Não há ofensa em chamar o cantor Alexandre Pires de “pagodeiro engomadinho que canta em portunhol”. A decisão é da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reformulou entendimento anterior e anulou a indenização de 50 salários mínimos por danos morais que a revista VIP teria de pagar ao cantor.
Na ação, Alexandre Pires sustentou que se sentiu ofendido com os comentários feitos nas edições em que a sua então namorada Sheila Mello figurou entre “as mulheres mais sexy do mundo”. Em novembro de 2000, a revista lamentava que a morena tivesse assumido o namoro “com um pagodeiro que não gosta de motoqueiros”. Esta foi uma ironia, que remetia o leitor ao acidente em que o cantor se envolveu, no qual um motoqueiro morreu. Alexandre Pires foi absolvido da acusação de homicídio.
Dois anos depois, ao se referir novamente a Sheila Mello, afirmou que a dançarina continuava namorando aquele “pagodeiro engomadinho que canta em portunhol”.
Em 2003, o juiz da 11ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, Luiz Sérgio de Mello Pinto, rejeitou o pedido do cantor. Para ele, a revista fez “no máximo um comentário infeliz”. Na primeira vez que a questão pela 3ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, os desembargadores entenderam que os comentários foram, sim, ofensivos ao cantor.
Como o desembargador Carlos Eduardo Donega foi contra a decisão, a defesa da editora Abril, feita pelos advogados Alexandre Fidalgo e Claudia de Brito Pinheiro, do escritório Lourival J. Santos, entraram com Embargos Infringentes. A nova análise do caso caiu nas mãos do desembargador Beretta da Silveira.
“A questão passa pela análise da Liberdade de Imprensa, Direito de Informação e o Direito de Privacidade”, disse o relator. Em seguida, fez um tour pela legislação e Constituição de diversos países, passando pelas conclusões do alemão Karl Marx. Ele cita trecho do livro Liberdade de Imprensa, em que o autor diz: “A imprensa é espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria”.
Depois da análise comparativa, o desembargador chegou à Constituição Federal brasileira. Segundo ele, a Carta Magna revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais tendentes a restringir, mediante prescrições normativas ou práticas administrativas, o legítimo exercício da liberdade de expressão e de comunicação de idéias e de pensamento. E observa que os artigos 5º e 200 garantem a liberdade de atuação dos meios de comunicação.
Beretta da Silveira diz ainda que “no exercício da função e/ou atividade pública não se têm intimidade a preservar, salvo a de ordem estritamente pessoal, já que o interesse público tem prevalência sobre o particular, salvo evidente abuso de direito na informação e na crítica”. Para o desembargador, as críticas podem ser consideradas de mau gosto, mas não ofensivas.
Revista Consultor Jurídico