O Hotel Resort Salinas de Maragogi, de Alagoas, foi condenado a pagar R$ 4 milhões de indenização por danos morais aos pais de uma menina que morreu em um passeio a cavalo. A decisão é da juíza Valéria Longobardi Maldonado, da 29ª Vara Cível de São Paulo. Ela determinou, ainda, que sejam reembolsados os gastos materiais com a morte (R$ 28 mil).
A ação foi ajuizada pelos pais e irmãos de Victória Basile Zacharias. A menina morreu, no dia 15 de fevereiro de 2002, durante um passeio a cavalo promovido pelo hotel. Com nove anos de idade, ela montava um animal de grande porte em uma sela de adulto. A informação é do site Espaço Vital.
Para chegar ao valor de R$ 4 milhões, a juíza considerou “as circunstâncias em que se deu o triste fato que ceifou a vida da menor Victória, a reprovável conduta do hotel réu no desenrolar do evento e a possibilidade econômica das partes”. Cabe recurso.
Valéria salienta que “embora não seja sucedâneo da dor experimentada pelos autores da ação, a indenização em dinheiro é a forma que o legislador adotou para compor a reparação do dano moral, já que, impossível, por qualquer via, tornar a situação ao status quo ante, como acontece com o dano material”.
A juíza também avalia que “o fato é dos mais trágicos que se possa experimentar, a perda de ente tão próximo, de forma tão brutal, o que não deixa dúvidas da dor, do vazio, do abalo psicológico profundo no âmago desta família”.
O passeio, que custava R$ 18, foi feito na Fazenda Marrecas, do mesmo grupo do Hotel Resort Salinas de Maragogi. Ele é acompanhado por monitores e tinha o objetivo mostrar ao turista uma fazenda tradicional de cana-de-açúcar, em pleno funcionamento.
Como os pés da criança não alcançavam o estribo, o monitor enroscou-os no “loro” (tira de couro que sustenta o estribo). Em um momento do passeio, o cavalo assustou-se e disparou. A sela, mal arreada, girou no corpo do animal, derrubando Victória que ficou com o pé preso na tira de couro. Foi arrastada por cerca de 300 metros.
O monitor, que deveria acompanhar o grupo e, principalmente cuidar das crianças, sequer presenciou o acidente. No depoimento, ele admitiu que “é comerciante e instrutor de arco e flecha, tendo sido contratado pelo hotel-réu para a função de instrução durante o período de férias de verão”. Para a juíza, “essa pessoa não tinha, portanto, nenhum preparo específico para o tipo de atividade que desempenhou”.
Os pais de Victória, após o acidente, fundaram a ONG Associação Férias Vivas, que trabalha em prol da conscientização do setor de turismo sobre a importância da segurança.
Leia decisão:
VIGÉSIMA NONA VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL
Autos nº: 2006.136.110-2 2004.116.022-3
VISTOS
FERNANDO PINTO ZACHARIAS, SILVIA MARIA BASILE, RICARDO BASILE PUCCI e DANIEL BASILE PUCCI ajuizaram a presente ação de indenização por danos materiais e morais em face de HOTEL SALINAS S/A, alegando, em síntese, que são, respectivamente, os pais e os irmãos da menor Victória Basile Zacharias, nascida em 24 de julho de 1.992 e falecida em 15 de fevereiro de 2.002, nas dependências do hotel, ora réu. Afirmaram que adquiriram pacote turístico no hotel-réu e pagaram todo o preço avençado.
Dentre os atrativos do hotel, contrataram um passeio a cavalo, feito na “Fazenda Marrecas”, de propriedade do mesmo grupo titular do estabelecimento, com custo de R$ 18,00 (dezoito reais) por pessoa, mediante acompanhamento por monitores do hotel. Além da própria cavalgada, o passeio tinha por objetivo mostrar ao turista o conhecimento de uma fazenda tradicional de cana-de-açúcar em pleno funcionamento. No dia 13 de fevereiro de 2.002, a menor Victória, acompanhada de seus pais, realizou o passeio. Já no dia 14 de fevereiro de 2.002, encantada com o recanto, realizou o passeio novamente, porém desta vez, desacompanhada de seus genitores, mas juntamente com os monitores fornecidos pelo hotel.
