Distanciamento afetivo entre pai e filho não gera dano moral reparável

O mero distanciamento afetivo entre pai e filho não causa, por si só, dano moral reparável, “pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro”.

Com esse entendimento, a 7ª Câmara Cível do TJRS confirmou sentença que julgou procedente pedido declaratório negativo de paternidade e improcedente pleito de reparação da dano moral, esse último deduzido pelo filho.

O apelante sustentava que o fato de o seu pai lhe ter abandonado causou dano moral cuja indenização independeria do veredito da ação negatória de paternidade.

A dramática história das partes tem um componente marcante: o suposto pai – sem saber do relacionamento adulterino da esposa -registrara o apelante acreditando ser ele seu filho, crença que veio a ser derruída por exame pericial: não há laço biológico entre os dois.

Ademais, ambos jamais tiveram qualquer vinculação afetiva, pois desde o ano de 1967 – quando o apelante tinha menos de dois anos de idade – não mais mantiveram contato, uma vez que o suposto pai se separou da mulher ao saber da infidelidade conjugal.

Detalhe: o apelante foi, depois, abandonado pela própria mãe.

“São vítimas de um mesmo fato dramático e doloroso para ambos, mas para o qual nenhum dos dois concorreu, motivo pelo qual não se pode cogitar de indenização”, asseverou o relator, desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.

Como não há elo biológico nem vinculação sócio-afetiva entre as partes, a indenização pretendida foi considerada indevida, pois “o réu não praticou a violação a direito algum da parte autora. E a eventual falta de atenção do pai em relação ao filho, que foi referida na exordial, decorreu claramente do fim do casamento entre a mãe e o pai dele e da informação do adultério praticado e do fato de não ser o pai do autor.”

A conduta da genetriz – outrossim – foi considerada negligente e irresponsável, por ter ela abandonado o filho sem lhe dar amparo afetivo.

Segundo o relator, afeto deve ser recíproco e conquistado, “não sendo possível compelir uma pessoa a amar outra.”

“Amor não pode ser imposto, nem entre os genitores, nem entre pais e filhos. E, menos ainda, entre um homem e o filho de sua ex-mulher, que nasceu de uma relação adulterina dela, ainda que tenha sido procedido o registro civil de nascimento por ele”, argumentou o magistrado, justificando que o dano moral em Direito de Família exige muita cautela e apuração criteriosa.

O desembargador Sérgio Chaves criticou, ainda, “soluções simplistas ou maniqueístas” e a “tendência de relativa vulgarização do Direito de Família”, especialmente em matéria de afeto, pois o sentimento humano não se submete ao livre arbítrio nem se mensura economicamente.

Ainda pendem de julgamento embargos de declaração.

Atuam em nome do apelado os advogados Jacson Ramires Abs da Cruz e Luciano Pippi da Silva. (Proc. nº 70032196883).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (14.10.10)
AÇÕES NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. INEXISTÊNCIA DE LIAME BIOLÓGICO ENTRE AUTOR E RÉU. 1. O pedido de reparação por dano moral é juridicamente possível, pois está previsto no ordenamento jurídico pátrio. 2. A contemplação do dano moral exige extrema cautela e a apuração criteriosa dos fatos, ainda mais no âmbito do Direito de Família. 3. O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, e constitui antes um fato da vida. 4. Afinal o questionamento das raízes do afeto ou do amor, e da negação destes, leva a perquirir as razões íntimas do distanciamento havido entre pai e filho, que perpassam necessariamente as categorias do imanente e do transcendente e implicam indébita invasão do campo jurídico ao terreno conceitual impreciso que avança pelo mundo da medicina, da biologia e da psicologia. 5. Embora se viva num mundo materialista, onde os apelos pelo compromisso social não passam de mera retórica política, em si mesma desonesta e irresponsável, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. 6. Se o marido da mãe do autor reconheceu o filho por supor que era o pai e, logo após, ao saber pela mãe do autor, que outro era o pai em razão de relacionamento adulterino, promoveu separação judicial e rompeu definitivamente o vínculo familiar com ambos, não se pode alegar que o distanciamento tenha sido imotivado, tendo sido, no caso, pai e filho, e vítimas de um mesmo fato dramático, para o qual nenhum dos dois concorreu, não se cogita de indenização. 7. Se não existe liame biológico entre autor e réu e se ambos jamais tiveram qualquer vínculo social ou afetivo, e a relação parental estabelecida é fonte de animosidade, então não há razão alguma para manter incólume um vínculo jurídico que é fictício, não tem função social e não interessa a ninguém. Recurso desprovido.

