Cães em apartamento – Animais pequenos não causam incômodo à coletividade

Uma moradora de condomínio de Belo Horizonte (MG) pode criar seus dois cães dentro de seu apartamento. A decisão é da juíza Kárin Emmerich e Mendonça, da 23ª Vara Cível de Belo Horizonte. Ela entendeu que os animais de pequeno porte não causam incômodo à coletividade e também não representam ameaça à saúde e ao bem estar dos moradores do prédio.

A viúva, de 74 anos, dona dos cães, é proprietária de um apartamento em um prédio na capital mineira. Depois de cinco anos em que já morava no edifício com os dois cachorros, o condomínio baixou uma norma, fruto de decisão em assembléia, proibindo animais no local. Ela, então, foi à Justiça para assegurar o direito de permanecer com os animais de estimação em sua residência. Os cães são das raças poodle e cocker.

“Em sua decisão, a juíza não se apegou às questões emocionais, mas apenas se baseou no fato de os animais não trazerem prejuízos à coletividade”, disse advogada da moradora, Daysi Dias Mendonça. A advogada alegou que a as regras de condomínio não podem se sobrepor ao direito de propriedade consagrado na Constituição Federal (artigo 5º, XXII) e no Código Civil (artigo 1.228), desde que não cause perturbação ao sossego e à saúde dos condôminos.

A juíza ressaltou que a jurisprudência tem admitido a flexibilização de cláusulas, como as de condomínio, para tornar possível que animais de estimação permaneçam em prédios. Isso quando eles não causam incômodos ou não perturbam o sossego dos demais moradores.

Os representantes do condomínio contestaram os argumentos da ação. Afirmaram que os cães causam prejuízo para a convivência coletiva porque latem durante o dia e à noite. E ainda: urinam pelo edifício. A Justiça não acatou os argumentos. Para a juíza, “os cachorros da autora são animais de pequeno porte e inofensivos, sendo certo que a sua manutenção no interior do apartamento não é capaz de trazer prejuízo, perigo ou incômodo aos moradores”.

Antecedentes

A Justiça já tomou decisões nos dois sentidos com relação à permanência de animais em condomínios. Em setembro de 2007, por exemplo, a 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu que proprietários de um cão poderiam criá-lo no apartamento, em Taguatinga. A Justiça se baseou nos fundamentos de que os animais de estimação não traziam incômodo, transtorno ou perigo para a coletividade.

Já em outra decisão, da 29ª Vara Cível do Rio de Janeiro, a moradora de um condomínio ficou obrigada a tirar seu poodle toy do apartamento. O juiz Oswaldo Henrique Freixinho julgou procedente o pedido do Condomínio do Edifício Palládio, na Glória. Segundo moradores do condomínio, o animal latia e fazia sujeira no prédio.

Leia a decisão

AUTOS 024.06.086.130-9

COMARCA DE BELO HORIZONTE

23ª VARA CíVEL

SENTENÇA

– ajuizou ação de obrigação de não fazer com pedido de tutela antecipada em face de

As partes estão qualificadas na petição inicial.

Narra a autora que é proprietária do apartamento onde reside há mais de 5 (cinco) anos, situado no condomínio réu, e que antes de se mudar para o referido imóvel possuía dois cães.

Alega que em junho de 2002 faleceu seu esposo e que no ano de 2005 iniciou-se uma campanha no edifício visando a retirada dos mencionados animais de seu apartamento.

Relata que no dia 16 de maio de 2006 fora realizada Assembléia na qual os moradores insistiram na retirada dos cães e que todos esses acontecimentos lhe trouxeram profundos abalos emocionais

Considerando-se que encontra com 74 (setenta e quatro anos d idade e que tem nos animais sua única companhia). Conclui que os mesmos não trazem nenhum incômodo aos moradores do edifício e pede à antecipação da tutela a fim de que possa continuar com a posse dos animais até o julgamento da presente ação.

Pede a procedência de seus pedidos, a fim de se impedir que o réu os retire de sua posse. Pugna pelos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 13/26.

Despacho de fls. 30/33 deferindo justiça gratuita à autora, deferindo o pedido de tutela antecipada e determinando a citação do réu.

Devidamente citado, conforme certidão de fls. 38, o réu apresentou a contestação de fls. 42/57, na qual alega, em síntese, que os animais objeto da lide causam prejuízos para convivência coletiva no condomínio, sendo várias as reclamações já feitas por moradores. Narra que a afirmação da autora de que reside sozinha e de que os cães são suas únicas companhias não é verdadeira, visto que moram em seu apartamento uma filha e uma neta. Sustenta que existe norma no condomínio que proíbe a criação de animais nas dependências das áreas individuais e aduz que os cães são inconvenientes, posto que latem durante o dia e à noite, além de urinarem no edifício. Pede sejam julgados improcedentes os pedidos da autora e que seja expedido mandado para a retirada dos animais. Juntou os documentos de fls

Impugnação às fls. 123/140, acompanhada dos documentos de fls.141/147, sobre os quais se manifestou o réu à s fi s. 1 51 /1 52.

