidade administrativa , postula a condenação do réu às sanções do art. 12, II e III, da Lei n. 8.429/92. Citados (fls. 5135, 5138 e 5145/5146), Jungi Abe Cláudio Yukio Miyake, João Batista Stanziola e José Moura Campos Neto apresentaram contestação, suscitando, em preliminar, a (i) nulidade da citação (falta da notificação do § 7º, da Lei n. 8.429/92); (ii) inépcia da petição inicial (falta de pedido e causa de pedir para reparação); (iii) prejudicialidade externa; (iv) ilegitimidade passiva (agentes públicos).

No mérito, afirmam, em suma, (i) que o procedimento de validação dos tubos de para coleta de sangue é legal (INMETRO e ABNT); (ii) inconstitucionalidade da sanção de suspensão de direitos políticos; (iii) a validação dos tubos foi feita pelo Diretor do Laboratório Municipal de Análises Clínicas, por ordem do Secretário Municipal de Saúde, José de Moura Campos Neto; (iv) houve, tão-somente, continuidade do procedimento de validação, que foi atestada por equipe técnica do Laboratório Municipal; (v) as agulhas vencidas apreendidas estavam acondicionadas em local apartado próprio para o descarte; (vi) exames aferiram a correção dos tubos para coleta de sangue (fls. 5149/5183; 5288/5317 e 5364/5376). Réplica (fls. 5728/5744).

Infrutíferos os esforços conciliatórios (fls. 5768). O processo foi saneado, com rejeição das questões prejudiciais (fls. 5771/5772).

É o relatório. Fundamento.

A despeito dos argumentos científicos, dando conta da correção do procedimento de validação dos tubos de coleta de sangue, ou, ainda, ausência de potencial lesivo à saúde humana, é vedado expor à venda ou entregar a consumo e uso produtos de interesse à saúde que não contenham prazo de validade, data de fabricação ou prazo de validade expirado, ou opor-lhes novas datas de fabricação e validade posterior ao prazo expirado (Lei Estadual n. 10.083/98, art. 122).

Outrossim, os produtos cujo prazo de validade tenham expirado devem ser destruídos, e não, simplesmente, validados, ou algo do gênero (Portaria n. 686/98, Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde). Inconcebível, a pretexto de suposto atendimento do princípio da econimicidade, colocar em risco, concreto ou abstrato, à saúde de pessoas humanas (dever de cautela e prudência no manuseio e coleta de sangue consideradas as múltiplas formas de contaminação).

É direito básico do consumidor a proteção da vida, da saúde, segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos e nocivos (art. 6º, I, da Lei n. 8.078/90). Outrossim, são impróprios para o consumo os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos (art. 18, I, da Lei n. 8.078/90).

A ilegalidade do procedimento de validação foi pronunciada por r. sentença da E. 4ª Vara Cível de Mogi das Cruzes, nos autos da ação civil pública n. 899/05, cujos fundamentos acolho integralmente (- fazendo parte da presente -), conquanto pendente julgamento de recurso de apelação (fls. 5112/5120). Os réus, cada qual na sua função exercida junto a Administração Pública, participaram da idealização, implementação, criação, manutenção, continuidade e, uma vez constatada a irregularidade, do término e encerramento do procedimento de validação de tubos de coleta de sangue, exercendo, por conseqüência, efetivo controle, por ação ou omissão, de prática laboratorial que colocou em risco à saúde de número indeterminado de pessoas humanas.

Tais condutas, que infringem texto legal, se subsumem a modalidade de improbidade administrativa, denominada violação de princípios, legalidade e moralidade, pois, todos, cientes do risco, ainda que abstrato, da implantação e execução de procedimento de validação de produto laboratorial com prazo expirado (tubo de coleta de sangue), violaram, gravemente, dever de lealdade e ética na condução dos negócios públicos, que deve se nortear, em qualquer hipótese, na consecução do bem-comum, infelizmente olvidado na espécie.

Em atenção à repercussão e magnitude da ofensa e expressivo número de pessoas que foram submetidas à coleta de sangue em material com prazo de validade expirado, gerando, abstrata e concretamente, risco de contrair doenças de todas espécies, fixo as seguintes sanções, a todos os réus: (i) ressarcimento do dano, consistente no custo do procedimento de validação dos tubos de coleta de sangue e divulgação por qualquer meio de comunicação, determinada nos autos n. 899/05 (ação civil pública), a ser apurado mediante liquidação por artigos; (ii) perda da função pública; (iii) suspensão dos direitos políticos de 05 (cinco) anos; (iv) pagamento de multa de até 70 (setenta) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; (v) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica do qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos.

A postulação de ressarcimento dos gastos relativos a 70.000 exames laboratoriais não merece acolhida, pois, genérico e indeterminado, carece de efetiva comprovação da ocorrência do dano. O encontro das agulhas com prazo de validade expirado nas unidades de saúde não conduz à responsabilização automática dos réus por ato de improbidade administrativa, que pressupõe desonestidade ou deslealdade, mas, em verdade, daqueles agentes que administravam ou coordenavam respectivo setor.

Por derradeiro, não há falar em inconstitucionalidade da Lei n. 8.429/92, especificamente no tocante à sanção de suspensão dos direitos políticos, pois, todos, sem exceção, devem obediência à lei, inclusive a especial categorial dos agentes políticos. Decido. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, para condenar Jungi Abe, Cláudio Yukio Miyake, João Batista Stanziola e José Moura Campos Neto, por infração ao art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92, às sanções de (i) ressarcimento do dano, consistente no custo (a) do procedimento de validação dos tubos de coleta de sangue e (b) da divulgação por qualquer meio de comunicação determinada nos autos n. 899/05 (ação civil pública), tudo a ser apurado mediante liquidação por arbitramento; (ii) perda da função pública; (iii) suspensão dos direitos políticos de 05 (cinco) anos; (iv) pagamento de multa de até 70 (setenta) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e (v) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica do qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos. Incabíveis honorários advocatícios. Custas ex vi lege.

P.R.I.

Campos do Jordão, 12 de dezembro de 2007.

GUSTAVO DALL’OLIO

Juiz de Direito Auxiliando – Comunicado 81/06 – TJSP

Revista Consultor Jurídico

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