Em discussão: a aplicabilidade da justiça no meio eletrônico

O Brasil ainda não tem uma legislação específica para crimes eletrônicos, embora exista previsão legal para 95% das situações criadas dentro do chamado direito eletrônico. Nos outros 5%, não há previsão em lei, segundo um dos poucos advogados especializados em Direito Eletrônico no país, Dr. Renato Opice Blum. O advogado revela que depois das acusações de calúnia e difamação on-line, os principais processos movidos no país tratam de invasões de sistemas e vazamento de informações. Ambos os casos, sem tipificação específica na legislação penal brasileira.

De acordo com o advogado, diversas situações são enfrentadas hoje pela justiça. Aliás, em suas contas, o Brasil já julgou mais de 17 mil processos em matéria de direito eletrônico, ficando à frente em número de casos e decisões judiciais de países como Estados Unidos, da União Européia e de vizinhos como Argentina, Chile e Colômbia, com legislação específica sobre o tema. Embora o apontamento de Renato Blum de que os tribunais têm se saído muito bem quanto ao assunto, ele não descarta a importância de que há a necessidade de legislação específica para tratar da internet, porque as situações possuem muitas peculiaridades.

Na opinião do juiz da 3ª Vara Criminal da Comarca de Nova Andradina, José Henrique Kaster Franco, para o julgamento de casos ocorridos no meio on-line, o que se utiliza é uma legislação que não foi feita para lidar com as questões dos tempos atuais. Seria necessário adequar a legislação de forma específica, acrescenta ele. Entretanto, para lidar com esta situação, o magistrado usa da criatividade, e “esta é justamente a função do juiz”, aponta ele, isto é, “adequar a lei, como algo abstrato, a realidade das situações”.

Levando isso em consideração, ele acredita que não há prejuízo para o cidadão, pois, por mais que não haja legislação, o juiz é que tem de estar apto, qualificado, porque assim sendo, ele se torna capaz de julgar as diversas questões que envolvem direito eletrônico, ou seja, na visão de Dr. Kaster Franco, muito mais fundamental é ter um juiz, um advogado, e demais personagens da área jurídica antenados e contextualizados do que possuir uma lei atual que não consiga ser aplicada.

Entre os processos que envolviam direito eletrônico que já chegaram às mãos do magistrado, o problema maior não foi aplicar a penalidade. Para ele, o mais difícil foi identificar os autores, como salienta. O problema então de aplicar o direito no universo on-line é a questão do anonimato que o próprio meio propicia.

Quanto a isso, Dr. Kaster Franco aponta que deveriam existir mecanismos para identificar as pessoas na internet. Como por exemplo, dificultar a abertura de contas de e-mail e de sites de relacionamentos, impondo para tal a necessidade do uso do CPF. Aí, entra-se na esfera da liberdade, de se romper com a ideia de meio livre que caracteriza a internet. Mas o que ocorre, esclarece o juiz, é que com o anonimato, a internet fere a própria Constituição, pois a liberdade de expressão não é vedada, o que a lei veda é justamente o anonimato, porque o indivíduo deve ser responsável pelos seus atos.

Quem acompanha de perto o tema de direito eletrônico em Mato Grosso do Sul é o advogado Leopoldo Lopes, presidente da Comissão de Direito Eletrônico da OAB-MS. Atualmente, esclarece ele, a veiculação de músicas e filmes pela internet ocorre por meio de arquivos chamados Peer-to-Peer (P2P), ou seja, um usuário “puxa” o arquivo de outro, e não há nenhum servidor que mantém estes arquivos, o que dificulta a identificação de quem são os usuários, isto quanto a uma possível ação por questões de direitos autorais ou ainda pirataria.

Leopoldo Lopes ressalta que a questão é mais complexa ainda, pois o simples fato de compartilhar estes arquivos não se constitui numa infração legal, como pirataria, por exemplo, pois se o usuário “baixar” uma música para ouvi-la em seu computador pessoal não se constitui como crime, o que só ocorreria caso o indivíduo comercializasse esta cópia. Daí, observa-se a complexidade não apenas de identificar os autores como também de comprovar atos ilegais.

Em termos de projetos que tramitam no legislativo, o Projeto de Lei Substitutivo nº 89/2003, apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo, aglutinou três outros projetos já em tramitação no Senado, tipificando condutas realizadas com o uso do sistema eletrônico. Para o advogado Leopoldo Lopes, o texto é hoje o que abrange maior número de situações que envolvem crimes eletrônicos.

Abordar o tema mais profundamente, e com bases legais, é algo que os atores do Direito, sejam juízes ou advogados, promotores etc não terão como fugir, pois, conforme acrescenta Leopoldo, os criminosos estão migrando para a rede, calúnia, difamação, injúria, pedofilia, estelionato e outros atos ilegais estão ocorrendo cada vez com mais frequência. E voltar a justiça para as peculiaridades do meio tornar-se-á um ato imprescindível.

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