APELAÇÃO CÍVEL – SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70 032 196 883 – COMARCA DE PORTO ALEGRE
L.F.B. – APELANTE
O.B. – APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO E DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR.

Porto Alegre, 25 de agosto de 2010.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Relator.

RELATÓRIO

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)

Trata-se da irresignação de LUIS F. B. com a r. sentença que julgou procedente a ação negatória de paternidade que lhe move O.B., e julgou improcedente a ação de indenização que L.F. B. move O.B. Ademais condenou o recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em ambas as demandas, fixados em R$ 6.000,00.

Sustenta o recorrente, preliminarmente, que foram proferidas duas decisões interlocutórias, com as quais não se conformou, tendo interposto agravo retido contra cada uma destas em momento oportuno. Requer o conhecimento de tais recursos e seu provimento. Informa que o agravo constante em ação indenizatória foi interposto contra decisão que determinou a suspensão do feito até julgamento da ação negatória de paternidade. Assegura que o fato de seu genitor, ora recorrido, lhe abandonar, veio a lhe causar dano moral e, com tal fato, o resultado da ação negatória não impede nem modifica o direito pleiteado na ação indenizatória. Salienta que o outro recurso interposto foi contra a decisão que se manifestou pela inexistência de prescrição do pedido formulado por O. No mérito, afirma que o O. somente veio a ajuizar ação negatória de paternidade quando soube que era réu na ação indenizatória. Assegura que o recorrido pretende a anulação de seu registro de nascimento por ser viciado, mas o prazo para ajuizar ação anulatória de registro civil é de 4 anos, conforme reza o art. 178, § 9º, inc. V, alínea “b” do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, mas nada fez durante quarenta anos. Diz que a lei a ser aplicada ao caso em tela é aquela regida pelo Código Civil de 1916, pois os fatos se deram sob a vigência do estatuto revogado.

Pretende a reforma da decisão para que seja julgada improcedente a ação negatória de paternidade e procedente seu pedido de indenização por dano moral. Pede o provimento do recurso.

O recurso foi recebido em seu duplo efeito legal.

Intimado, o recorrido apresentou suas contra-razões, aduzindo que L. somente teve ciência da traição de sua genitora para com O. quando da contestação da ação de indenização por dano moral, pretendendo, a partir de tais fatos, redirecionar o fundamento jurídico de sua pretensão. Alega que dos três tipos de paternidade abrigados pela doutrina, somente esteve presente a paternidade registral, inexistindo em qualquer momento a socioafetiva, como constatado pelo Ministério Público.

Afirma que o recorrente tentou manusear datas para forçar situações lhe prejudicando. Garante que não abandonou a prole e, conforme agora confirmado perante exame de DNA e declaração da genitora deste, L. não é filho biológico de O.. Garante que, na época do registro confiava cegamente em sua esposa, sendo, portanto, induzido ao erro quando do registro do então recém-nascido. Pede o desprovimento do recurso.

Com vista aos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento dos agravos retidos e do recuso de apelação. No mérito, pelo provimento do primeiro agravo retido, com extinção do feito e, caso entendimento diverso, opina pelo acolhimento da prefacial ou pelo provimento do recurso de apelação, julgando-se prejudicado o segundo agravo retido interposto.

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o disposto no art. 551, § 2º, do CPC.

É o relatório.

VOTOS

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)

Estou desacolhendo a pretensão recursal.

Primeiramente, observo que se cuida da ação de indenização por dano moral e material, onde o autor alega ter sofrido abandono afetivo do pai desde o seu nascimento, proposta pelo recorrente, e da ação negatória de paternidade, motiva pelo recorrido, mas não merece qualquer reparo a sentença que julgou ambos os processos, desacolhendo o pleito indenizatório e desconstituindo a relação parental.

