“É falta de senso de ridículo”

Uma interessante sentença da lavra do juiz Celso Fernando Karsburg, da 1ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul (RS) enfrentou o caso de uma insólita reclamação de um trabalhador que se sentiu ofendido por não mais poder entrar no seu ex-local de trabalho.

A ação foi ajuizada contra a empresa Santa Cruz Empregos Ltda. e o Hospital Santa Cruz – Apesc, após o funcionário da primeira ter sido despedido depois de quatro meses de trabalho terceirizado junto ao estabelecimento de saúde.

A situação levada ao julgamento do Judiciário remonta à proibição baixada pelo coordenador do serviço de pronto socorro do nosocômio – após a despedida e junto a funcionáiros de setor – à entrada do reclamante nas suas dependências, “para não atrapalhar os colegas e o funcionamento do serviço.”

O ex-funcionário disse ter se sentido “bastante ofendido tendo em vista que a atitude do funcionário da segunda reclamada manchou sua boa reputação e denegriu sua imagem”.

Por sua vez, a primeira reclamada sustentou que após o rompimento do contrato de trabalho não haveria razão plausível para a permanência do autor no antigo local de labor, até por ter procedido à despedida porque o hospital exigira a troca por ter o demandante agido em desacordo com as normas do estabelecimento.

Ao julgar o feito, o juiz Karsburg criticou o pleito: “Causa espécie o teor das alegações contidas na inicial quanto ao pedido em epígrafe, sem sombra de dúvida evidenciando a vulgarização dos pedidos de indenização por dano moral.”

Para o julgador, “é muita desfaçatez” do reclamante dizer-se “bastante humilhado” pela proibição da sua entrada no recinto de trabalho após a sua despedida.

O lugar onde o autor laborava é, no entendimento do magistrado, um elemento que torna legítima a proibição, porque lá “as pessoas normalmente chegam fragilizadas, apreensivas e abaladas psicologicamente”.

O agir do coordenador do serviço de pronto-socorro foi considerado, na sentença, cumprimento de um dever e não apenas de um direito, pois no ambiente de trabalho devem entrar somente os empregados e os familiares dos pacientes.

Ao fim, a decisão traz crítica mais severa à propositura do pedido de reparação de dano moral: “É falta de senso de ridículo. Tão somente isso, razão pela qual deixo de deduzir outros fundamentos para indeferir a pretensão haja vista ter muito mais o que fazer!”

Improcedentes os pedidos, ainda cabe recurso.

Atuam em nome das reclamadas o advogado Dárcio Flesch. (Proc. nº 0000339-15.2010.5.04.0731).

ÍNTEGRA DA SENTENÇA (04.10.10)
VISTOS, ETC.

J.G.P. demanda contra SANTA CRUZ EMPREGOS LTDA., e HOSPITAL SANTA CRUZ – APESC, estando as partes qualificadas na inicial.

Informa o autor ter iniciado a trabalhar para a primeira demandada em 3/11/2009 e despedida imotivada em 3/3/2010. Com os fundamentos da inicial postula o pagamento das parcelas elencadas às fls. 6-7. Requer a concessão da assistência judiciária gratuita, honorários de assistência judiciária e/ou advocatícios e aplicação do artigo 467 da CLT. Atribui à causa o valor de R$ 25.000,00.

Defende-se a primeira demandada conforme razões de fls. 30-6. Contesta cada pretensão deduzida requerendo seja julgada improcedente a ação. Impugna os pedidos de assistência judiciária gratuita, honorários de assistência judiciária e/ou advocatícios e aplicação do artigo 467 da CLT. Requer, em caso de eventual condenação, sejam compensados os valores já pagos a mesmo título e autorizados os descontos fiscais e previdenciários cabíveis.

