Impedimento de atuação de advogado em ações em que sua esposa é a juíza de Vara Criminal

A 1ª Câmara Criminal do TJRS decidiu que, em processo já presidido pela juíza Cidália de Menezes Oliveira, da 4ª Vara Criminal de Caxias do Sul, em que o seu marido, enteado e nora – todos advogados – passarem exercer o seu trabalho, os impedidos são os profissionais da Advocacia, e não a magistrada. Com esse entendimento, o colegiado resolveu o conflito de jurisdição suscitado pelo juiz a 2ª Vara Criminal Emerson Jardim Kaminski.

Observou o relator da matéria no colegiado, desembargador Manuel José Martinez Lucas, que a declaração de impedimento da juíza Cidália foi realizada com base no art. 252, I, do Código de Processo Penal.

Este dispõe que “o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: (…) tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito”.

Para o desembargador Lucas, “ainda que esse dispositivo não esclareça expressamente, a simples redação no tempo passado (tiver funcionado) e não no presente (funcione) já dá uma ideia de que o juiz estará impedido quando seu parente já estiver atuando no feito, e não na hipótese de nele ingressar posteriormente”.

Ressaltou o magistrado que essa é a regra expressa no art. 134, parágrafo único, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo criminal por força do que dispõe o art. 3º daquele estatuto – o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

A 2ª Câmara Criminal concluiu – aplicando subsidiariamente a norma do Código de Processo Civil ao processo penal – que “já estando a juíza Cidália de Menezes Oliveira na condução do feito, em razão da suspeição da juíza original (Sonáli Zluhan), está vedado o ingresso de seu marido nos autos, como defensor de uma ré. Consequentemente, prossegue, deve ser reconhecida a competência daquela magistrada, impondo-se o afastamento de seu cônjuge do processo em tela, como corretamente sustenta o Juiz suscitante do conflito”.

O colegiado ainda aprovou o envio de comunicação dos fatos à OAB-RS e à Corregedoria-Geral da Justiça. (Conflito de jurisdição nº 70045204674).

Para entender o caso

* Alertado pelo Ministério Público, o juiz Emerson Jardim Kaminski, da comarca de de Caxias do Sul (RS), suscitou conflito de competência, diante de suspeitas de manobras de que participaria o advogado Renato Paese para, supostamente, manipular a distribuição de processos criminais na comarca.

* O caso teve desdobramentos também na Ordem gaúcha, face à situação de existirem dois advogados homônimos: Renato Paese (OAB-RS nº 24.006) e Renato Kliemann Paese (OAB-RS nº 29.134). O segundo nada tem a ver com os fatos revelados pelo MPRS, envolvendo seu homônimo Renato Paese.

* Outra coincidência instigante: os dois advogados de nome Renato são casados com juízas – uma da Justiça estadual (Caxias do Sul), outra da Justiça do Trabalho (Porto Alegre). Ambas têm Oliveira no sobrenome.

* Cidália Menezes de Oliveira (juíza estadual) é esposa do advogado Renato Paese; Simone de Oliveira Paese (juíza do Trabalho) é esposa do advogado Renato Kliemann Paese. Os dois Renato são parentes distantes e não têm, entre si, nenhuma ligação profissional.

* Segundo o MP-RS, a promotora de Justiça Sílvia Regina Becker Pinto investigava crimes dentro do sistema prisional e – com autorização judicial – monitorava celulares de presidiários. Em uma das conversas interceptadas, ela flagrou presos comentando sobre o que chamavam de “pulinho de vara”.

* Segundo a promotora Sílvia, o advogado Renato Paese – casado com a juíza Cidália de Menezes Oliveira que atua na 4ª Vara Criminal da comarca de Caxias do Sul – entraria em processos já em andamento para forçar a redistribuição deles à 3ª Vara Criminal, titulada pela juíza Sonáli da Cruz Zluhan. As magistradas Cidália e Sonáli divergem na maneira de interpretar e aplicar a lei, e Renato Paese “venderia” a seus clientes a ilusão de que seriam favorecidos em não ser julgados pela esposa dele, conhecida por ser “linha dura”.

* Também de acordo com o Ministério Público, o advogado Renato Paese se habilitava a defender criminosos em ações em curso e forçar a transferência de processos da 4ª Vara Criminal, considerada mais rígida, para a 3ª Vara Criminal, em que a titular tem um entendimento mais flexível da lei.

* O MP-RS salientou que as juízas Cidália e Sonáli – antes de serem formalmente informadas sobre o “pulinho de vara” – não tinham conhecimento das manobras.

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