por Cássia Elisabete Souza
A badalação promovida pelos bares e restaurantes na praia catarinense Jurerê Internacional, causa o transtorno e revolta dos moradores locais. O juiz Julio Schattschneider da Vara Federal Ambiental de Florianópolis negou pedido de liminar em Ação Civil Pública movida pelos moradores da área que pediam o fechamento dos estabelecimentos. Em sua decisão o juiz sustenta que não há risco de dano imediato que não possa ser revertido. O advogado dos moradores afirmou que vai recorrer.
Na ação, movida pelas associações de moradores, contra a prefeitura, a União e órgãos governamentais de fiscalização e proteção ambiental, os moradores questionam a legitimidade da instalação e funcionamento dos pontos comerciais. Pedem a demolição dos estabelecimentos comerciais que ocupam áreas de uso comum como a anulação de todas as licenças concedidas para exploração desses pontos.
Representados pela Associação de Proprietários e Moradores de Jurerê Internacional e pela Associação dos Proprietários, Moradores e Amigos do Balneário de Jurerê, os moradores reclamam de poluição sonora e ambiental e acusam os estabelecimentos de apropriação do espaço público. Dizem que os bares e restaurantes fazem uso privado de parte do calçadão e de faixa da praia. Acusam os comerciantes de isolar espaços na areia, montar tendas, instalar aparelhos de som e alugar cadeiras e guarda-sóis.
Citam o caso do Café de La Musique, que recebeu autorização para se intalar na Estação Ecológica de Carijós, que pertence à praia, sem conhecimento do Ibama. O caso acabou analisado pela Polícia Federal na operação Moeda Verde, que investigou esquema de venda de licenças ambientais em Florianópolis.
“Há dois anos os bares começaram a se instalar em Jurerê e vêm se apropriando da praia. Já tentamos com ações privadas contra alguns estabelecimentos e não foi eficiente. Agora os moradores resolveram questionar o poder público”, disse o advogado dos moradores Everton Staub. Além dos estabelecimentos comerciais, estão na mira dos moradores o município, a União, a Fundação Municipal do Meio de Florianópolis (Foram) e o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf).
O juiz negou a liminar por entender que “eventos semelhantes têm ocorrido desde 2006, especialmente em datas comemorativas (carnaval e ano novo, por exemplo), durante a temporada de verão. Assim, não posso me convencer que haja risco de irreversibilidade ou dificuldade de reparação do alegado dano”, disse. “É necessário ter em mente que a regra geral é a manutenção do estado das coisas até que a sentença final o modifique, depois de assegurado o exercício do contraditório”, diz o juiz.
De acordo com o procurador da prefeitura de Florianópolis, Jaime de Souza, o município concede apenas licença para o funcionamento dos bares na praia, uma vez que a autorização para a instalação dos estabelecimentos é dada pela União. “Caso haja estabelecimentos que não tenham licenças para funcionar, a prefeitura vai tomar providências dentro da lei”, disse. “No entanto, os restaurantes e bares são de grande importância turística para o município, a região é expressiva e temos interesse de mantê-los funcionando”, completou.
Quanto à poluição sonora e ambiental, o procurador disse que a Prefeitura deve se posicionar contra abusos que despeitam o limite da Lei e que se comprovado pela fiscalização as providências serão tomadas. “Muitas vezes o som vem de carros que circulam no local e às vezes nem são dos estabelecimentos, disse”.
Procurada pela reportagem, a procuradoria da União em SC informou que desconhece a Ação e não tem nenhuma posição a respeito do caso.
Leia decisão liminar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA 2008.72.00.000950-1/SC
AUTOR: ASSOCIAÇÃO DE PROPRIETARIOS E MORADORES DE JURERE INTERNACIONAL (AJIN)
AUTOR: ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS MORADORES E AMIGOS DO BALNEARIO DE JURERE – LOTEAMENTO PRAIA DO FORTE AMOFORT
ADVOGADO: EVERTON BALSIMELLI STAUB
RÉU: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
FUNDACAO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANOPOLIS (FLORAM)
INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANOPOLIS (IPUF)
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS (IBAMA)
DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)
Os autores narram, em 73 laudas, uma profusão de fatos que, segundo a sua ótica, caracterizam o caos que se abateu sobre a praia de Jurerê Internacional. Pelo que consta da petição inicial, a orla da praia tem sido já há alguns anos “privatizada”, visto que determinados estabelecimentos comerciais locais (denominados Postos de Praia) têm reservado parte dela com o intuito de lá promoverem festas, causando todo o tipo de poluição, inclusive sonora. Eles têm-se utilizado dela com a mesma finalidade também durante o dia. Armam-se tendas, espalham-se cadeiras, guarda-sóis, sofás, espreguiçadeiras, montam-se quiosques; tudo com o objetivo de lucro. Idêntico procedimento é notado no seu entorno, com a invasão dos passeios públicos, das vagas de estacionamento e das passarelas de acesso à praia.
Tudo isso ocorre, segundo os autores, não só com a condescendência dos réus, mas principalmente com o seu apoio, mediante a concessão de licenças para que os citados eventos tenham lugar ou por meio da absoluta ausência de fiscalização dos próprios termos das licenças concedidas, da correta aplicação da Lei e de decisões judiciais já deferidas em outros processos ajuizados contra aqueles estabelecimentos.
Com esta ação pretende-se a determinação de nove providências (fls. 72 e 73), dentre elas a demolição das construções em áreas de uso comum, a recuperação do meio ambiente, a condenação em dinheiro pelos danos causados, declaração de nulidade de licenças expedidas, além de uma considerável série de providências genéricas que poderiam ser resumidas no simples “que se cumpra a lei”.
