por Pedro Benedito Maciel Neto
Merece atenção o artigo da jornalista Raquel de Aquino da revista Época. O titulo do artigo é: “A professora que incomodou a Justiça”. O caso por ela narrado é sobre a professora Maria da Glória Costa Reis que foi condenada por quatro meses de prisão por difamar um juiz. O que fez a professora, que é também militante dos Direitos Humanos? Nada, apenas exercitou seu direito/dever de cidadã e denunciou, através de um boletim, as condições do sistema carcerário de Leopoldina (MT), apenas cobrou das autoridades o cumprimento de suas obrigações.
Lamentavelmente todos que se opõe ou denunciam, de alguma forma, as falhas do sistema e do Poder Judiciário sofrem com o corporativismo. Alguns magistrados confundem o órgão1 que eles representam e que se opera através deles, com o Poder Judiciário que a eles não pertence, mas à nação2. Sou advogado há 21 anos e vivo os corredores e escaninhos, visíveis e invisíveis dos fóruns do Estado de São Paulo e de alguns outros estados faz 26 anos. Em Campinas (SP) ocorrem barbaridades similares.
Mas antes de comentar um caso que ocorreu em Campinas creio necessário ponderar que há um fato em curso: a Judicialização da Política. Mas o que é isso? Bem, a Judicilialização da Política ocorre quando as relações entre o sistema judicial e os sistemas políticos atravessam um momento de tensão. É o que ocorre hoje. Há Judicialização da Política, pois vemos os tribunais, no desempenho das suas funções, afetarem de modo significativo condições da ação política que, a priori não cabe a esses órgãos, mas à sociedade civil diretamente, aos parlamentos e aos executivos em todos os níveis.
Acredito que esse fato ocorre porque o poder Legislativo, e o Executivo, em certa medida, não têm realizado de forma adequada o embate de idéias, tão necessário à democracia. Em razão da omissão desses poderes em debater políticas públicas, da recusa em realizar discussões filosóficas e ideológicas (parece que se transformou em pecado o debate ideológico), os diversos órgãos do Poder Judiciário vêm assumindo, em suas decisões, posições que interferem no campo da política, com repercussão nos orçamentos e interferência no desenvolvimento de políticas públicas.
Mas é possível nesse espaço aprofundarmos a questão, que vem sendo bem estudada por tantos. A questão que trago à reflexão é a seguinte: qual a repercussão da judicialização da política numa sociedade patrimonialista? O patrimonialismo, que Faoro afirma ser uma característica da nossa sociedade, está presente também no poder Judiciário e em que extensão ele atinge seus membros e a própria sociedade?
Lembrando que o patrimonialismo é a característica de um estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado. Foi comum em praticamente todos os absolutismos. Mas lembremos o que ocorreu em Campinas: o prefeito de Campinas, Hélio de Oliveira Santos (PDT), e a juíza titular da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas Dra. Heliana Maria Coutinho Hess desrespeitaram os princípios da moralidade e da impessoalidade, próprios e necessários à boa administração pública (artigo 37 da Constituição Federal), pois, em tese, prestaram favores um ao outro, efetiva ou potencialmente.
Afirmei isso à época que tomei conhecimento dos fatos, em artigo publicado em jornal da região metropolitana de Campinas3, porque o prefeito de uma as maiores e mais importantes cidades do Brasil e do continente, nomeou para ocupar cargo em comissão o marido da juíza titular da 2ª Vara da Fazenda Pública em Campinas. A mesma juíza que tem como atribuição prestar tutela jurisdicional, dar atenção e decidir questões que atingem diretamente o interesse do governo municipal. Ou, em outras palavras, cabia à esposa de alguém que ocupava cargo em confiança dizer sim ou não aos pedidos da municipalidade e àqueles formulados contra o governo municipal ou contra o próprio prefeito. Isso está correto? Será que as decisões da juíza tiveram ou têm isenção? À época afirmou que estávamos diante de uma espécie de nepotismo4?
