Pensão paga – Estado de Minas Gerais é condenado por prisão indevida

A culpa pela prisão indevida não é do Poder Judiciário, mas sim do estado. Assim, cabe a este o pagamento de indenização por qualquer constrangimento sofrido. Com este entendimento, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça mineiro condenou o estado de Minas Gerais a pagar R$ 5 mil de indenização por danos morais e R$ 600 por danos materiais para um pintor de carros preso por quatro dias, mesmo depois de quitar a dívida relativa a pensão alimentícia.

De acordo com o processo, o decreto de prisão foi expedido em novembro de 2001. O pintor de carros esteve foragido até abril de 2005. Nesta data, a ex-mulher apresentou à Justiça o recibo de quitação da dívida da pensão. A primeira instância extinguiu o processo e, por conseqüência, a prisão civil que havia sido decretada. Foi determinado o recolhimento do mandado de prisão. A ordem foi descumprida. O pintor de carros foi preso quando prestava depoimento na condição de testemunha em outro processo.

O estado alegou que a Polícia agiu no dever legal de prender o pintor de carros, porque existia um mandado de prisão contra ele. Portanto, levando em conta que o decreto prisional partiu de um ato judicial, não deveria pagar a indenização. Argumentou também que não ficou comprovado qualquer constrangimento.

O relator do processo, desembargador Brandão Teixeira, considerou que a prisão foi ilegal e abusiva. “Também não resta dúvida de que a culpa pelo não recolhimento do mandado prisional é do Estado por falha em seus serviços”, acrescentou.

A decisão teve como base o parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição Federal. Segundo o texto, “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

“No caso em apreço, trata-se de responsabilidade subjetiva do município. Consiste na obrigação de indenizar o administrado, em decorrência da inércia da Administração Pública”, entendeu o desembargador.

A 2ª Câmara só acolheu parte do recurso do estado para reduzir o valor da indenização por danos morais de R$ 10 mil, fixada pela primeira instância, para R$ 5 mil. Os desembargadores consideraram que o pintor de carros colaborou com sua prisão. Para o relator, caberia ao devedor procurar a Justiça e comprovar o pagamento da dívida e depois verificar se houve o recolhimento da ordem de prisão.

“Impõe-se reconhecer que a conduta relapsa do autor também contribuiu para que o mandado prisional fosse cumprido, mesmo após o pagamento do débito alimentar. Portanto, o autor também contribuiu para o evento danoso e tal fato deve ser considerado para a fixação da indenização devida pelo réu”, concluiu.

Leia a decisão

Número do processo: 1.0024.06.045844-5/001(1)

Relator: BRANDÃO TEIXEIRA

Relator do Acordão: BRANDÃO TEIXEIRA

Data do Julgamento: 04/12/2007

Data da Publicação: 15/01/2008

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – FIXAÇÃO – REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL – PRISÃO CIVIL POR DÉBITO ALIMENTAR JÁ PAGO – INDENIZAÇÕES DEVIDAS – REDUÇÃO DO DANO MORAL.

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0024.06.045844-5/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – REMETENTE: JD 6 V FAZ COMARCA BELO HORIZONTE – APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS – APELADO(A)(S): MÁRCIO VAGNER MANSUR – RELATOR: EXMO. SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NÃO CONHECER DO REEXAME NECESSÁRIO E DAR PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Belo Horizonte, 04 de dezembro de 2007.

DES. BRANDÃO TEIXEIRA – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação oral, pelo Apelado, o Dr. Walcar Costa Pereira.

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

Sr. Presidente.

Ouvi, com a habitual atenção, a sustentação oral.

VOTO

Tratam os autos de apelação cível interposta contra a r. sentença de fls. 194/204 que, nos autos da ação de indenização por danos morais e materiais proposta pelo apelado em face do apelante, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o Estado de Minas Gerais a indenizar o autor no valor global de R$ 10.600,00 (dez mil e seiscentos reais) a título de danos morais (R$ 10.000,00) e materiais (R$ 600,00) determinando a incidência de correção monetária sobre os danos materiais a partir de 12/09/2005 e sobre os danos morais a partir da publicação da sentença. Os juros foram fixados em 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito em julgado da sentença. Em face da sucumbência recíproca, arbitraram-se honorários devidos pelos sucumbentes em R$ 1.000,00 (mil reais), cabendo ao autor o pagamento de 85% (oitenta e cinco por cento) dessa verba e, ao Estado, os 15% (quinze por cento) restantes.

Em suas razões recursais, de fls. 205/208, o apelante requer a reforma da sentença para que o pedido inicial seja julgado improcedente. Ad argumentandum, requer seja decotada a condenação a título de danos materiais e, ainda, sejam reduzidos os danos morais fixados.