A segunda demandada se defende conforme razões de fls. 46-65. Alegando ausência de responsabilidade subsidiária e/ou solidária por eventuais débitos da primeira ré, também contesta cada pretensão deduzida requerendo seja julgada improcedente a ação. Impugna os pedidos de assistência judiciária gratuita, honorários de assistência judiciária e/ou advocatícios e aplicação do artigo 467 da CLT. Requer, em caso de eventual condenação, sejam compensados os valores já pagos a mesmo título e autorizados os descontos fiscais e previdenciários cabíveis.

As partes juntam documentos. Determinada a realização de perícia técnica para verificação das condições de trabalho do autor. O autor presta depoimento e são inquiridas duas testemunhas. Encerrada a instrução, os litigantes arrazoam remissivamente. As propostas conciliatórias resultam inexitosas. É o relatório.

ISTO POSTO, DECIDO:

1. DA JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. INTERVALOS NÃO FRUÍDOS. DOMINGOS E FERIADOS LABORADOS

Dos termos da fundamentação contida nos itens 01.04 a 01.06 da inicial depreende-se que o autor pleiteia tão somente o pagamento de horas extras decorrentes do intervalo de 1 hora que não teria sido concedido no período de novembro a dezembro, porquanto nesse sentido é a fundamentação da pretensão. E como tal é apreciada.

A pretensão, todavia, é indeferida de plano porquanto a própria testemunha arrolada pelo autor – F.M.S., que prestou serviços para a primeira demandada na portaria do PA da segunda demandada, de agosto/2009 a abril/2010 – verso da fl. 137 – informou que

“… de novembro em diante passou a ter folguista no posto de trabalho, que cobria a folga no horário de intervalo do depoente e do autor…”

Não há se falar, portanto, em intervalos não fruídos, o que impõe o indeferimento das pretensões deduzidas nas letras “d” e “e”.

Da mesma forma não há se falar em pagamento de domingos e feriados laborados face a peculiar jornada na qual o autor laborava – 3 x 1 (3 dias de trabalho por um dia de folga), o que importava em duas folgas por semana, ainda que nem sempre esta recaísse em domingo, o que se torna irrelevante na medida em que a folga recaía em ao menos um domingo por mês, o que atende à norma legal.

Não bastassem tais considerações, cabe mencionar que os recibos de pagamento carreados aos autos consignam o pagamento de horas extras com adicional de 100% – presumivelmente pelo trabalho prestado em domingo ou feriado sem a concessão de folga compensatória – sem que o autor apontasse (sequer por amostragem) diferenças que lhe fossem favoráveis. Indefiro, em conseqüência, a pretensão deduzida na letra “f”.

2. DO TRABALHO INSALUBRE EM GRAU MÁXIMO

Considerando o disposto no artigo 293 do Código de Processo Civil – de que os pedidos são interpretados restritivamente, salvo os juros legais que, mesmo se não pedidos, são devidos (nesse sentido, também a Súmula 211 do Colendo TST), indefiro a pretensão deduzida na letra “a” da inicial haja vista que aquela é de pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo. E deferir pagamento de adicional em grau diverso importaria em julgamento extra petita, o que é vedado pela legislação vigente.

De qualquer forma, tenho que nem o adicional de insalubridade em grau médio é devido porquanto ambas as testemunhas arroladas pelo autor foram uníssonas ao afirmar que para o manuseio de pacientes que tinham ido a óbito (cadáveres) eram utilizadas luvas e que tal manuseio se dava apenas de 2 a 4 vezes por semana.

A segunda testemunha arrolada pelo autor, por sua vez, informou que também para o manuseio de pacientes que eram levados para o raio-x – que apresentavam fratura exposta ou sangue – também eram utilizadas luvas, o que evidencia cuidados para que não houvesse contato com o paciente, sangue, dejetos ou secreções.

O auxílio eventual a pacientes que chegavam para atendimento no PA, por sua vez, não se constitui em “trabalhos e operações em contato permanente (destaquei) com pacientes, animais ou com material infecto contagiante” a ensejar a aplicação da norma haja vista que tal se dava – diversamente do contato habitual dos enfermeiros que atendiam no PA – quando precisavam auxiliar aqueles.

3. DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

Postula o autor o pagamento de indenização por dano moral ao argumento de que “se sentiu bastante humilhado por ocasião de ter sido demitido, tendo em vista que o Sr. S., Coordenador do Serviço de Pronto Atendimento (PA) do Hospital Santa Cruz/APESC ter avisado todos os funcionários de estar PROIBIDA a entrada do reclamante nas dependências da segunda reclamada ‘para não atrapalhar os colegas e o funcionamento do serviço’”.

Assevera que “se sentiu bastante ofendido tendo em vista que a atitude do funcionário da segunda reclamada manchou sua boa reputação e denegriu sua imagem” (sic!) pelo que postula indenização por danos morais em valor não inferior a 40 salários mínimos.

Defende-se a primeira demandada alegando que, após o rompimento do contrato de trabalho, não havia nenhuma razão plausível para a permanência do autor no antigo local de trabalho. Informa que o segundo demandado exigiu a troca (saída) do autor daquele local por aquele ter agido em desacordo com as normas do estabelecimento e como não tinha nenhum outro posto de trabalho para realocar o autor, a rescisão do contrato de trabalho foi inevitável.

Esclarece, ainda, que em data posterior à sua demissão o autor passou a indicar profissionais para requerer o DPVAT no local onde anteriormente trabalhava, importunando pacientes e familiares, razão pela qual não era possível sua presença no local. Assim, em razão das atitudes incompatíveis com o local e o trabalho, somente lhe restou solicitar a retirada do autor daquele recinto para que o trabalho pudesse ser executado de forma normal, sem que pacientes e familiares fossem assediados.

Causa espécie o teor das alegações contidas na inicial quanto ao pedido em epígrafe, sem sombra de dúvida evidenciando a vulgarização dos pedidos de indenização por dano moral.

Sentir-se “bastante humilhado” (sic) por ter sido impedido de adentrar no antigo local de trabalho e pelo antigo empregador ter avisado aos demais empregados para proibir sua entrada “para não atrapalhar os colegas e o funcionamento do serviço”?

Convenhamos. É muita desfaçatez!

Indaga-se: que razões levariam o autor a retornar (ou perambular) pelo seu antigo local de trabalho mormente em se considerando que naquele (portaria/pronto-atendimento de hospital) as pessoas normalmente chegam fragilizadas, apreensivas e abaladas psicologicamente?

Certamente que o Coordenador do Serviço de Pronto-Atendimento não exercitou um direito, ao proibir a entrada do autor naquele local, após a demissão. CUMPRIU, ISTO SIM, UM DEVER, ao permitir que naquele local circulassem tão somente os empregados que prestavam serviços no estabelecimento e os familiares dos pacientes – e em nenhum momento da inicial é informado ou afirmado que o autor tivesse retornado ao local para acompanhar familiar seu.

O procedimento do Coordenador do Serviço de Pronto-Atendimento “manchou sua boa reputação e denegriu sua imagem”?

É falta de senso de ridículo. Tão somente isso, razão pela qual deixo de deduzir outros fundamentos para indeferir a pretensão haja vista ter muito mais o que fazer!

4. DA JUSTIÇA GRATUITA

Ante a declaração de pobreza de fl. 9, tenho como preenchidos os requisitos das Leis 1.060/50 e 7.115/86, pelo que defiro do benefício da justiça gratuita e dispenso o autor do pagamento das custas processuais.

ANTE O EXPOSTO, INDEFIRO as pretensões deduzidas na inicial. Custas de R$ 500,00, sobre R$ 25.000,00, pelo autor, dispensadas, porque ao abrigo da justiça gratuita. Trânsita em julgado, proceda a Secretaria no desentranhamento dos documentos de fls. 10-20, para devolução ao autor, os de fls. 37-45 para restituição à primeira ré e os de fls. 66-90, para restituição à segunda ré, independente de renumeração. Trânsita em julgado, cumpra-se. CIENTES. Nada mais.

CELSO FERNANDO KARSBURG
Juiz do Trabalho

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