Juiz não pode agir motivado por notícias da imprensa

O juiz não pode determinar indisponibilidade de bens de quem não é parte no processo, agindo “ex officio” a partir de notícias publicadas na imprensa, dando conta de que o terceiro teria envolvimento com o caso vertido nos autos.

Com esse entendimento, a 2ª Turma do TRF-4 deu provimento a agravo de instrumento de Marcos Vianna de Azevedo Bastian interposto contra a União, em face de decisão de primeiro grau que, nos autos de execução fiscal ajuizada em desfavor da Comunidade Evangélica Luterana de São Paulo – CELSP e outros co-executados, determinou a indisponibilidade de veículos e ativos financeiros do agravante via sistema Bacenjud, tendo por base a divulgação, pela imprensa, de que o mesmo se encontraria entre os investigados pela Polícia Federal na operação que apura ilicitudes das quais decorreram os débitos exequendos.

O agravante recorreu ao TRF-4 sustentando que “não é parte, não é réu, não foi denunciado, interrogado ou inquirido em processo algum que envolva a ULBRA ou a CELSP” e ser temerária a ordem judicial que decreta bloqueio ex officio, “sem que exista processo ou acusação formal”.

O pleito recursal foi acolhido a partir de voto da relatora, desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, que flagrou que “a parte agravante teve decretada a indisponibilidade de suas aplicações financeiras e veículos mediante decisão ex officio, eis que não há qualquer pedido de redirecionamento da parte exequente.”

O acórdão expõe que “o fundamento da ordem de indisponibilidade foram informações veiculadas pela imprensa, apoiando-se o ilustre magistrado a quo no fato de que alguns nomes citados pela mídia também constam de relatórios fiscais apresentados ao MM. Juízo – sem, no entanto, indicar o douto julgador exatamente quais nomes estão presentes tanto em tais relatórios como no noticioso dos órgãos midiáticos.”

A posição do agravante foi considerada, pelo tribunal, de terceiro não incluso na relação processual que teve bens atingidos por determinação de ofício, sem que a parte autora tivesse sequer peticionado nesse sentido.

A desembargadora Vânia ainda explicou que “nosso ordenamento jurídico alberga constitucionalmente o princípio do due process of law, segundo o qual ‘ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal”. Por isso, no entendimento da Turma, a decisão agravada não observou princípios processuais fundamentais.

Provido o agravo à unanimidade, ocorreu a sua baixa definitiva.

Atuam em nome do agravado os advogados Joel Picinini, Leo Iolovitch e Daniel Gerber. (Proc. nº 0001903-72.2010.404.0000).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (07.10.10)
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0001903-72.2010.404.0000/RS
RELATORA : Juíza Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
AGRAVANTE : MARCOS VIANNA DE AZEVEDO BASTIAN
ADVOGADO : Leo Iolovitch e outros
AGRAVADO : UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
INTERESSADO : COMUNIDADE EVANGELICA LUTERANA SAO PAULO
ADVOGADO : Reginaldo Bassi e outros
INTERESSADO : RUBEN EUGEN BECKER
ADVOGADO : Domingos Moreira Goes e outros
INTERESSADO : AUDI STAR VEÍCULOS LTDA/
ADVOGADO : George Lippert Neto e outros
INTERESSADO : PEDRO EMILIO KONRATH
ADVOGADO : Oli Nedel Filho e outros
INTERESSADO : LUIZA MADALENA KONRATH BECKER
: CAROLINE BECKER GIACOMAZZI
: ANDRESSA BECKER GIACOMAZZI
ADVOGADO : Geraldo Ferreira da Silva Moreira e outro

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. TERCEIRO NÃO INCLUSO NA RELAÇÃO PROCESSUAL. ATUAÇÃO EX OFFICIO. FUNDAMENTAÇÃO BASEADA EM NOTÍCIAS VEICULADAS PELA IMPRENSA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA.
1. Consoante se depreende de percuciente análise dos autos, na hipótese sub judice trata-se o recorrente, de terceiro ainda não incluso de qualquer forma na relação processual, o qual teve seus bens diretamente atingidos por determinação judicial proferida de ofício, a serviço dos interesses do autor, sem que o mesmo sequer tenha peticionado nesse sentido, constituindo-se no único fundamento da decisão a existência notícias veiculadas pela imprensa, sem que qualquer outro subsídio probante de maior consistência tenha sido acostado aos autos. 2. Nosso ordenamento jurídico alberga constitucionalmente o princípio do due process of law, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF), sendo esse último entendido como a estrita observância das normas legais que disciplinam os procedimentos através dos quais o patrimônio ou a liberdade do indivíduo, após a plena garantia de contraditório e ampla defesa, poderão ser limitados pelo Estado-Juiz, com o acatamento do princípio da proporcionalidade material e o princípio da inércia. 3. Não observados os referidos preceitos no caso dos autos, merece acolhida a insurgência da parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de agosto de 2010.

VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0001903-72.2010.404.0000/RS
RELATORA : Juíza Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
AGRAVANTE : MARCOS VIANNA DE AZEVEDO BASTIAN
ADVOGADO : Leo Iolovitch e outros
AGRAVADO : UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
INTERESSADO : COMUNIDADE EVANGELICA LUTERANA SAO PAULO
ADVOGADO : Reginaldo Bassi e outros
INTERESSADO : RUBEN EUGEN BECKER
ADVOGADO : Domingos Moreira Goes e outros
INTERESSADO : AUDI STAR VEÍCULOS LTDA/
ADVOGADO : George Lippert Neto e outros
INTERESSADO : PEDRO EMILIO KONRATH
ADVOGADO : Oli Nedel Filho e outros
INTERESSADO : LUIZA MADALENA KONRATH BECKER
: CAROLINE BECKER GIACOMAZZI
: ANDRESSA BECKER GIACOMAZZI
ADVOGADO : Geraldo Ferreira da Silva Moreira e outro

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, nos autos de execução fiscal ajuizada em desfavor da Comunidade Evangélica Luterana de São Paulo – CELSP e outros co-executados, determinou a indisponibilidade de ativos financeiros do agravante via sistema BACENJUD e veículos titularizados pelo agravante, face à divulgação, pela imprensa, de que o mesmo se encontrava entre os investigados pela Polícia Federal na operação que apura as ilicitudes das quais decorreram os débitos exequendos, e tendo em consideração a possibilidade do presente feito executivo ser redirecionado em desfavor de tais pessoas físicas.

Sustenta o agravante, em síntese, que a decisão impugnada nem mesmo elenca quais pessoas indicadas pela imprensa já foram mencionadas nos relatórios encaminhados ao juízo pela auditoria fiscal. Aduz que “não é parte, não é réu, não foi denunciado, interrogado ou inquirido em processo algum que envolva a ULBRA ou a CELSP”. Afirma ser temerária a ordem judicial que decreta o bloqueio de recursos financeiros ex officio, “sem que exista processo ou acusação formal”. Refere que “a decisão agravada não apresenta um único fato concreto, uma prova ou indício”, sendo que “a implementação de medida tão gravosa, contra pessoa que não é parte no processo, exige, no mínimo, um indício de prova contra esse potencial redirecionado”. Aponta ofensa ao art. 5º, incisos LIV, LV, LVII da CF. Alega, ainda, ser inaplicável a seu caso quaisquer das hipóteses legais que autorizam a responsabilidade de terceiros, porquanto “jamais ocupou cargo de direção” e “nunca foi sócio, gerente ou administrador” das instituições envolvidas no litígio. Sustenta, também, a temeridade de aplicar-se a lógica do “estado de exceção” no caso dos autos, havendo ofensa ao art. 655-A do CPP, sendo a decretação de indisponibilidade de bens, segundo jurisprudência do STF, medida extrema. Postula, por fim, a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.

O efeito suspensivo restou deferido.

Com as contrarrazões, retornaram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Percuciente análise dos autos revela que a parte agravante teve decretada a indisponibilidade de suas aplicações financeiras e veículos mediante decisão ex officio, eis que não há qualquer pedido de redirecionamento da parte exequente. Ainda, da análise do decisum agravado, verifica-se que o fundamento da ordem de indisponibilidade foram informações veiculadas pela imprensa, apoiando-se o ilustre magistrado a quo no fato de que alguns nomes citados pela mídia também constam de relatórios fiscais apresentados ao MM. Juízo – sem, no entanto, indicar o douto julgador exatamente quais nomes estão presentes tanto em tais relatórios como no noticioso dos órgãos midiáticos.

Assim, trata-se o recorrente, ao menos até a presente etapa da execução, de terceiro ainda não incluso de qualquer forma na relação processual, o qual teve seus bens diretamente atingidos por determinação judicial proferida de ofício, a serviço dos interesses do autor, sem que o mesmo sequer tenha peticionado nesse sentido. Ademais, o fundamento da decisão vergastada encontra-se apenas em notícias veiculadas pela imprensa, sem que qualquer outro subsídio probante de maior consistência tenha sido acostado aos autos.

Incitada a parte exequente a esclarecer, em suas contrarrazões, qual a natureza da relação processual e tributária do ora agravante com a presente execução fiscal, limitou-se a reportar-se às razões do despacho recorrido. Ocorre que, consoante é cediço, nosso ordenamento jurídico alberga constitucionalmente o princípio do due process of law, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF), sendo esse último entendido como a estrita observância das normas legais que disciplinam os procedimentos através dos quais o patrimônio ou a liberdade do indivíduo, após a plena garantia de contraditório e ampla defesa, poderão ser limitados pelo Estado-Juiz, com o acatamento do princípio da proporcionalidade material e o princípio da inércia.

Com efeito, na hipótese dos autos, o patrimônio da recorrente, restou submetido à satisfação da execução sem que nem mesmo restasse angularizada a relação processual por meio de sua prévia intimação. No entendimento desta Corte, a ausência de angularização inobserva os princípios processuais fundamentais, verbis:

EXECUÇÃO FISCAL. COFINS. BASE DE CÁLCULO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718/98. CONTROLE DIFUSO. AUSÊNCIA DE ANGULARIZAÇÃO PROCESSUAL. PRINCÍPIO DA INÉRCIA. 1. Em que pese a Suprema Corte tenha declarado, em diversos julgados, a inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98, que trata da majoração da base de cálculo do PIS e da COFINS, cediço que não houve Resolução do Senado Federal estendendo os efeitos de maneira erga omnes, consoante disposto no art. 52, X, da Magna Carta, devendo tal matéria ser analisada em sede de eventuais embargos à execução. 2. Considerando que sequer houve a citação da empresa executada, não há como o Magistrado singular antecipar-se a um possível exame acerca da questão, sob pena de afronta ao princípio da Inércia. 3. Apelação provida. (AC 2004.71.00.014950-9/RS, 1ª T, Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK, DE 19/11/2008)

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.

VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora

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