E, no dia 15 de fevereiro de 2.002, pretendeu realizar o passeio pela terceira vez. Entretanto, nessa ocasião, outro cavalo foi destinado à menor, assim como a sela e os estribos não eram adaptados a uma criança de nove anos de idade, razão pela qual seus pés não ficaram apoiados nos estribos da sela, mas sim, ficaram amarrados ao loro (correia dupla afivelada à sela ou ao selim e que serve para firmar o estribo), agindo os monitores do estabelecimento, principalmente Ramón Fernandes, responsável pelo passeio, em atitude de extrema imprudência e negligência.
Portanto, na qualidade de preposto do funcionário Ramón, o réu deve responder indenizando as vítimas pelos danos materiais e morais ocasionados com tão trágico evento. Acrescenta, ainda que, embora o dano moral não necessite de prova no caso concreto, mormente tratando-se de morte de filho, no caso da autora SILVIA MARIA, cabe salientar que, após o falecimento de seu primeiro marido, com dois filhos, uniu-se com o autor FERNANDO e, ficou grávida aos 39 (trinta e nove) anos, apesar de portadora de dois miomas em seu útero. A gravidez, embora de risco, transcorreu na normalidade, mas, após o nascimento de Victória, a autora viu-se forçada a retirar seu útero, não mais podendo gerar outra criança. Após a morte da infante, que representava o elo de ligação entre a família; seus irmãos, parentes e demais familiares ficaram irreparavelmente consternados, necessitando de acompanhamento médico constante e, provavelmente por toda a vida.
De outra banda, além da dor, angústia, sofrimento profundo dos autores, fato é que a indenização por danos morais deve considerar também a possibilidade financeira do réu e o fator sancionatório, a fim de se evitar que fatos semelhantes voltem a ocorrer nas dependências daquele hotel. Requerem a procedência do pedido inicial, a fim de ver o réu condenado no pagamento de indenização por danos materiais (envolvendo despesas médicas dos autores, reembolso dos valores gastos com o pacote turístico, despesas de funeral e missa de sétimo dia), que totalizam a quantia de R$ 57.111,80 (cinqüenta e sete mil, cento e onze reais e oitenta centavos) e, indenização por danos morais que totalizam a quantia de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais).
A inicial veio acompanhada de documentos e procuração, bem como, formularam os autores a fls. 324, pedido de recolhimento das custas processuais ao final da ação, o que foi deferido a fls. 325. Contra esta decisão, o réu interpôs recurso de agravo de instrumento, que foi convertido em agravo retido nos autos (vide primeiro volume – autos em apenso – fls. 155). Devidamente citado, o réu ofertou contestação a fls. 332/419, com procuração e documentos. Sem preliminares, no mérito, pugnou o réu pela total improcedência do pedido inicial. Segundo afirma, apesar do respeito à dor e sofrimento dos familiares da pequena Victória, o acidente se deu por mera fatalidade, haja vista que o hotel sempre se mantém atento quanto às providências necessárias para manter o bem-estar de seus hóspedes e a segurança das áreas ocupadas por eles.
Quanto ao passeio à “Fazenda Marrecas”, nenhum hóspede é direcionado à cavalgada sem que seja previamente orientado pelos monitores, assim como, acomodado em cada um dos animais disponíveis para realizar da atividade de lazer. Para o passeio em que participou a infante, três monitores foram designados para acompanhar o grupo. Disse ainda que, os cavalos utilizados para o passeio são sempre os mesmos, dóceis, com idade avançada, não espelhando nenhuma condição de atividade laborativa ou participativa em provas esportivas, tanto que nunca se verificou outro acidente desta natureza em relação aos animais do hotel.
