Impossibilidade de sanção – Sem candidatura, não se pode punir por propaganda

por Vital Salvino Ottoni

Conforme dispõe o artigo 35 da Lei 9.504/97, “a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição”. Assim, qualquer propaganda realizada antes desta data é caracterizada como propaganda extemporânea e, portanto, suscetível de sanção na modalidade de multa.

Princípios como o da Liberdade da Propaganda, da Responsabilidade da Propaganda, Igualitário da Propaganda, da Disponibilidade da Propaganda Lícita e do Controle Judicial da Propaganda conferem máximas genéricas que norteiam o legislador e o operador do Direito nas suas conclusões quanto à execução, aplicação e interpretação da legislação eleitoral nacional.

Insta, antes de adentrarmos especificamente ao tema em questão, diferenciarmos propaganda eleitoral ilícita de propaganda irregular.

A primeira, como o próprio nome indica, se trata daquelas que se encontram elencadas em rol definido em lei em que as condutas que as configuram estão tipificadas e são numerus clausus, ou seja, não podem ser alteradas se não por lei. Na segunda espécie não há a proibição que existe na propaganda criminosa, mas uma restrição ao Princípio da Liberdade da Propaganda Política, princípio básico da propaganda lícita. Nestas as sanções não serão passíveis de penas restritivas de liberdade.

O artigo 240 do Código Eleitoral (Lei 4737/65) reafirma que a propaganda eleitoral passa a ser permitida “após a escolha em convenção”.

Ressalta-se, in casu, que esse artigo se refere à propaganda eleitoral stricto sensu e não à propaganda intrapartidária (aquela realizada na quinzena anterior à escolha pelo partido — na convenção partidária – daqueles que serão os seus candidatos oficiais).

Feitas essas observações, podemos, enfim, afirmarmos com convicção que não se pode punir, no caso concreto, a propaganda extemporânea antes da oficialização como candidato daquele que a praticou. Tal escolha e oficialização se dão com as convenções partidárias. Para tanto nos embasamos nos seguintes elementos jurídicos e factuais:

1) A legislação eleitoral tem sua existência com fundamento na fiscalização e regulamentação do processo eleitoral, bem como dos procedimentos legais que qualificam aqueles que preenchem as condições de elegibilidade de acordo com os §§ 2º, 3º, 4º, do artigo 14, da Carta Magna de 1988 e a Lei Complementar 64/90. Assim, os sujeitos que se submetem aos ditames da legislação eleitoral têm que estar direta ou indiretamente envolvidos no âmbito de abrangência das normas referidas. Quando um suposto “alguém” promove propaganda das suas obras sociais, vida pública ou mesmo intenções de prosperidade para a comunidade dentro da qual está inserido, não se tem, na hipótese, nenhum candidato ou “candidato a candidato”, data máxima vênia da opinião em contrário de grandes mestres como o professor Paulo Mascarenhas.

2) Não podemos nos esquecer que acima das leis estão os apotegmas maiores que regem a ratio essendi do Direito Positivo, e como tal, citamos os princípios da Razoabilidade e da Função Social das Leis, este último insculpido no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Dec-lei 4.657/42), que apregoam a necessidade e obrigação de o aplicador do direito observar os fins sociais a que a lei se dirige bem com as exigências do bem comum. Portanto, irrazoável e despido de qualquer plausibilidade se afirmar que, antes do dia das convenções partidárias, uma manifestação pública, qualquer que seja sua forma, tratar-se-ia de propaganda eleitoral extemporânea passível de punição, haja vista não haver neste momento pré-eleitoral nem mesmo intenção manifesta de que aquele sujeito que pratica tal conduta será ou almeja ser “candidato a candidato”. A legislação eleitoral não tem como fim social punir com multa alguém que nem sequer pleiteou a intenção de se candidatar – ou seja, o cidadão comum – mesmo porque, para tanto não dependerá apenas de sua vontade íntima, mas sim do partido político através das convenções partidárias onde os candidatos são escolhidos por eleição.

3) Por fim, e concluindo a insubsistência da punição da propaganda extemporânea como instituto apto a tutelar os abusos de candidatos a cargos eletivos, não enseja a mesma a punição ao cidadão comum e sim ao candidato, vislumbramos que, para que hipoteticamente essa se possa configurar imprescindível, que se aguardasse o desfecho das convenções partidárias para, aí sim; o cidadão que houvesse praticado conduta configuradora da propaganda extemporânea pudesse vir a sofrer qualquer sanção.

Apesar de achar forte o bastante os fundamentos acima expostos que embasam a tese de impossibilidade da punição pela propaganda antecipada antes da escolha do candidato pelas convenções partidárias, deve o aplicador da lei, se não acatar o que foi até agora ventilado, exigir que, no mínimo, estejam presentes os elementos positivos e negativos caracterizadores da propaganda eleitoral extemporânea.