Em segundo lugar, observo que existem dois agravos retidos, que passo a examinar, já adiantando que estou desacolhendo ambas as inconformidades, argüidas pelo recorrente.

Com relação à inconformidade do recorrente com a decisão que entendeu imprescritível a ação negatória de paternidade, não dando aplicação ao disposto no art. 178, § 9º, inc. V, alínea “b” do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, tenho que não merece qualquer reparo a decisão, pois o Código Civil de 2002 deu outra regulamentação à matéria e dispôs, com clareza solar, no seu art. 1.601 do Código Civil que “cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”. Ou seja, mesmo que, pela legislação anterior, tivesse transcorrido o prazo prescricional, a lei nova arredou todo e qualquer obstáculo à discussão da matéria, pois fez desaparecer qualquer limitação ao exercício do direito de propor a ação negatória de paternidade.

Com relação à inconformidade do recorrente com a decisão que entendeu ser a questão negatória de paternidade prejudicial ao pedido de indenização por dano moral, determinando a suspensão deste feito, também não merece provimento, pois a pretensão indenizatória por dano moral decorrente do seu abandono afetivo pelo pai, tem como pressuposto a existência da relação parental… E a inexistência dessa relação de parentesco esvazia a pretensão deduzida. Essa questão, aliás, será melhor examinada quando for focalizada a questão atinente ao mérito.

Em terceiro lugar, passo ao exame do recurso de apelação.

Inicio, pois, focalizando a pretensão do recorrente relativamente à ação negatória de paternidade e tenho que não procede a inconformidade.

Com efeito, o resultado do exame pericial não dá margem a dúvidas de que o autor L.F. efetivamente não é filho biológico de O.

Além disso, como consta na própria petição inicial da ação indenizatória, não existe e nunca existiu, aliás, entre L.F. e O., qualquer relacionamento pessoal ou social, e jamais tiveram qualquer vinculação afetiva, pois o autor nasceu em 11 de março de 1965 e, em 1967, o réu separou-se de sua mãe e nunca mais mantiveram qualquer contato. Ou seja, não existe paternidade biológica e não se verificou, no caso, a paternidade socioafetiva.

No caso em exame, tem-se que O. era casado com a mãe de L.F. e reconheceu o filho por supor que era o pai mas, pouco tempo depois, ao saber pela mãe do autor, que outro era o pai em razão do relacionamento adulterino que mantinha, promoveu separação judicial e rompeu definitivamente o vínculo familiar com ambos, não se pode alegar que o distanciamento tenha sido imotivado…

Ficou claro, isto sim, é que tanto O. como L.F. são vítimas de um mesmo fato dramático e doloroso para ambos, mas para o qual nenhum dos dois concorreu, motivo pelo qual não se pode cogitar de indenização.

Se não existe liame biológico entre autor e réu e se ambos jamais tiveram qualquer vínculo social ou afetivo, e a relação parental estabelecida é fonte de animosidade, então não há razão alguma para estabelecer qualquer indenização nem para manter incólume um vínculo jurídico que é fictício, não tem função social e, a rigor, não interessa a ninguém.

Com essas considerações, passo, então, ao exame do pedido de indenização por dano moral.

Embora o pedido de reparação por dano moral seja juridicamente possível, pois está previsto no ordenamento jurídico pátrio, esse dano deve ser decorrente da violação de um direito do autor. Ou seja, o Código Civil vigente prevê a possibilidade de reparação de dano por ato ilícito, inclusive quando o dano é exclusivamente moral, nos termos do art. 186 do CCB.

No entanto, a possibilidade de indenização deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral. Em qualquer hipótese, porém, exige-se a violação de um direito da parte, da comprovação dos fatos alegados, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano sofrido.

No caso em exame está bem claro, pela própria narrativa dos fatos constantes na peça exordial, que o réu não praticou a violação a direito algum da parte autora. E a eventual falta de atenção do pai em relação ao filho, que foi referida na exordial, decorreu claramente do fim do casamento entre a mãe e o pai dele e da informação do adultério praticado e do fato de não ser o pai do autor.