No caso em tela, afirma que a menor Victória era acompanhada por duas outras meninas e, insistentemente, manifestava o desejo de apostar corridas, desejosa de cavalo mais veloz. Nega que não tivesse prestado os primeiros-socorros necessários à vítima do acidente, encaminhando-a ao Pronto Socorro local e depois para a Cidade de Recife, sendo certo que, hospedaram, às suas expensas, a família da criança no hotel Recife Palace Lucsim, bem como, após confirmado o falecimento da menina, tentaram abreviar a liberação de seu corpo e de todos os documentos necessários, a fim de abreviar a dor dos familiares. Asseverou que não praticou nenhuma conduta ilícita, dolosa ou culposa, que pudesse gerar direito a indenização por parte dos autores.
Ocorre que, toda atividade que envolve risco a incapazes e menores, deve ser supervisionada diretamente pelos pais ou responsáveis, não sendo possível ao hotel dispor um monitor para cada um dos hóspedes nessas circunstâncias. Afirma também que nunca executou o passeio à “Fazenda Marrecas”, cuidando-se apenas de empresa que comercializa os bilhetes para a referida atividade. Refutou a aplicação irrestrita do Código de Defesa do Consumidor, principalmente em relação à inversão do ônus probante, assim como, ante a data dos acontecimentos, a legislação instituída pelo novo Código Civil.
Impugnou os valores pretendidos à título de danos materiais, haja vista que, o pacote turístico foi usufruído pelos autores, bem como, as despesas médicas, com psiquiatras e psicólogos são anteriores e não decorrentes do falecimento da menor Victória em si. Impugnou também os recibos quanto às despesas com o funeral, missa e anúncio fúnebre, já que emitidos em nome de terceiros. Por fim, impugnou também os valores pretendidos a título de danos morais. Em apartado, o réu ingressou com impugnação ao benefício de pagamento das custas processuais pelos autores apenas ao final da demanda, sendo certo que, após regular processamento do incidente, o pedido foi indeferido (fls. 24/25 do apenso próprio). Acerca desta decisão, o réu interpôs recurso de agravo de instrumento.
Houve réplica. Após a juntada de várias respostas aos ofícios expedidos por este Juízo, determinou-se a produção de prova oral a fls. 807. A prova oral proposta foi produzida a fls. 839/845, 888/889, 918/919, 944/945, 976/979. Encerrada a instrução, as partes ofertaram seus memoriais, reiterando seus anteriores pontos de vista. Em apartado, os autores ingressaram com medida cautelar de produção antecipada de provas, alegando, possibilidade de risco de perda de dados importantes na prova oral a ser produzida, ante o lapso temporal já decorrido sem designação de audiência para oitiva de testemunha. A medida foi deferida, produzindo-se a oitiva de testemunhas a fls. 130/132 e fls. 169/170. É a síntese do necessário.
Fundamento e DECIDO.
Preliminarmente, mantenho a r. decisão objeto de agravo retido, por seus próprios fundamentos, considerando que não foi elidida a presunção relativa de necessidade e que se trata de reparação de dano por ato ilícito extracontratual. Observo que a medida cautelar de produção antecipada de prova oral será decidida em conjunto com o feito principal, mesmo porque as provas ali parcialmente coligidas foram carreadas aos autos principais e integram o conjunto probatório que firmará a convicção do Juízo.
A questão da vinculação do Juiz que decidirá o feito já havia sido analisada antes da prolação da decisão de fls. 1.047, que permaneceu irrecorrida. Já, a fls. 983 esta Juíza encerrou a instrução e determinou que os autos lhe fossem tornados conclusos para prolação de sentença após o prazo para memoriais. Por primeiro, cumpre observar que o réu é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, haja vista que, não logrou êxito em comprovar nos autos que a denominada “Fazenda das Marrecas” pertence a grupo distinto daquele que gerencia o hotel, sendo certo que se tratava de apenas mais um passeio oferecido aos hóspedes, responsabilizando-se tão-somente pela venda dos bilhetes em sua gerência.
De fato, documentos que acompanham a inicial, principalmente o de fls. 71, atestam que a “Fazenda Marrecas” pertence ao complexo turístico do “resort”, sendo assim o responsável pelos danos oriundos a terceiros e que ocorram em suas dependências. Assim, leia-se no sub-item “HISTÓRIA”: “Localizado em meio à imensa área verde, o Hotel Fazenda Marrecas, empreendimento do Grupo Salinas, oferece história e lazer……”.