Nepotismo, em essência, significa favorecimento, e nos parece evidente o favorecimento à juíza e seu consorte, em troca de, quem sabe, favorecimento também, sempre em tese. Faltaram ao prefeito, à juíza e ao seu consorte equilíbrio e retidão de caráter para manter incólume a dicotomia entre o público e o privado. Afirmamos à época que a juíza e seu consorte jamais deveriam ter aceitado uma nomeação que maculou a sua carreira o próprio Poder Judiciário.
E houve preocupação do legislador constitucional com esse tipo favorecimento. Por exemplo, é causa de inelegibilidade – prevista no art. 14, da Constituição da República — que alcança o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afim, até o segundo grau ou por adoção, do chefe do executivo ou de quem o tenha substituído nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Identificada à prática do nepotismo, ter-se-á, de imediato, um indício de violação ao princípio da impessoalidade, já que privilegiados interesses individuais em detrimento do interesse coletivo. Na violação à impessoalidade, no entanto, não se exaure os efeitos do nepotismo, tendo, a nosso ver, dimensão mais ampla. Nesta linha, de forma correlata aos efeitos imediatos do ato, refletidos no injustificável tratamento diferenciado dos administrados, tem-se o fundamento ético-normativo por ele violado.
A conduta do chefe do Executivo de Campinas e da juíza é dissonante do princípio da moralidade administrativa, não se pode admitir que a administração pública possa ser transformada em um negócio de troca de gentilezas entre o chefe do Poder Executivo e órgão do Poder Judiciário. O marido foi exonerado depois da publicação do artigo.
E a essa mesma juíza e o prefeito vêem-se envolvidos em outro escândalo, batizado pela revista Consultor Jurídico como “celeridade escandalosa”. A subsecção da OAB encaminhou requerimento ao corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo em que reclama medidas correcionais contra o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, suspeito de “inexplicável exceção à regra da morosidade reinante”.
Os representantes da OAB em Campinas denunciaram que uma ação de indenização ajuizada no dia 8 de março (DE 2007) tenha terminado em acordo, com registro da sentença homologatória em 4 de maio do mesmo ano — “em menos de dois meses (aproximadamente 58 dias corridos e 39 dias úteis) quando a demora média de uma ação dessa natureza é de cinco anos.
O curioso está no fato de ser autora da ação, e beneficiária da celeridade judicial, uma juíza — Heliana Maria Coutinho Hess, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, cujo marido, à época era assessor do Prefeito. O requerimento da OAB não citou o nome do “juiz recordista de velocidade” — Mauro Fukumoto, da 1ª. Vara de Fazenda, o qual homologou o acordo para sua colega Heliana.
Noutra circunstância e apenas por levar reclamação de morosidade na prestação jurisdicional de outro magistrado aos órgãos competente reações imaturas e injustiças são praticadas contra advogados. O fato é que não se pode reclamar, denunciar, reivindicar quando isso atinge o Poder Judiciário.
O que pode significar que no Brasil a Judicialização da Política pode estar transbordando para o campo do autoritarismo e a sociedade corre em deixar a democracia nas mãos daqueles que ocupam suas funções de forma corporativista e autoritária.
Notas de rodapé:
1. Art. 92 – São órgãos do Poder Judiciário:
I – o Supremo Tribunal Federal;
I-A – o Conselho Nacional de Justiça; (Acrescentado pela EC-000.045-2004)
II – o Superior Tribunal de Justiça;
III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI – os Tribunais e Juízes Militares;
VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios
2. Uma confusão que talvez decorra da cultura patrimonialista tão bem tratada por Raimundo Faoro no seus “Os donos do Poder”.
3. TODO DIA, Americana, abril/2007 (http://portal.tododia.uol.com.br/?TodoDia=artigos&Materia=90990&dia=15&mes=04&ano=2007)
4. Nepotismo deriva do latim “nepos, nepotis”, significando, respectivamente, neto, sobrinho. “Nepos” também indica os descendentes, a posteridade, podendo ser igualmente utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e devasso. A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica, pois alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou a ser associado à conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais concessões aos seus familiares (buscamos esses conceitos em texto do dr. Emerson Garcia, promotor de Justiça no Rio de Janeiro).
Revista Consultor Jurídico