E se o autor sofreu com o abandono noticiado, é preciso ter em mira que, quem o abandonou foi a sua própria mãe, que o entregou para que outra família o criasse, não tendo ela também tido qualquer relação afetiva com o filho… A mãe deveria ter cuidado do filho e, se necessitasse, poderia postular alimentos, já que havia a relação de paternidade registral e, até que fosse desconstituída, persistiria a obrigação de prestar alimentos.

De outra banda, não se pode desconhecer que afeto é conquista e reclama reciprocidade, não sendo possível compelir uma pessoa a amar outra. A convivência familiar somente é possível quando existe amor. E amor não pode ser imposto, nem entre os genitores, nem entre pais e filhos. E, menos ainda, entre um homem e o filho de sua ex-mulher, que nasceu de uma relação adulterina dela, ainda que tenha sido procedido o registro civil de nascimento por ele.

Sendo assim, entendo que o afastamento do réu com o filho, está plenamente justificado pelas circunstâncias da vida, que certamente produziram – e produzem – sofrimento para ambos.

No entanto, é preciso ter em mira eu as relações interpessoais são balizadas por inúmeros fatores pessoais, ambientais e sociais, que produzem na pessoa sentimentos e emoções, que conduzem à aproximação entre as pessoas ou ao distanciamento entre elas, sejam parentes ou não.

Por essa razão, a contemplação do dano moral no âmbito do Direito de Família exige extrema cautela e, sobretudo, uma apuração criteriosa dos fatos.

Assim, o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao já vulgarizado princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui mera variável axiológica, pois constitui antes um fato da vida. O pai pode ser compelido a cumprir com todas as suas obrigações assistenciais e a omissão pode ser suprida com providências de cunho jurisdicional, como por exemplo, ação de alimentos, regulamentação de visitas ou as diversas execuções.

Mas não se pode desconhecer que afeto é conquista e reclama reciprocidade, não sendo possível compelir uma pessoa a amar outra. A convivência familiar somente é possível quando existe amor. E amor não pode ser imposto, nem entre os genitores, nem entre pais e filhos.

Não é a mera presença de um pai na vida do filho que lhe assegura um desenvolvimento saudável, nem a ausência um fato impeditivo deste desenvolvimento, pois o mais é importante é que o filho seja educado em um ambiente permeado pelo equilíbrio, onde as relações familiares sejam saudáveis, com ou sem a presença do pai ou da mãe.

Mas a presença de pai e mãe e a relação equilibrada entre ambos também não é garantia de que o filho vá ter um desenvolvimento equilibrado e saudável, pois existem inúmeros fatores internos e circunstanciais que balizam o desenvolvimento das pessoas. Pais ajustados podem gerar filhos desajustados, e a ausência do pai ou da mãe também não enseja condenação a uma vida permeada de conflitos…

Por essa razão é que devem ser evitadas soluções simplistas ou maniqueístas e somente em situações excepcionais é que se pode conceber a possibilidade de reparação por dano moral no âmbito do direito de família. Ou seja, quando se evidencia alguma situação anormal, grave ou teratológica, o que decididamente não ocorre no caso em exame, tanto que sequer foi descrita na petição inicial.

A falta de carinho, de “afeto”, de amizade ou de atenções que denotem o amor paternal, é fato lamentável, mas não constitui, em si, a violação de direito algum.

Afinal o questionamento das raízes do afeto ou do amor, e da negação destes, leva a perquirir as razões íntimas do distanciamento havido entre pai e filho, que perpassam necessariamente às categorias do imanente e do transcendente, e implicam indébita invasão do campo jurídico ao terreno conceitual impreciso que avança pelo mundo da medicina, da biologia e da psicologia.

Tenho percebido uma tendência de relativa vulgarização do Direito de Família e, em especial, da questão relativa ao afeto, como se tal sentimento humano pudesse ser submetido ao livre arbítrio, como se não decorresse de uma relação bilateral e, pior ainda, como se pudesse ser mensurado economicamente…

Embora se viva num mundo materialista, onde os apelos pelo compromisso social não passam de mera retórica política, em si mesma desonesta e irresponsável, tenho que nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro.