Realizada Audiência de Conciliação (Termo às fls. 155), não se obteve acordo.

Despacho de fls. 156 deferindo as provas requeridas pelas partes e designando Audiência de Instrução e Julgamento.

Realizada AIJ (fls. 184/190), foram ouvidas as testemunhas das partes. Nessa ocasião fora fixado prazo para apresentação de alegações finais, o que foi feito pela autora às fls. 192/196 e pelo réu às fls. 197/199.

Realizada nova Audiência de Conciliação (fls. 202), não obteve êxito a proposta de acordo.

Vieram-me os autos conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Trata-se de ação cominatória de obrigação de não fazer, por meio da qual a autora pretende seja determinado ao réu que se abstenha de retirar seus cães do edifício onde reside.

O réu se defende sustentando que há no condomínio norma proibitiva da permanência e criação de animais e que cães da autora causam aos moradores profundos incômodos.

Em princípio, as regras elaboradas pelo condomínio devem ser observadas, uma vez que se presume nelas estar expressa a vontade geral dos condôminos.

No entanto, a jurisprudência tem admitido a flexibilização de cláusulas vedatórias, de modo a possibilitar a permanência de animais que não causem incômodos, perturbem o sossego e não constituam ameaça à saúde e à segurança dos demais moradores.

Assim, para que prevaleça a proibição inserida no regulamento do Condomínio réu quanto à manutenção de animais no edifício, há de ser demonstrado o efetivo prejuízo aos ocupantes do prédio, o que não constatei na hipótese dos autos.

Em sua peça de defesa sustenta o réu que os cachorros de propriedade da autora incomodam todos os vizinhos em função da sujeira e latidos à noite.

Em primeiro lugar, ressalto que inexiste nos autos prova de que os animais ocasionam sujeiras nas áreas comuns do prédio, fato que é corroborado pelo depoimento da 1 a testemunha da autora, que afirmou que “também no prédio pode constatar que estava tudo limpo.”

Em segundo lugar os documentos de fls. 141/145 demonstram que os cães da autora são regularmente vacinados e medicados, o que afasta o perigo do contágio de doenças.

A meu ver, os latidos dos cães noticiados através dos depoimentos das testemunhas ouvidas neste processo não são capazes de causar transtornos ao cotidiano dos moradores do Condomínio, devendo, in casu, prevalecer a tolerância e a razoabilidade que deve reger a vida em sociedade.

Acresça-se ao exposto que os cachorros da autora são animais de pequeno porte e inofensivos, sendo certo que a sua manutenção no interior do apartamento não é capaz de trazer prejuízo, perigo ou incômodo aos moradores.

Assim, entendo que não se deve obrigar a autora a retirar seus cães do apartamento, quando se sabe que os mesmos não estão causando efetivas perturbações aos condôminos, ou, devido à sua raça e tamanho, não oferecerem riscos à segurança dos moradores.

Neste sentido:

EMENTA: AÇÃO COMINATÓRIA – CONDOMÍNIO – CRIAÇÃO DE ANIMAL EM APARTAMENTO – AUSÊNCIA DE PROVA DA PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO, SAÚDE E SEGURANÇA DOS DEMAIS CONDÔMINOS — PROIBIÇÃO CONTIDA EM NORMA INTERNA – INAPLlCABILlDADE.

O condomínio pode estabelecer regras limitativas do direito de vizinhança, conforme autoriza a Lei 4591/64.

A regra interna do condomínio que proíbe a criação .de animais deve ser interpretada teleologicamente, apenas se aplicando quando restar demonstrado que está ocorrendo perturbação ao sossego, saúde e segurança dos demais moradores.

Inexistindo provas de que tais danos estão ocorrendo, permite-se a criação dos animais, não se justificando a aplicação de qualquer penalidade por esse motivo. (T J/MG. Ap. Cível nO/; 2.0000.00.488929-4/000. Dês. ReI.: Heloisa Combat. 09/03/2006)

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos da inicial, determinando ao réu que se abstenha de retirar os animais descritos na inicial da posse da autora.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que, na forma do artigo 20, parágrafo 4° do CPC, fixo em R$ 1.000, devidamente corrigidos a partir desta data até efetivo pagamento.

Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2008.

Kárin Liliane de Lima Emmerich e Mendonça

Juíza de Direito

Revista Consultor Jurídico

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