A prova testemunhal coligida aos autos também não discrepa dessa conclusão. A fls. 976, o Sr. Cícero Mendonça, que trabalhava no grupo, afirmou que a fazenda e o hotel pertencem ao mesmo proprietário, o Sr. Márcio Vasconcelos. Aliás, mesmo que assim não fosse, a responsabilidade de empresas intermediária de prestação de serviço é solidária com a do fornecedor do serviço, nos termos do que dispõe o Capítulo IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Quanto ao mérito propriamente dito, cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada pelos pais e irmãos da infante Victória Basile Zacharias, falecida em 15 de fevereiro de 2.002, em decorrência de ferimentos provocados por cavalo durante passeio realizado à “Fazenda das Marrecas”, quando hospedada no “Hotel Salinas do Maragogi”. O trágico evento ocorreu quando a criança e sua família estavam hospedados no hotel-réu, que se trata não propriamente de um hotel de pernoite, mas sim, de um denominado “resort”, localizado em área isolada do litoral brasileiro e que se destina a fornecer, além da mera hospedagem e alimentação, toda a sorte de entretenimentos para crianças e adultos.
No caso, o serviço de passeio a uma fazenda histórica, com respectivo trajeto a cavalo era fartamente oferecido aos hóspedes, indiscriminadamente, sem contar com a idade ou destreza no manejo do animal fornecido para meio de transporte, qual seja, por intermédio de cavalos. Os instrutores que guiava os hóspedes no referido passeio não eram especialistas em hipismo ou em qualquer tipo de manejo de animal de grande porte. Tanto é verdade que não há comprovação nos autos de que os referidos instrutores estivessem aptos a ministrar aulas ou passeios a cavalo.
Frise-se que ouvido em depoimento a fls. 944/945, o monitor Ramón Fernandes confirmou que o hotel oferecia passeios a cavalo, que era funcionário do hotel, na função de “recreador de lazer sênior”.
O outro monitor que acompanhou o grupo naquele dia fatídico era José Eulálio da Silva Cavalcanti, que ouvido a fls. 124/126, nos autos de inquérito policial, afirmou que é comerciante e instrutor de arco e flecha, sendo que, contratado pelo hotel-réu para a função de instrução durante o período de férias de verão, ofereceu-se para acompanhar o grupo de hóspedes que por ventura desejassem realizar o passeio a cavalo para a “Fazenda Marrecas”, sendo certo que, levava sua máquina fotográfica e tirava retratos dos hóspedes, não tendo, portanto, nenhum preparo específico para o tipo de atividade que desempenhou. Por outro lado, quem coordenava esta equipe era Cícero Antonio do Nascimento.
A fls. 918/919 afirmou que trabalha no hotel há dez anos e tem a função de coordenador de esportes e lazer, fazendo programações e atividades esportivas e culturais. Informou também que sempre havia orientação aos hóspedes acerca da forma de montar e que somente as crianças a partir de seis anos poderiam montar e, se soubessem montar poderiam ir sozinhas, ou seja, desacompanhadas de seus pais. Disse ainda que não foi comunicado na hora do fato, porque estava em atividade (“como trabalha com alegria, a regra básica é de não ser comunicado de tais fatos” – fls. 919).
A testemunha Paula Beatriz (fls. 892 e seguintes), que é fisioterapeuta, afirmou que os passeios a cavalo eram acompanhados por funcionários do hotel, em transporte do próprio hotel eram levados à fazenda, os pagamentos eram realizados no hotel. Soube, posteriormente, que os pés da menina não estavam no estribo, mas sim, na corrente de couro denominada “louro” e, como o pé estava em local errado, ficou preso. Salientou que havia um problema com a sela porque não havia sela adequada para criança, que não era um instrutor que indicava o cavalo, mas sim, um senhor que trabalhava na fazenda, que desistiu do passeio porque não havia sela adequada para o seu filho e o colocou consigo em seu cavalo. Disse, ainda, que se ofereceu para verificar os sinais vitais de Victória, mas foi impedida pelo instrutor Ramón, afirmando que a menor estava viva e já tinha providenciado um carro, que demorou entre vinte a trinta minutos para chegar.
