Embate político – CNJ deve arquivar reclamação do PT contra Marco Aurélio

por Maria Fernanda Erdelyi

O Supremo Tribunal Federal já delimitou a competência do Conselho Nacional de Justiça. Definiu que o CNJ pode controlar as atividades administrativa, financeira e disciplinar da magistratura apenas relativas aos órgãos e juízes hierarquicamente inferiores ao STF. Dos ministros do Supremo, não. Por este motivo, o CNJ deve arquivar a representação proposta na quinta-feira (13/3) pelo PT contra o ministro Marco Aurélio.

O PT acusa o ministro de desrespeitar o artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura, que proíbe o juiz de “manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento”. A reclamação se refere à declaração de Marco Aurélio sobre o programa Territórios da Cidadania, lançado pelo governo recentemente. O ministro disse que teria de esperar possíveis interessados na causa se manifestarem para, então, analisar os pedidos contra o suposto caráter eleitoreiro do programa.

De acordo com um conselheiro do CNJ, há precedentes no próprio Conselho para o arquivamento da representação contra Marco Aurélio. O CNJ já arquivou, em julho do ano passado, sem julgamento de mérito, uma reclamação contra o ministro Joaquim Barbosa por excesso de prazo para julgamento. A reclamação, protocolada pela Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (Fiemt), apontava a demora de quatro anos em um pedido de vista do ministro em processo sobre a majoração da alíquota da Cofins.

O argumento para enterrar a reclamação foi o de que ministro do Supremo não pode sofrer controle do CNJ. “De acordo com a Constituição, as decisões do CNJ são passíveis de exame no Supremo. Não teria sentido o Conselho, como jurisdicionado do Supremo, julgar seus atos”, explica o conselheiro.

Antes mesmo de o CNJ começar a funcionar, em dezembro de 2004, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) apresentou ao Supremo Ação Direita de Inconstitucionalidade contestando a criação do Conselho. Em abril de 2005, os ministros do STF, por maioria, declararam sua constitucionalidade. Neste julgamento, também ficou definido que “o Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito”.

Regras da magistratura

O criminalista Arnaldo Malheiros Filho refletiu o pensamento da advocacia a respeito: “Quem tenta intimidar um homem da estatura moral e intelectual de Marco Aurélio, um magistrado de importantíssima atuação na Suprema Corte pela dignidade com que expõe seus entendimentos, fará o que mais contra os outros que divergirem?”

Vladimir Rossi Lourenço, vice-presidente do Conselho Federal da OAB, afirma que, em tese, manifestações dos presidentes dos tribunais eleitorais do país são importantes e servem de alerta para coibir o abuso de poder político em ano eleitoral.

“Não só o Tribunal Superior Eleitoral, como os Tribunais Regionais Eleitorais, podem se manifestar, por seus presidentes, com vistas a estabelecer a real legitimidade dos pleitos eleitorais, coibindo abuso de poder político e econômico. O alerta não infringe a Loman. Em última instância, eles estão buscando a igualdade dos candidatos no pleito eleitoral”, afirma Lourenço.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes, acredita que tanto o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quanto o ministro Marco Aurélio exageraram nos debates, mas a posição do ministro não ofendeu a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), como alega a reclamação da bancada do PT na Câmara proposta ao CNJ.

O embate entre os dois poderes começou depois que o ministro Marco Aurélio, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, teceu considerações sobre a implantação do programa do governo Territórios da Cidadania contra a desigualdade social em ano eleitoral. “O que a Loman veda é que o juiz expresse opinião sobre processo que ele está pra julgar”, afirma Nunes. “O ministro falou um pouco a mais, mas não caracterizou um pré-julgamento.”

Segundo o presidente da Ajufe, a reclamação do PT foi um ato meramente político e não deve prosperar. “Essa reclamação não tem sustentação nenhuma. Não cabe ao CNJ julgar ministro de Supremo. O Conselho não está acima do Supremo. Essa representação é um ato político.” Para Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o ministro poderia ter evitado os comentários, mas não descumpriu a Loman.

Ação e reação

Na reclamação apresentada ao CNJ, a bancada do PT na Câmara dos Deputados argumenta que o ministro Marco Aurélio vem ocupando os meios de comunicação de massa para criticar programas e iniciativas do governo. A petição refere-se especificamente ao programa Territórios da Cidadania, uma série de ações de assistência social promovidas pelo governo contra a desigualdade social. Segundo a bancada do PT, o ministro sugeriu, de maneira indireta, que a oposição poderia questioná-lo na Justiça.

E a oposição ao governo no Congresso Nacional entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo contra a medida provisória que criou o programa. Marco Aurélio recebeu com perplexidade e ironia a notícia de que é alvo de reclamação. “Eu não sabia que incomodava tanto. Evidentemente, não estão me aplaudindo. Se eu estivesse estimulando práticas à margem da lei, talvez não tivesse a representação. Se eu aplaudisse a concessão de benesses em ano eleitoral, contrariando a lei, talvez mandassem fazer um busto com a minha imagem para ser colocado na Praça dos Três Poderes.”

Ele não tem dúvidas que o pedido ao CNJ é uma tentativa de cercear sua liberdade de expressão. “Eu acho graça. O que eu vejo nisso é uma vertente extremada, cerceando a liberdade de expressão. Os novos ares constitucionais não viabilizam essa ótica, esse modo de pensar.”

Logo no início da tarde da quinta-feira (13/3) quando chegou ao Supremo para sessão plenária, ele afirmou que se desconhece por aí o papel da Justiça Eleitoral e rebateu as críticas sobre suas manifestações públicas como presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

“Estão desconhecendo a atividade da Justiça Eleitoral, que não é apenas de julgar. Ela atua como órgão consultivo alertando candidatos que, em ano de eleição, obedeçam às regras estabelecidas”, disse o ministro. “Fico perplexo por notar que segmentos da política estão incomodados com a atuação das instituições pátrias.”

Acusado de desrespeitar a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), o presidente do TSE reagiu. “Só quem não conhece a minha trajetória e os meus 30 anos de judicatura pode cometer uma injúria dessas”, disse. “Antes pecar por ato comissivo de que por ato omissivo.”, completa. “Se pensam que vão me emudecer, o resultado será diametralmente oposto. Espero que não tenha que pedir licença ao PT para falar com a imprensa.”

Revista Consultor Jurídico

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