Não é crime construir muro de gabião sem intenção de causar dano ambiental

A pedido do Ministério Público Federal – que fora o autor da denúncia -, o juiz Claudio Marcelo Schiessl – da 1ª Vara Federal de Joinville (SC) – absolveu um acusado de construir muro de gabião na praia da prática do crime tipificado no artigo 64 da lei nº 9.605/98, por entender que o ato praticado não era doloso.

Ao acusado – um proprietário e veranista da praia de Itapoá (SC) – foi, inicialmente, imputada a prática de construir sobre solo não edificável porque instalou, em frente à sua casa, junto à praia marítima, um muro de gabião.

O muro de gabião é uma espécie de caixa retangular feita com rede de malha de arame.

A denúncia foi recebida pelo Juízo, por serem as praias bens de uso comum do povo e com livre acesso em qualquer direção e sentido, “não sendo permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso ao povo”, de forma que a área é não edificável.

Por sua vez, o denunciado se defendeu no sentido de que o art. 64 da Lei n.º 9.605/98 carece de ato administrativo ou legal específico que declare não edificável a área onde se encontra o gabião. No caso concreto, sustentou, inexistia tal condição.

Para a defesa, restrição sobre a cobertura vegetal não significa necessariamente restrição sobre o solo, tanto que o próprio Conama autoriza intervenção em área de preservação permanente em casos de menor potencial poluidor.

Igualmente, arguiu o veranista, nem mesmo sendo de Marinha a área seria não edificável, pois é passível de regularização e obtenção de certidão de ocupação. Segundo o denunciado, cabia à acusação provar que a área ocupada pelo muro de gabião era não edificável.

Após a oitiva de testemunhas e o interrogatório, o Ministério Público Federal se manifestou pela absolvição do denunciado, pela ausência de dolo: o acusado tinha as autorizações necessárias para a construção da casa e o muro foi construído para proteger o seu patrimônio.

Porém, ressalvou o MPF, o ilícito ambiental subsistiria, demandando um acordo para tomada de providências no local, sob pena de ajuizamento de ação civil pública.

Tendo em vista o pedido absolutório do MPF e a respectiva concordância da defesa, o magistrado expressou que o veranista não teve intenção de causar dano ambiental, com a construção do muro. Desse modo, a sua conduta não é dolosa, o que exclui o crime e conduz à absolvição. A eventual responsabilidade ambiental cível deverá, pois, se resolver na esfera própria.

Segundo o advogado do acusado – Fabiano Santangelo (OAB/SC nº 15.388) – “o anteparo foi construído para deter o avanço do mar na região”. Várias residências já teriam sido danificadas pela força da água do mar. (Proc. nº 2008.72.01.002950-8/SC).

ÍNTEGRA DA SENTENÇA (22.09.10)
TERMO DE AUDIÊNCIA

CRIMES AMBIENTAIS JEF Nº 2008.72.01.002950-8/SC
AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
ACUSADO: CARLOS HENRIQUE TIEMECHI
ADVOGADO: FABIANO SANTANGELO

TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO – JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CRIMINAL

Aos 29 dias do mês de abril de 2009, às 15h15min, no Foro da Justiça Federal da Subseção Judiciária de Joinville, Seção Judiciária de Santa Catarina, situado na Rua do Príncipe, n.º 123, 1.º Andar, Centro, na Sala de Audiências da 1ª Vara Federal, presente o MM. Juiz Federal Substituto da 1.ª Vara Federal e Juizado Especial Federal Criminal Adjunto, Dr. CLAUDIO MARCELO SCHIESSL, comigo, Técnico Judiciário adiante nomeado, foram apregoadas as partes na data e hora aprazadas, verificando-se a presença do Procurador da República, Dr. Mário Sérgio Ghannage Barbosa, do Defensor do denunciado, Dr. Fabiano Santangelo, OAB/SC 15.388, do acusado Carlos Henrique Tiemechi, bem como da testemunha arrolada pela acusação Acir Moraes Júnior, bem como das testemunhas de defesa, Vilmar Mário da Graça e Eval Campos. Ausentes, justificadamente (fl. 72), as testemunhas arroladas pela acusação Adair Bica Batista e Pedro Benigres.

Em seguida, o MM. Juiz Federal declarou aberta a audiência e concedeu a palavra ao defensor do acusado para responder à acusação da fl. 68-verso, que assim se manifestou:

“MM. Juiz Federal Substituto: Junta-se defesa escrita, acrescentando-se ainda decisão administrativa do IBAMA, e doutrina de José Afonso da Silva, além obra da Escola Paulista de Magistratura, ressaltando o caráter de a norma do art. 64 da Lei 9.605/98, ser norma penal em branco, inexistindo a delimitação para o fato de ser área non edificandi. A defesa diz que é o Município que diz quem é o competente, para, no caso, dizer dentro de seus limites, o que é área não edificável. No caso, o terreno é edificável, conforme projeto aprovado pela Prefeitura de Itapoá. Quanto ao art. 330 do CP, que o réu não foi o destinatário do primeiro embargo, e quando efetivamente intimado do embargo, a obra já estava concluída. Não houve portanto qualquer intenção legal de funcionário público, até porque a ordem não chegou ao conhecimento.