Alega: a autoridade policial agiu em cumprimento do dever legal, tendo conduzido o apelado à prisão em razão da existência de mandado de prisão expedido pelo juiz da 8ª Vara de Família da Capital; tal fato não enseja acolhimento da indenização pleiteada por se tratar de limitação necessária imposta a todos os indivíduos em prol da coletividade; os atos jurisdicionais encerram manifestação da soberania nacional e não geram responsabilidade para o Estado, salvo os casos expressamente declarados em lei; impõe-se a reforma da sentença para que o pedido inicial seja julgado improcedente; se mantida a sentença, impõe-se seja decotada a importância atinente aos danos materiais e reduzidos os danos morais fixados; não pode ser obrigado a pagar os honorários advocatícios gastos pelo autor porque mantém quadro de defensores públicos que atendem gratuitamente à população carente; o autor optou por não utilizar o serviço posto à sua disposição; o autor não comprovou a alegação de constrangimentos sofridos em razão de sua prisão civil; o testemunho de outro detento não tem o condão de afastar a legitimidade do documento de fls. em que a autoridade administrativa policial informa que o autor esteve recolhido no alojamento W utilizado exclusivamente para prisão civil e extraordinariamente para prisão especial e, ainda, que “em nenhum momento, tiveram contato coma carceragem ou com presos condenados perigosos”.

Conhece-se, em reexame necessário, ex vi do art. 475, inciso I, do CPC, com a nova redação estabelecida pela lei 10.352/2001, e do recurso voluntário, por próprio, tempestivo e adequado.

Conforme se extrai dos autos, o autor teve sua prisão civil decretada em 31/10/01 nos autos da execução de alimentos proposta em seu desfavor por seus filhos (proc. 0024.00.109769-0) (v. fls. 83/85), tendo sido expedido o referido mandado prisional em 19/11/2001 (v. fls. 86).

Após o pagamento do débito alimentar, tendo sido o processo executivo julgado extinto, com a determinação de recolhimento do mandado prisional, o autor foi preso e permaneceu no CERESP no período de 09/11/2005 a 12/09/2005, ou seja, por 04 (quatro) dias.

O autor requereu, em razão do cumprimento de mandado prisional que deveria ter sido recolhido, indenização por dano material e moral. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial fixando o dano material em R$ 600,00 (seiscentos reais) e os danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nos termos do art. 37, da CF/88, “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (grifos nossos).

O parágrafo sexto do artigo constitucional em comento determina que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

No caso em apreço, trata-se de responsabilidade subjetiva do Município. Consiste na obrigação de indenizar o administrado, em decorrência da inércia da Administração Pública.

A responsabilidade subjetiva é baseada na culpa, onde o lesado deverá provar o dano, ação ou omissão e nexo causal.

Sobre o tema em análise, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO leciona:

“A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porque supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute de service dos franceses, por nós traduzida por “falta de serviço”. É dispensável localizar- se, no Estado, quem especificamente descumpriu o dever de agir, omitindo-se propositadamente ou apenas por incúria, por imprudência, ao negligenciar a obrigação de atuar e atuar tempestivamente. Cumpre tão-só que o Estado estivesse obrigado a certa prestação e faltasse a ela, por descaso, por imperícia ou por desatenção no cumprir seus deveres, para que desponte a responsabilidade pública em caso de omissão” (RT 552/14).

Neste esteira, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se:

“Tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade de tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de três vertentes: negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute du service dos franceses” (STF, 2ª Turma, RE nº 179.147 – 1, Relator Carlos Velloso, DJU de 27.02.1998).

Depreende-se do exame dos autos que houve ato omissivo do réu. A prisão civil do autor mostrou-se ilegal e abusiva já que o débito alimentar já havia sido pago. Dessa forma, impõe-se a condenação do réu a indenizar o autor pelos danos materiais e morais sofridos.

No que tange à indenização por dano material, fixada em R$ 600,00 (seiscentos reais), reconhece-se que tal quantia é devida. Em face da prisão civil do autor, este contratou advogado para que fosse agilizada sua soltura. Não se pode impor ao autor que esperasse atendimento pela Defensoria Pública em face da urgência de sua situação. Preso após pagar o débito alimentar, tinha o autor o direto de contratar o profissional que entendia qualificado para solução de seu problema urgente.

Portanto, mantém-se a condenação do Estado em indenizar o autor, por danos materiais, fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), que devem ser corrigidos monetariamente a partir de 12/09/05, data do recibo de fls. 161.

Porém, no que tange à indenização por dano moral, verifica-se que o valo arbitrado pelo MM. Juiz monocrático mostra-se elevado em face do curto período em que o autor permaneceu preso.

Além disso, o mandado prisional fora decretado em 19/11/01 e, somente em 05/04/05 foi apresentado pela genitora dos alimentados o recibo de quitação de todo o débito alimentar, tendo sido requerida a extinção do processo e conseqüente revogação da prisão civil decretada (v. fls. 138). A Douta Juíza da 8ª Vara de Família de Belo Horizonte, ao extinguir o feito, determinou o recolhimento do mandado de prisão (v. fls. 142) que, infelizmente, não se operou, o que culminou na prisão civil do autor.

