Casa na comarca – Juiz deve se amoldar às vicissitudes do cargo

por Roberto Wanderley Nogueira

De novo vem à tona um velho problema ligado à atividade judicial no Brasil: a fixação dos magistrados às comarcas a que estão vinculados. Trata-se de uma exigência constitucional cuja exceção somente se dará em face de expressa manifestação dos Tribunais sob cuja autoridade eles se acham submetidos. Mesmo assim esse permissivo somente encontra razoabilidade jurídica na medida em que reúna fundamentação suficiente em que se faça constar, claramente, a perfeita conveniência para a Jurisdição desse excepcional deslocamento físico do juiz à sua base competencial específica.

No exame dessa discricionaridade, outrossim, cada Tribunal vai apurar diversas questões como aquelas ligadas à perfeita operacionalidade dos serviços judiciários bem como às condições de segurança de seus agentes políticos, assim como de seus familiares. Para tanto, não valem as interpretações malabarísticas cujo propósito é garantir a fruição de privilégios, segundo uma rotina clientelista própria à formação da sociedade brasileira.

Sobre isto, é evidente que não se pode acusar os não-residentes à inteira morosidade nos serviços judiciários. O contexto de dificuldades por que passa a administração da Justiça em nossa sociedade tem causas mais complexas e profusas do que o simples fato ora explorado como que isoladamente faz supor.

Por outro lado, tampouco parece sensato tomar esse objetivo como ofensa corporativa. De fato, ninguém ingressa em uma carreira verticalizada e hierarquizada como a magistratura para assumir, imediatamente, um posto nas cúpulas. Só excepcionalmente a magistratura no país conhece essa possibilidade, haja vista as composições do assim denominado quinto constitucional.

Em princípio, o ingresso na carreira judicial se dá por concurso público que habilita o aprovado a assumir um cargo no seu início, fixado por lei e quase sempre em sedes longínquas, às vezes de difícil acesso, para onde praticamente ninguém quer se dirigir. É forçado a isso como condição para o ingresso na carreira judicial.

Ora, as dificuldades naturais que decorrem de um exercício jurisdicional sob tais circunstâncias não podem simplesmente ser atribuídas aos magistrados que se deslocam a tão longe para esse exercício. Mas, tampouco admite a chorumela de quem, estando lá, procura fazer o máximo para de lá cair fora. Dentre os expedientes bastante conhecidos, está o de residir em comarca vizinha (às vezes não tão vizinha assim…) ou freqüentar o seu Tribunal às indefectíveis sextas e segundas-feiras, aproveitando os finais de semana, para tratar de assuntos da Jurisdição, quando a tanto não se é oficialmente chamado.

Essa prática traduz um dislate funcional a toda prova e expõe o magistrado que assim procede a todo tipo de crítica social, entre as quais a de servir de argumento contra a morosidade dos serviços judiciários. Desse modo, um magistrado responde, sim, pelo quanto de crítica social vem sendo ostensivamente dirigida à magistratura como um todo. Aquele que não encontra condições para manter-se em fidelidade à própria investidura, fidelidade que implica também em residir efetivamente em sua comarca, conforme o desejo do Constituinte, ainda que seja justo almejar o melhor para si e para a sua família, deve refletir seriamente se lhe interessa ser magistrado e continuar na carreira.

Com efeito, é o juiz que tem de se amoldar às vicissitudes do seu cargo e não o contrário. Sem essa capacidade interior de auto-negação, certamente será difícil, do mesmo modo, que encontre forças para proferir decisões isentas e também céleres, sobretudo nos casos-limite que lhe vão exigir coragem, inclusive de não se mudar do local em que atua. Pois, é humano o que tem a ver com o próprio caráter, dado que a carreira da magistratura tem sido tratada, lamentavelmente, como argumento de atitudes prepotentes.

Jamais impopularizar-se é o lema desse estereótipo na carreira judicial entre nós. Um risco elevado a muitas potências que se materializa cada vez que o cidadão bate às portas da Justiça para obter o reconhecimento de seu direito.

Todo critério na definição da residência do juiz é objetivo. Em primeiro lugar, a Constituição reclama que o seja na sede da jurisdição. Excepcionalmente, os Tribunais podem considerar a possibilidade de deslocamento e, ainda, remover o magistrado de sua sede em caso de consabido interesse público. Jamais por razão de índole pessoal ou caprichosa que atenda às conveniências da pessoa do agente político e de seus familiares, mas unicamente os interesses da própria jurisdição que coincide com os interesses da sociedade.

Isso tudo importa em considerar que o respeito da sociedade pela magistratura que está a seu serviço depende, em grande medida, dos esforços para evitar toda forma de conduta que, de rigor, implica em fraude à lei.

Revista Consultor Jurídico

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