Conta protegida – Justiça suspende quebra de sigilo bancário no Ceará

por Maurício Cardoso

A Instrução Normativa 802/2007 da Receita Federal, que obriga os bancos a repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral supere R$ 5 mil no caso de pessoas físicas e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas, sofreu sua primeira derrota judicial. O juiz Francisco das Chagas Fernandes, da 7ª Vara Federal de Fortaleza, concedeu liminar em pedido da seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil que impede a União de “todo e qualquer ato baseado na Instrução Normativa RFB 802. A decisão só protege da indiscrição oficial os advogados filiados à seccional cearense da OAB.

A IN 802, baixada pela Receita Federal no dia 27 de dezembro último com base na Lei 105/2001, visa restabelecer o controle da movimentação financeira dos contribuintes que anteriormente era feito através da CPMF. A medida já está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal por Ação Direta de Inconstitucionalidade subscrita pela Confederação Nacional das Profissões Liberais. Uma segunda ADI, de autoria do Conselho Federal da OAB, deve dar entrada no STF nesta sexta-feira.

O Supremo já deu um sinal claro de que a medida do governo deve ser considerada inconstitucional. No julgamento da denúncia do mensalão, no ano passado, o assunto foi discutido e a tese vencedora foi de que apenas o Judiciário e as Comissões Parlamentares de Inquérito, têm poder para quebrar sigilo bancário e fiscal.

Naquela oportunidade julgava-se se dados constantes dos autos obtidos pelo Procurador-Geral em consulta direta à Receita Federal, sem autorização judicial, constituíam prova lícita. Por maioria, os ministros concluíram que sigilos bancário e financeiro só podem ser quebrados por ordem judicial ou de CPI. No caso, as provas constantes dos autos foram consideradas lícitas, porque tinham sido obtidas também em uma CPI. Mas a tese, que pode ser aplicada ao caso da IN 802, prevaleceu.

Direito ao sigilo

Em seu voto, o ministro Celso de Mello sustenta: “Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do Poder Judiciário dispõem do poder de decretar essa medida extraordinária, sob pena de a autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucionalmente assegurada às pessoas. Apenas o Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito, pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário”.

Celso de Mello sustenta que o sigilo aos dados financeiros integra o direito à intimidade protegido pela Constituição de 1988: “Como se sabe, o direito à intimidade — que representa importante manifestação dos direitos da personalidade — qualifica-se como expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências de terceiros na esfera de sua vida privada”.

E acrescenta: “O magistério doutrinário, bem por isso, tem acentuado que o sigilo bancário — que possui extração constitucional — reflete, na concreção do seu alcance, um direito fundamental da personalidade, expondo-se, em conseqüência, à proteção jurídica a ele dispensada pelo ordenamento positivo do Estado”.

Para o ministro, a exigência de autorização judicial para a quebra do sigilo financeiro serve como um fator de equilíbrio entre o direito à intimidade das pessoas e o dever de fiscalizar e investigar do Estado: “A equação direito ao sigilo-dever de sigilo exige — para que se preserve a necessária relação de harmonia entre uma expressão essencial dos direitos fundamentais reconhecidos em favor da generalidade das pessoas, de um lado, e a prerrogativa que inquestionavelmente assiste ao Poder Público de investigar comportamentos de transgressão à ordem jurídica, de outro — que a determinação de quebra do sigilo bancário provenha de ato emanado de órgão do Poder Judiciário, cuja intervenção moderadora na resolução dos litígios revela-se garantia de respeito tanto ao regime das liberdades públicas quanto à supremacia do interesse público”.

O ministro ensina também, em seu voto, que a exigência não significa uma limitação ao poder de investigação da Polícia ou do Ministério Público, nem muito menos uma restrição ao poder fiscalizador do fisco, visto que sempre existe a alternativa de se recorrer ao Judiciário para se exercer estas atribuições dos entres públicos. “A tutela do valor pertinente ao sigilo bancário não significa qualquer restrição ao poder de investigar do Estado, eis que o Ministério Público, as corporações policiais e os órgãos incumbidos da administração tributária e previdenciária do Poder Público sempre poderão requerer aos juízes e Tribunais que ordenem às instituições financeiras o fornecimento das informações reputadas essenciais à apuração dos fatos”, afirma Celso de Mello.

Revista Consultor Jurídico

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