Na forma da lei – Justiça do Trabalho é incompetente para julgar representante

por Ricardo Luís Rodrigues da Silva

Com o advento da Emenda Constitucional 45, tem se entendido que houve a ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

A Emenda Constitucional deu nova redação ao artigo 114 da Constituição Federal, delegando aos juízes trabalhistas a competência para julgar relações de trabalho, segundo as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho.

Essa alteração, no entanto, tem dado margens a inúmeros entendimentos, notadamente de que a Justiça trabalhista julgue as diversas formas de prestação de serviço.

Dentre esses entendimentos, embora o tema guarde similitude com relação de trabalho, não se vislumbra autorização, nem mesmo constitucional, para se permitir o processamento da querela na justiça trabalhista, ainda que existam pronunciamentos conflitantes.

A relação entre o representado e o representante é a de resultado, isto é, não existe salário, subordinação ou mesmo dependência, ou seja, não se pode deixar de considerar a previsão legal expressa no artigo 2° e 3° da CLT.

Das inúmeras petições que se tem notícia, tem se observado que a natureza do pleito não é de índole trabalhista, o qual, por si só, não caracteriza relação de trabalho para efeito de definir a competência em favor da Justiça do Trabalho.

Não é possível desconsiderar-se o que estabelece o artigo 39 da Lei 4.886/65, quando dispõe que para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado à competência é da Justiça Comum.

Mesmo após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho com a reforma do Judiciário, não seria de competência trabalhista o julgamento de causas relativas à mera prestação de serviço entre representante e representado, em razão de lei específica.

O pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide.

Quando da vigência da Constituição Federal de 1969, cogitou-se a hipótese da competência da justiça trabalhista para julgar ações envolvendo representante comercial.

No texto daquela constituição, há de se recordar, a disposição era a seguinte:

Artigo 142. Compete à Justiça Trabalhista conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho.

Segundo o texto acima mencionado, poderiam ser apreciados pela Justiça laboral, os dissídios entre empregados e empregadores, também outras controvérsias, oriunda da relação de trabalho, mediante previsão legal.

É certo que o texto vigente, muito assemelhado ao antigo, em primeira leitura dá a entender que a questão envolvendo representante comercial passou a ser permitida no juízo trabalhista:

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: X — outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

Na dicção do texto legal, respeitadas as alterações, o legislador não contemplou ou alargou essa competência, repise-se, o texto antigo limitava-se a relação entre empregado e empregador; o texto atual embora permita a análise de outras controvérsias, mesmo que não se restrinjam a empregados e empregadores, fez a mesma ressalva “na forma da lei”.

Ora, o que diz a lei: Artigo 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o Foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no artigo 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas. (Redação dada pela Lei 8.420/92)

A lei é taxativa, para dirimir as controvérsias a competência é da Justiça Comum, condição que não foi alargada pelo texto maior, já que o legislador fez a ressalva “na forma da lei”, e no caso elas existem (lei 4.886/85 e lei 8.420/92).

É certo que a questão é tormentosa, porém, é preciso destacar o entendimento do STF (RE 91.647), notadamente pelo teor da decisão do ministro Moreira Alves:

“Ora, se é fato certo que, no caso, não há salário, e também é certo que, sem salário, não há relação de emprego, a conclusão é a de que a Justiça do Trabalho é incompetente para julgar a controvérsia em face do disposto no artigo 142 da Constituição Federal.

Esse exame, com relação à competência, não pode ser afastado do âmbito de apreciação desta Corte, pela circunstância de a Justiça Trabalhista, contra fato certo que ela própria reconhece, dar a ele qualificação jurídica diversa da inequivocamente correta, para vislumbrar relação de emprego, e, portanto, decidir a questão como estando situada no âmbito de sua jurisdição constitucional, que é restrito às relações de trabalho.

Por outro lado, na instância trabalhista, foi levantado o problema da incompetência, que o TST afastou sob a alegação — que objetivamente é inexata — de que a matéria na espécie fora decidida à luz da prova. Não era mister, portanto, sequer embargos de declaração sob o fundamento de que a questão constitucional não fora apreciada, pois, em verdade a decisão recorrida não se omitira a respeito, já que sua fundamentação (como sucede em casos de qualificação jurídica de fato certo, sem menção expressa do dispositivo legal invocado pelo recorrente) implicava desenganadamente a recusa da aplicação do artigo da Constituição alegado no recurso.

Em face do exposto, e com a devida vênia do eminente relator, conheço do presente recurso e lhe dou provimento, para declarar que, no caso, não há relação de emprego, e, portanto, é incompetente a Justiça do Trabalho para decidir sobre ela”.

O mesmo entendimento pode ser extraído do Conflito de Jurisdição 5.034, julgado pelo STF, envolvendo especificamente a figura do representante comercial, ao analisar detidamente o disposto no art. 39 da Lei 4.886/65:

“Competência da Justiça comum e não da trabalhista, para litígio entre representante comercial e a firma representada”.

A competência envolvendo essa matéria continua a ser da Justiça Comum.

Outras lições ainda podem ser subtraídas do MS 21.076-1, do Colendo Supremo Tribunal Federal, de onde se ementou:

“Agente comercial autônomo (artigo 1° da Lei 4.886-65). Sem ser empregado (como também não é empregador), mas sim trabalhador autônomo, não lhe cabe integrar a representação paritária da Justiça do Trabalho.”.

No referido precedente, convém destacar o teor do parecer do subprocurador-geral José Antonio Ferreira, ao fazer uma análise da Lei 4.886/65:

“Daí e dos demais dispositivos dessa lei exsurge claro que o representante comercial autônomo não se prende, até por definição, a nenhum vínculo empregatício com os representados, motivo pelo qual responde por seus atos,…”.

Pelas razões expostas resta evidenciado que a condição da Representação comercial, não dá margem a uma análise ampliativa da mensagem legal, não existindo cabimento para a visão de que a nova redação do artigo 114 ampliou a competência da justiça trabalhista.

A emenda constitucional ao fazer a ressalva “forma da lei”, preservou a competência da Justiça comum, ou seja, sendo a situação da representação comercial prevista em legislação específica, não pode ser admitida a visão de que se trata de matéria inserida pelo texto constitucional emendado.

Revista Consultor Jurídico

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