O veículo não era uma ambulância, mas sim, um veículo VW/Gol. Afirmou que montou cavalos há muito tempo e ouvia de seus pais a advertência de que nunca o pé de uma criança deveria ser colocado no “loro”, porque poderia ficar preso. Quem presenciou o acidente foi o instrutor Ramón e, afirmou que a vítima realizou três vezes o mesmo passeio, as duas últimas desacompanhada de seus pais, apesar de autorizada por eles e, queria trocar o cavalo, desejosa de um animal que andasse mais rápido. Disse ainda que, a sela estava regulada para o uso de crianças, porém Victória bateu no cavalo, que veio a empinar, fazendo com a vítima caísse e ficasse com um dos pés presos no estribo.
O cavalo disparou, ele tentou segurá-lo, não logrando êxito em seu intento já que se encontrava a uma distância de quinze metros da menor, sendo certo que o animal foi segurado por moradores da região e, quando chegou no sítio dos acontecimentos, a vítima estava viva e gemia, no colo de um daqueles moradores que seguraram o cavalo. Afirmou que havia três funcionários do hotel no local e que Eulálio tinha curso de primeiros socorros. Disse que o carro chegou em cinco minutos, porém a vítima não foi atendida no Pronto-Socorro de Maragogi porque o caso era grave e, como o nosocômio não tinha ambulância, a vítima foi levada no próprio carro do hotel até a Cidade de Recife (fls. 944/945). Isaque Veloso da Silva apresentou declarações a fls. 955/956, mencionou que era um dos responsáveis pelo passeio, juntamente com Ramón.
Lembra que durante o percurso, chegou a tirar duas vezes os pés da vítima dos “loros” do cavalo, regulando os estribos do cavalo antes de iniciar o passeio. Entretanto, durante o percurso, Ramón parou para colher algumas azeitonas e a menor Victória seguiu em frente, a cavalo, com duas amigas. Tomou conhecimento de que a menina caiu do cavalo, começou a gritar e o animal saiu em disparada, arrastando-a por quatrocentos a quinhentos metros, já que a menina pegou um pequeno pedaço de pau (“tabica”) e açoitou o animal. Por fim, ressaltou que demorou oito minutos para a criança ser colocada no interior do veículo e, ainda estava viva. Ainda segundo Isaque, a menina foi deixada no gramado em frente ao hotel, enquanto esperava o transporte até o hospital. Fato este corroborado pela testemunha Paula Beatriz (fls. 893, “in fine”).
A testemunha Cícero, que era vigilante da fazenda, sendo certo que o grupo de nove pessoas era acompanhado por Ramón e Isaque. Soube do acidente logo após seu acontecimento, relatando ter conhecimento de que o hotel disponibilizava estrutura de primeiros socorros, com enfermeira e até médico de plantão. A prova oral coligida aos autos e acima mencionada, de forma sucinta, bem como os depoimentos colhidos no inquérito policial deixam claro que no dia do acidente dois prepostos do hotel-réu eram os responsáveis pela orientação do grupo que contratou o passeio para a “Fazenda Marrecas”.
Ambos não tinham nenhum conhecimento técnico da atividade perigosa a que as pessoas se expunham a título de lazer. Acresce o fato de carregarem consigo vários menores, além da vítima, desacompanhados de seus pais, responsáveis ou, pessoas habilitadas para tanto. O que impressiona é que o local não era tranqüilo (fls. 926), já que as fotografias de fls. 127 e seguintes (principalmente as de fls. 129/130 e fls. 132/134) demonstram que, na realidade, tratava-se de percurso efetuado em solo acidentado, em meio a mata fechada (numa plantação de cana), com quedas d’águas e pedras, possivelmente escorregadias e também passíveis de abrigarem animais de toda a espécie.