Resta examinar o quantum indenizatório pelo dano moral sofrido pela autora. É sabido que, para a fixação da verba indenizatória devida por dano moral, deve o julgador dosá-la dentro do princípio de prudência e arbítrio, à luz das peculiaridades de cada caso, principalmente em função do litigante e da maior ou menor gravidade da lesão, de forma a evitar a repetição do ilícito, bem como o enriquecimento sem causa do ofendido.

Vale trazer a baila o seguinte aresto:

“A vítima de lesões a direitos de natureza não patrimonial deve receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação sofridas, e arbitrada segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de enriquecimento, nem ser inexpressiva” (RJTJSP 137/187).

Enfim, levando em conta os referidos ensinamentos, o quantum fixado a título de dano moral na sentença mostra-se elevado e deve ser revisto.

Não se desconhece que o autor sofrera alguma dor moral por ser constrangido em seu direito de ir e vir por ato de autoridade policial que se mostrou ilegal e abusivo, pois embasado em decreto prisional que já deveria ter sido recolhido. Também não resta dúvida de que a culpa pelo não recolhimento do mandado prisional é do Estado por falha de seus serviços.

Porém, impõe-se reconhecer que o autor não diligenciou no sentido de, após o pagamento do débito alimentar, verificar se houve o recolhimento do mandado prisional expedido contra sua pessoa. Apesar do evidente o equívoco operacional do servidor do Estado que não cuidou de dar cumprimento à decisão da MMª. Juíza da 8ª Vara de Família, recolhendo o mandado prisional, impõe-se reconhecer que a conduta relapsa do autor também contribuiu para que o mandado prisional fosse cumprido, mesmo após o pagamento do débito alimentar. Portanto, o autor também contribuiu para o evento danoso e tal fato deve ser considerado para a fixação da indenização devida pelo réu.

Além disso, não há como se aceitar a alegação do autor de que tenha sido constrangido perante seus vizinhos já que o mesmo informa que o mandado de prisão somente fora cumprido quando o autor prestava depoimento como testemunha junto à 1ª Delegacia Especializada de Falsificações e Defraudações de Belo Horizonte (v. fls. 03). Note-se, ainda, que, na inicial da ação de indenização sob exame, o autor informou residir à Rua Bom Sucesso, 358, fundos, bairro Carlos Prates (v. fls. 02). Porém, procurado por diversas vezes no referido endereço para cumprimento do mandado prisional expedido nos autos da execução de alimentos, desde novembro de 2.001, o autor jamais fora encontrado naquele local.

Portanto, não há que se falar em constrangimento sofrido pelo autor perante seus parentes ou vizinhos. Se tais pessoas tomaram conhecimento da prisão do autor, tal fato se deu por culpa deste ou de seus familiares e não do réu.

Por último, também não restou comprovado nos autos que a filha do autor, de seis anos de idade tenha sido constrangida por coleguinhas de escola pelo fato do autor ter permanecido encarcerado junto com delinqüentes, assaltantes e um pedófilo.

O autor foi preso em 09/09/05 e permaneceu recolhido no CERESP da Gameleira até 12/09/05, ou seja, por quatro dias.

Os autos demonstram que o autor trabalha com pintura, não possuindo vínculo empregatício. Além disso, o autor se comprometera, no ano de 2.001, a pagar aos dois filhos alimentos fixados em 01 (um) salário mínimo. Em 25/04/2005 firmou acordo com a genitora dos menores, reduzindo os alimentos devidos aos filhos a apenas R$ 100,00 (cem reais) mensais (v. fls. 145).

Considerando todas as questões fáticas do presente caso, entende-se que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para amenizar a dor moral sofrida pelo autor.

CONCLUSÃO

Pelas razões acima, EM REEXAME NECESSÁRIO, REFORMO PARCIALMENTE A SENTENÇA para reduzir os danos morais fixados, fixando-os em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Prejudicado o recurso voluntário.

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

Sr. Presidente.

Tendo em vista o valor de R$ 10.600,00, salvo engano, não há que se falar em remessa oficial.

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

Sr. Presidente, pela ordem.

Concordo com o Des. Revisor. Não conheço do reexame necessário.

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

Acompanho o Relator, registrando que ouvi, com atenção, a sustentação oral.

O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:

Sr. Presidente.

Acompanho o Relator, salientando que o dano moral se acha, no caso presente, devidamente caracterizado, ao contrário do abuso de sua cobrança em outros casos inúmeros, mas, neste caso específico, dano moral está patente. Ao revés, não consegui detectar a ocorrência de danos materiais, mas quero supor que eles estejam presentes no fato de o Apelado ter deixado de exercitar o seu trabalho autônomo, como pintor de veículos, nos dias em que esteve preso.

Com estas considerações, acompanho os votos precedentes.

SÚMULA : NÃO CONHECERAM DO REEXAME NECESSÁRIO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0024.06.045844-5/001

Revista Consultor Jurídico

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