Quanto aos elementos positivos, o magistrado, ao examinar o caso concreto deve verificar se na propaganda realizada houve ao menos a revelação do cargo político eletivo pretendido, pois do contrário fica sobremaneira impossível caracterizar a propaganda como extemporânea, pois é justo, e até contribui para o esclarecimento do eleitorado, a manifestação pública de alguém que possui conhecimento dos problemas sociais que atingem a circunscrição e os expõe ao eleitorado.

Também, a explanação das supostas soluções para os problemas que afligem a comunidade, desde que aquele que as expõe, não se coloque como o futuro realizador das mesmas se for candidato e se também for eleito, nada tem como caracterizador da propaganda eleitoral extemporânea.

Esse tipo de informação contribui para que o eleitorado, em sua maioria desinformado, possa formar sua convicção quando começarem as propagandas eleitorais e, conseqüentemente, com a exposição dos programas de governo de cada candidato — que aí sim estarão nesta condição (de candidato) já que escolhidos pelas convenções partidárias e registrados perante a Justiça Eleitoral -, possam escolher aquele candidato que apresenta propostas mais sensatas e concretas, ou seja, condizentes à realidade da comunidade que o elegerá.

Nesse sentido têm decidido alguns Tribunais Regionais Eleitorais do nosso país:

“Recurso. Propaganda eleitoral antecipada. Preliminar de ilegitimidade ativa. Rejeição. O Ministério Público pode oferecer representação embasada em denúncia feita por cidadão comum perante o juízo eleitoral.

Em sede de representação por infração à Lei n.º 9.504/97, quando a sentença não for publicada no prazo estabelecido na legislação de regência, o prazo recursal é contado a partir da intimação das partes, e não da referida publicação. Preliminar de intempestividade rejeitada.

Somente configura propaganda eleitoral antecipada a conduta que, sem hesitação, revela ao eleitorado o cargo político pretendido, as propostas e compromissos políticos do beneficiário e as qualidades que o capacitam ao exercício da função.” (TER-CE, re n.º 12.586, ac. N.º 12.586, de 9.8.2004, rel. Des. José Eduardo Machado de Almeida). (grifo nosso)

Por fim, outro fator determinante (elemento negativo) para se buscar a não caracterização de propaganda extemporânea ou antecipada, é o fator temporal, pois o tempo entre a propaganda e o pleito deve ser razoável para influenciar o eleitorado. Ou seja, aquela propaganda realizada quando ainda falta muito tempo para o pleito não pode se caracterizar extemporânea mesmo que reúna as qualidades para tanto.

Se assim se entendesse, estaria o aplicador da lei atribuindo uma interpretação extensiva a lei de forma desrazoada, pois não buscaria assim alcançar os efeitos pretendidos pelo legislador quando criou o ordenamento jurídico em questão e sim buscando a punição a qualquer custo, mesmo que a propaganda nenhuma lesividade causasse às eleições futuras.

Assim também se manifesta a jurisprudência:

“1. Recurso eleitoral interposto contra decisão de juiz eleitoral que, em virtude da veiculação de slogans com nome e indicação do ano de 2004, impôs ao recorrente multa no valor de 20.000 ufir, com escopo no § 3º do art. 36 da lei n.º 9.504/97.

2. A tipificação da propaganda eleitoral antecipada exige a satisfação conjunta de quatro requisitos básicos:

1) veiculação da propaganda antes de 6 de julho do ano do pleito;

2) induvidosa intenção de revelar ao eleitorado o cargo político que se almeja;

3) a ação política que pretende o beneficiário desenvolver;

4) os méritos que o habilitam ao exercício da função.

Precedentes do TSE. Requisitos não satisfeitos “in casu”.

3. Veiculação perpetrada há mais de um ano antes do pleito, sem a mínima potencialidade de influir diretamente na opinião do eleitorado. Inocorrência de propaganda eleitoral antecipada, senão mera promoção pessoal.

Recurso conhecido e provido. Sentença de 1º grau integralmente reformada.” (TER-CE, re n.º 12.585, ac. N.º 12.585, de 9.8.2004, rel. Juiz Roberto Machado). (grifo nosso)

Apesar de saber que a opinião espojada nesse artigo não se coaduna com o entendimento majoritário e com vênia aos grandes mestres que se destacam no cenário nacional ao militarem no Direito Eleitoral, a exposição aqui tratada não deixa de ser a mais sensata e pertinente com a hermenêutica sobre o tema, pois substanciada em primados de cunho constitucional e mesmo na própria gênesis do Direito, pois converge para os postulados que visam açambarcar interesses maiores que aqueles realmente tutelados pela letra fria e mórbida da lei, ou seja, os primados metaindividuais nos quais os direitos do homem e cidadão caminham à frente de qualquer outro interesse mesmo sendo esses últimos de ordem pública.

Revista Consultor Jurídico

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