Em seguida, o MM. Juiz Federal Substituto deliberou:

“1. O Ministério Público Federal oferece denúncia em face de CARLOS HENRIQUE TIEMECHI pela prática, em tese, das condutas típicas descritas no art. 64, da Lei n,º 9.605/98 e art. 330, c/c art. 70, estes do Código Penal, porque, em meados de junho de 2007, na Rua Jacarezinho, 241, Bairro Balneário Rosa dos Ventos, Município de Itapoá/SC, o acusado promoveu a construção de um muro de gabião em área insuscetível de edificação, qual seja, praia marítima, bem de uso comum do povo. Ainda, segundo a denúncia, tendo referida construção sido descoberta pela Guarnição Especial da Polícia Militar Ambiental, houve a lavratura do Termo de Embargo/Interdição, na data de 08/06/2007, e o acusado, desobedecendo a mencionada interdição, concluiu a obra, fato este constatado em 08/01/2008.

2. Quanto ao delito de desobediência, realmente, a atuação da polícia ambiental é confusa. Apresenta um termo de embargo em nome de terceira pessoa que não o do réu, com endereço Av. Celso Ramos, 71, mas não identifica exatamente onde está localizada a obra embargada, apenas faz referência a um muro de gabião, de 15 metro Esse primeiro embargo se deu contra Eduardo Antunes, em 08.06.07. Em 08.01.08 um novo termo de embargo, agora contra o réu, novamente com o endereço discrepante do local da obra, uma vez mais com menção avulsa de um muro de gabião. Se primeiro embargo é o que foi desrespeitado, parece que o réu seria Eduardo Antunes. Em 08.01.08, além do termo de embargo houve um boletim de ocorrência ambiental e na descrição da ocorrência consta que foi constatada a construção de um muro de gabião, sabe se lá se ainda em obras, já terminado. Assim, não me parece impossível que o réu tenha sabido de embargado anterior, mas o fato é que, nos autos, não há como vislumbrar a mencionada desobediência.

3. Quanto ao delito do art. 64 da Lei n.º 9.605/98, me parece que basta ver as fotos de fls. 14 e 15 para que se note que a denúncia ao narrar a construção de um muro de gabião em praia retrata, à primeira vista, o que efetivamente ocorreu. Não me parece que o muro esteja em outro lugar que não seja a areia da praia. Assim, se verificado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, vemos que as praias são bem de uso comum do povo (art. 10) com livre acesso em qualquer direção e sentido, não sendo permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso ao povo. Se de uso comum do povo a praia, a meu ver, parece que há “privatização” do espaço público com a construção do muro, e parece-me que a praia é área não edificável. Há de se aquilatar na instrução processual se a autorização para uso da área requerida perante o Município de Itapoá, foi ou não obedecida, se seus limites foram ou não ultrapassados. Assim, demonstrados, à primeira vista, autoria e materialidade, RECEBO A DENÚNCIA contra esse delito.

Em seguida o MM. Juiz Federal Substituto deu continuidade à audiência de instrução e julgamento, com nova tentativa de transação penal e/ou suspensão condicional do processo, as quais não tiveram êxito, passando, em seguida, à oitiva da testemunha arroladas pela acusação Acir Moraes Júnior, das testemunhas arroladas pela defesa Vilmar Mário da Graça e Eval Campos, procedendo, após, ao interrogatório do acusado, em termo apartado.

O Ministério Público Federal desisitiu da oitiva das testemunhas ausentes PEDRO BENIGRES e ADAIR BICA BATISTA, o que foi homologado pelo MM. Juiz Federal Substituto, com a aquiescência da defesa.

Em seguida, passo a proferir sentença, dispensado o relatório, suficiente dizer a esse título que após a oitiva das testemunhas e interrogatório, o Ministério Público Federal manifestou-se pela absolvição pela ausência de dolo, tendo em vista que o acusado tinha as autorizações necessárias para a construção da casa e que o muro foi construído com o propósito de proteger o patrimônio amealhado. Ressalta contudo o MPF que o ilícito ambiental subsiste, e que se não for o MPF procurado pelo réu para um acordo, o caminho será o ajuizamento de ação civil pública.

A defesa concorda com o pedido de absolvição.

Tendo em vista que efetivamente não parece ter sido a intenção do acusado causar dano ambiental, com a construção do muro, dolo não há, excluído, portanto o crime. Se há responsabilidade ambiental cível, parece evidente que as partes resolvam na instância adequada. Ante o exposto, com base no art. 386, III, do CP absolvo o réu da acusação de infringência ao art. 64 da Lei n.º 9.605/98. Custas na forma da Lei. PR. Intimação em audiência, as partes abrem mão do prazo recursal, deferindo desde logo vista ao MPF para que extraia cópias que entende necessária para o eventual ajuizamento da ação civil pública. Voltando os autos do MPF, ao arquivo.

Nada mais havendo a ser registrado, pelo MM. Juiz Federal Substituto foi determinado o encerramento do presente termo que, digitado por mim, Evandro Roque Zamboni, _______, Técnico Judiciário, segue devidamente assinado pelos presentes.

Claudio Marcelo Schiessl
Juiz Federal Substituto

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