Afinal, é preciso ter em mira que ninguém pode ser compelido a dar o que não tem. Quem não ama não pode dar amor que não sente, e quem não sente afeto não pode ser compelido a demonstrá-lo.

Por essa razão, em vez de se cuidar da monetarização das relações afetivas, o Direito de Família deve resguardar as pessoas no que de mais nobre elas podem ter, que são as relações interpessoais permeadas pelo respeito e pela responsabilidade.

E, sobretudo, deve cuidar do direito das pessoas de integrarem um núcleo familiar, que é o espaço onde deve brotar de forma natural e espontânea o verdadeiro amor. Se não for assim, não havendo amor, não haverá família…

No caso em exame, portanto, o afastamento do réu com o autor e sua mãe ficou plenamente justificado pelas circunstâncias e o sofrimento experimentado pelo autor decorreu da conduta negligente e irresponsável de sua genitora, que não procurou sequer estabelecer qualquer aproximação do autor com os seus irmãos e, aliás, terminou abandonando o próprio filho… Ainda que o casal tivesse rompido, poderia a genitora do autor aproximar o seu filho dos irmãos, dando-lhe o necessário amparo afetivo.

Com tais considerações, peço vênia para transcrever magnífica lição da eminente jurista MARIA ARACI MENEZES DA COSTA (in “Responsabilidade civil no direito de família”) na parte em que focaliza a questão da “reparação civil por dano moral nas relações paterno-filiais”, in verbis:

Bem destaca Maria Celina [1] que em relações de família, sofrimentos, tristezas, vexames, e humilhações, são sentimentos presentes na vida de cada pessoa que compõe a entidade familiar. Diferentes de lesão à personalidade, cárcere privado, violência física, violência moral, duradoura humilhação imposta por uma pessoa a outra. Aqueles, por suas próprias características, não ensejam reparação civil, ao passo que estes, por serem ilícitos absolutos, estão abrigados sob o manto da responsabilização por dano moral.
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Lembra Maria Celina Bodin de Moraes que “a vitimização é uma das mais tristes características de nosso tempo e a responsabilização excessiva é a outra face dessa moeda. “[2]Cita Todorov, filósofo búlgaro e professor visitante em universidades americanas, quando apontou o espírito de heroísmo do americano sendo substituído pelo ideal vitimário.

Destacou que sempre se procura a responsabilidade dos outros para o que não vai bem na vida: “Se meu filho cai na rua, a culpa é da cidade, que não fez as calçadas planas o suficiente; (…) se não sou feliz hoje, a culpa é dos meus pais no passado, de minha sociedade no presente: eles não fizeram o necessário para o desenvolvimento de minha personalidade. A única hesitação que posso ter é saber se, para obter a reparação, me volto para um advogado ou para um psicoterapeuta; mas, nos dois casos, sou uma pura vítima e minha responsabilidade não é levada em conta.” [3]
……………………………………………………………………………………………

O ilícito civil, puro e simples, por certo é passível de indenização, inclusive por dano moral, nas diversas esferas, mesmo na esfera da Família.

No entanto, com a devida vênia dos entendimentos diversos, não parece que nem nas relações de conjugalidade, nem nas relações paterno-filiais, a falta de amor ou a omissão de cumprimento de deveres afetivos se preste para uma indenização por dano moral. O pai que alimenta o filho, mas não o visita, se condenado a pena pecuniária por sua omissão, tendo em vista o dano moral que causou ao filho, será um pai que jamais se reaproximará daquele filho. Se antes já não o visitava, mais rancoroso ainda ficará com a condenação pecuniária. A condenação monetária por dano moral em decorrência de relação afetiva não concretizada, não tem o condão de restabelecer, magicamente, o afeto e o amor que faltaram antes. O pai que não exercitava as visitas ao filho sob a guarda materna, se condenado a pagar uma indenização ao filho porque não o acompanhou aos jogos de futebol, ou à filha porque não assistiu à sua apresentação de balê, não verá restabelecido o seu amor por um toque de mágica, e muito menos pela caneta do julgador. Não é eficaz esse remédio muito procurado e já utilizado. O pagamento não restabelece o amor. Pode ser que o amor exista, e não tenha sido devidamente desenvolvido, seja por culpa da própria mãe, que dificultava as visitas, seja por culpa da nova mulher do pai, que sentia ciúmes, ou por culpa das próprias circunstâncias da vida, que podem afastar o pai geograficamente do local onde reside o filho do primeiro casamento. Ou muitos outros motivos, que, na maioria das vezes, não vêm aos autos…