Há pedido liminar, que transcrevo a seguir (fls. 71 e 72):
POSTO ISSO, presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, requerem as Associações Autoras a Vossa Excelência a concessão de medida liminar URGENTE para determinar, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais):
a) A imediata suspensão de todas as licenças, autorizações, alvarás emitidos pelo Município, pela União, pela FLORAM e pelo IPUF em favor dos estabelecimentos ocupantes dos chamados Postos de Praia, a saber: T&T Gastronomia Ltda.-ME – Café de La Musique; Novo Brasil Bar e Restaurante Ltda. – El Divino; O Santo Entretenimento, Produções e Eventos Ltda. – EPP (Restaurante Taikô); TelePaella Bar e Restaurante Ltda. – El Gran Comilón; C2 Eventos e Comércio de Alimentos Ltda. – Restaurante Pimenta Limão; determinando que o Município e a União, promovam a imediata interdição destes estabelecimentos;
b) suspender imediatamente e preventivamente todo e qualquer processo de solicitação administrativa em trâmite ou a tramitar junto ao Município, a União, a FLORAM e ao IPUF em favor dos estabelecimentos ocupantes dos chamados Postos de Praia, a saber: T&T Gastronomia Ltda.-ME – Café de La Musique; Novo Brasil Bar e Restaurante Ltda. – El Divino ; O Santo Entretenimento, Produções e Eventos Ltda. – EPP (Restaurante Taikô); TelePaella Bar e Restaurante Ltda. – El Gran Comilón; C2 Eventos e Comércio de Alimentos Ltda. – Restaurante Pimenta Limão;
c) Proibir URGENTEMENTE o Município de Florianópolis, a União Federal (GRPU/SC) e o IPUF a emitir qualquer autorização ou permissão de uso de áreas de uso comum do povo, tais como a faixa de areia, o passeio dos namorados, as calçadas do entorno e as vagas de estacionamento junto aos chamados Postos de Praia ou em qualquer outro local da praia de Jurerê Internacional.
d) Determinar que a União Federal e o IBAMA, inclusive com o uso de força policial federal se necessário, promovam a imediata desocupação da faixa de areia, passeio dos namorados, passarelas de acesso e restingas, fazendo com que sejam apreendidos e retirados todo e qualquer equipamento móvel ou fixo, lá colocados pelos estabelecimentos ocupantes dos Postos de Praia, tais como caixas de som, cadeiras, guarda-sóis, sofás, chaises, espreguiçadeiras, quiosques, bandeiras, tendas, plantas exóticas, armários, colchões e outros, fazendo com que a praia de Jurerê Internacional fique limpa e desimpedida, apta ao uso incondicional e democrático da praia;
e) Determinar que o Município, inclusive com o uso de força policial se necessário, promova a imediata desocupação das vagas de estacionamento e calçadas, fazendo com que sejam apreendidos e retirados todo e qualquer equipamento móvel ou fixo, lá colocados pelos estabelecimentos ocupantes dos Postos de Praia, tais como caixas de som, cadeiras, guarda-sóis, sofás, chaises, espreguiçadeiras, quiosques, bandeiras, tendas, plantas exóticas, armários, colchões, cones e outros, fazendo com que tais áreas fiquem limpas e desimpedidas, aptas ao uso incondicional e democrático das mesmas;
d) Em face da proximidade de data, determinar URGENTEMENTE que a faixa de areia de Jurerê Internacional, o passeio dos namorados, as passarelas de acesso à areia, as calçadas e as vagas de estacionamento, permanecem livres e desimpedidas durante o período do carnaval, ou seja, de 02 a 06 de fevereiro de 2008, aptas ao uso incondicional e democrático, inclusive com o uso de força policial federal se necessário.
g) A afixação de cinco placas informativas no tamanho de 4×2 metros cada, informando os dados da presente ação civil pública, placas estas custeadas integralmente pelas requeridas.
h) Determinar que o Município promova diariamente o recolhimento de lixo emanado destes Postos de Praia e em seu entorno.
De acordo com os autores (fl. 62), a providência é necessária e deve ser deferida de imediato, pois “as atividades desenvolvidas nos […] Postos de Praia, incluem as já anunciadas festas de carnaval do TAIKO, El Divino Beach, Café de la Musique e Pimenta Limão, que erguerão tendas e cercas na faixa de areia e em outras áreas de uso comum do povo […] impedindo e dificultando o acesso à praia, bem como despejando na faixa de areia e restingas, mais algumas toneladas de lixo, e temos que isso pode ser evitado, com uma adequada e firme ordem judicial, inclusive com o uso de força policial”.
Pelo que percebo das alegações que constam da própria petição inicial (fl. 19), eventos semelhantes têm ocorrido desde 2006, especialmente em datas comemorativas (carnaval e ano novo, por exemplo), durante a temporada de verão. Assim, não posso me convencer que haja risco de irreversibilidade ou dificuldade de reparação do alegado dano. É necessário ter em mente que a regra geral é a manutenção do estado das coisas até que a sentença final o modifique, depois de assegurado o exercício do contraditório – que também é direito do Estado quando litiga em juízo (inciso V do artigo 5º da constituição).
Indefiro o pedido. Intimem-se os autores. Após, retornem para a análise dos demais pedidos processuais (fl. 73).
Florianópolis, 31 de janeiro de 2008.
Julio Schattschneider
Juiz Federal
Revista Consultor Jurídico
14 de novembro
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