por André Brawerman
Pode o autor da Ação Civil Pública, seja associação ou Ministério Público, requerer perícia judicial e exigir que a despesa seja adiantada pelo réu?
A regra geral das despesas processuais é traçada pelos artigos 19 e 20 do Código de Processo Civil, que determinam:
“Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.
(…)
§ 2o Compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público.”
Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.”
A lógica do nosso regramento processual, conforme lição extraída do magnífico voto proferido pelo Eminente Ministro Teori Zavascki (REsp 846.529/MS), é a de que:
“(1) cumpre à quem requer o ato processual suportar as despesas necessárias à sua realização (princípio da causalidade);
(2) o alcance desses recursos se dá em forma de adiantamento;
(3) o autor da demanda deve antecipar o valor decorrente dos atos requeridos pelo Ministério Público ou requisitados pelo juiz; e
(4) a parte vencida deverá ressarcir o vencedor ao final (princípio da sucumbência).”
Contudo, esta lógica fica comprometida diante do estabelecido pelo artigo 18 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), que dispõe:
“Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.”
A rigor, o autor da Ação Civil Pública poderia requerer quantas diligências entender necessária, sem ter que adiantar um único centavo. Seria isto juridicamente possível e, na prática, viável?
Com relação às custas e emolumentos judiciais não há maiores preocupações, pois é viável o diferimento do seu pagamento para o final da ação. Contudo, como ficariam os honorários periciais? Deveria o perito realizar o trabalho para receber os honorários periciais somente ao final do processo? Ou caberia ao réu, principalmente no que toca aos processos com cunho notadamente transindividuais, arcar com estas despesas processuais?
De certo que não compete ao réu o financiamento dos honorários periciais para produzir prova contra si próprio.
O problema que se verifica na práxis forense é a confusão que se faz ao interpretar o artigo 18 da Lei de Ação Civil Pública.
Pensa-se, erroneamente, que a inversão do ônus da prova (comum em matérias veiculadas nas ações que tratam de matéria transindividuais) equivale à inversão do ônus financeiro de adiantar as despesas processuais.
Certamente que não se trata de situações semelhantes. Quando a lei atribui a uma das partes o ônus da prova (ou permite a sua inversão), certamente não está determinando que, além desse ônus processual próprio, a parte contrária fique obrigada também a suportar as despesas de realização da prova requerida pela parte adversa.
Aliás, esse é o entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça que, ao interpretar o artigo 18 da Lei de Ação Civil Pública determinou o pagamento dos honorários periciais pelo Ministério Público, aplicando-se, de forma analógica, a Súmula 232/STJ. Confira:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DAS DESPESAS NECESSÁRIAS À PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. CPC, ART. 19.
1. Não existe, mesmo em se tratando de ação civil pública, qualquer previsão normativa que imponha ao demandado a obrigação de adiantar recursos necessários para custear a produção de prova requerida pela parte autora. Não se pode confundir inversão do ônus da prova (= ônus processual de demonstrar a existência de um fato), com inversão do ônus financeiro de adiantar as despesas decorrentes da realização de atos processuais.
2. A teor da Súmula 232/STJ, ‘A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito’. O mesmo entendimento deve ser aplicado ao Ministério Público, nas demandas em que figura como autor, inclusive em ações civil públicas.
3. Recurso especial a que se nega provimento.”
(REsp 846.529/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 19.4.2007, DJ 7.5.2007, grifei)
Portanto, se no Direito Penal vale a máxima que não cabe à parte produzir provas contra si próprio, em decorrência do princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF); a mesma diretriz deve ser aplicada nas ações cíveis, pois absurda a hipótese de se pretender que o réu adiante os valores de honorários periciais requeridas pelo autor, mesmo que se trate de Ação Civil Pública, para corroborar as provas que poderão levá-lo à condenação.
Revista Consultor Jurídico