Nas relações conjugais, a indenização por dano moral tem o aspecto meramente punitivo indenizatório, e em nenhuma hipótese se consegue vislumbrar na medida qualquer caráter pedagógico. O casal rompeu a relação. O pagamento em dinheiro não vai restabelecer a relação, mas sim pagar o dano do ofendido, que nunca mais quer ver o ofensor. Dessa forma, tem-se um bem imaterial não alcançado, + uma punição pecuniária pelo não alcançamento do bem imaterial, + seguido de uma ruptura da relação.

Nas relações paterno-filiais, se for admitido o caráter meramente punitivo da reparação por dano moral, está justificado o instituto. No entanto, se, em algum momento, alguém quiser sustentar que a imposição de pagamento de indenização civil por dano moral de um pai que não visita o filho tem caráter pedagógio, e busca dessa forma restabelecer a relação interrompida, essa teoria não sobrevive. Pagar pela falta de amor não restabelece o amor; pagar pela falta de companhia, não tem o dom de restabelecer o prazer de conviver. O pagamento pelo “dano” implica ruptura da relação. E nas relações paterno-filiais o que se pretende não é a ruptura do vínculo, mas sim a estimulação do vínculo do amor.

Dessa forma, considerando o objetivo de restabelecimento do vínculo parental, rompido momentaneamente, mas não de forma definitiva como no vínculo da conjugalidade, nas relações paterno-filiais se constitui em grande equívoco a condenação ao pagamento de indenização civil por dano. Se houvesse um outro tipo de punição, se houvesse uma ”pena alternativa”, se o pai faltoso fosse condenado a visitar um orfanato, aí sim, quem sabe, seus sentimentos adormecidos ou empedernidos seriam suficientemente mexidos, e ele pudesse dimensionar o sofrimento de um filho abandonado emocionalmente. Mas, impingir-lhe um pagamento em dinheiro como forma de produzir amor e atenção se constitui em uma forma abjeta de exigir algo que não se pode obrigar. Na melhor das hipóteses, o pai, forçado, para não mais ser condenado à pena pecuniária, vai, sim, buscar o filho que o processou, e vai deixá-lo na sua casa, na companhia apenas de uma boa empregada. Afinal, o pai está “cumprindo” a visitação! Seria isso o melhor remédio para o filho?… Era isso que a Justiça queria?… Qual o bem jurídico buscado?…

Cabe, ainda, um último questionamento, feito, com muita propriedade, em suas palestras, pelo Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves e pela Procuradora de Justiça Maria Regina Fay de Azambuja, eminentes componentes da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS: e os pais pobres, que não têm como pagar o dano moral causado, ficarão isentos de punição? A indenização cível por dano moral é somente para os pais ricos? Se a questão não é de alimentos, mas de amor, atenção, como cobrar amor e atenção do pai pobre inadimplente afetivo? E, afinal… Amor se cobra?…ou o “rezar e o amar, não se pode obrigar”?

Pensemos…

No caso em exame, portanto, é preciso convir que pai e filho foram vítimas de um mesmo fato dramático, para o qual nenhum dos dois concorreu, não se cogitando de indenização. Se alguém deu causa ao abandono afetivo e a toda a sorte de dificuldades pessoais e emocionais vividas pelo autor, foi a sua mãe que, como narrado na petição inicial, quando ele contava apenas cinco anos de idade, “o abandonou em um orfanato, na cidade de Cachoeirinha, e desapareceu, estando, até hoje, em local ignorado”.

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – Presidente – Apelação Cível nº 70032196883, Comarca de Porto Alegre:

“NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: LUIS GUSTAVO PEDROSO LACERDA

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