Se ou não o cavalo era manso, é irrelevante até para os leigos, já que a reação de um animal é imprevisível, principalmente em local de difícil acesso e com montaria desconhecida. Os autores instruíram o processo com cópia de artigo publicado em revista especializada em equitação, além de artigos de jornal (publicação do Jornal “Folha de São Paulo”), onde o Sr. Raul de Lara Campos, que foi supervisor da Escola de Equitação da Sociedade Hípica Paulista, afirma que existem vários perigos na prática da equitação, sendo, o principal deles, a falta de atenção do aluno e a falta de responsabilidade do adulto (no caso “irresponsável”) que escolheu o cavalo, que arreou o animal, que escolheu a trilha para o passeio. Recomenda aos pais que levam filhos em viagens e passeios, onde há possibilidade de montaria, que façam pelo menos um ano de equitação clássica em boa escola.
Mais adiante menciona sobre a importância dos estribos, recomendando como deve ser para que o pé não fique preso, causando o pior dos acidentes hípicos: ficar com o pé preso no estribo e ser arrastado pelo cavalo, quando de uma possível queda. Alerta, ainda, para os cavalos mal arreados, para as selas soltas, para a necessidade de utilização dos equipamentos indispensáveis à segurança do esporte (capacete, sela infantil, dentre outros). A reportagem, ainda menciona, que as crianças na Europa somente podem montar em pôneis e, frisa, por fim, que criança não deve andar a cavalo sozinha, sempre com adulto responsável ao lado (fls. 153/156).
Nenhuma dessas orientações, advindas de especialista, foi observada pelo réu durante o oferecimento do passeio. Quando caiu do cavalo, é induvidoso que a criança estava adiante do grupo, acompanhada apenas por outras duas meninas, com idade insuficiente para realizar manobra de emergência a fim de conter o animal. A fls. 758 evidencia-se a marca no tornozelo da criança, que comprova que o pé efetivamente estava preso no loro, o que, aliás, já confirmada pela foto de fls. 34, onde se verifica que o pé da vítima não estava apoiado no estribo, que é o local indicado para que permaneça durante a cavalgada, o que não foi corrigido pelo instrutor do passeio, que devia zelar por toda forma de segurança do grupo. Os instrutores, obviamente, em número insuficiente, não estavam ao lado das crianças, acompanhando o passeio.
Ora, quem tem a função de comandar qualquer atividade, seja recreativa ou não, deve efetivamente exercer o comando do grupo. Cabe ao comandante decidir se pode ou não a criança passear sozinha ou, exigir a presença de um responsável, caso a mesma não obedeça, ou até mesmo recusar-se a levá-la. Logo, a afirmação de que Victória exigia um cavalo mais veloz, de que sabia andar a cavalo, de que bateu no animal a fim de que imprimisse velocidade superior, não elide a culpa de ninguém, haja vista que não podemos esquecer que se tratava de uma criança de apenas nove anos de idade, que nada pode comandar ou decidir no que diz respeito à sua segurança pessoal.
O instrutor representa o hotel nesta atividade recreativa e, o hotel, naturalmente, tinha ciência (ou deveria ter) de tudo quanto se passa em suas dependências e na prestação dos serviços que oferece, a fim de não expor a saúde e a vida de seus hóspedes, a qualquer risco previsível. A culpa do réu é induvidosa em todo este episódio, põe à disposição do público em geral um “resort” de cinco estrelas, recebe pagamento para passeio em fazenda, acompanhado de seus prepostos particulares, totalmente despreparados para a atividade que desempenharam.
E, mais, não dispõe naquele lugar longínquo de do litoral brasileiro sequer de um agente de saúde, de uma enfermeira ou médico, de uma ambulância, a ponto de não se saber até ao final da instrução, certamente, se a criança chegou vivas à sede do hotel ou não. Tal situação se agrava diante da constatação que consta dos autos de que a localidade onde se situa o “resort” também não é equipada sequer com um pronto-socorro. Frise-se que nos autos do inquérito policial, ficou consignado que a criança foi levada para um posto de saúde em Maragogi, onde não havia médico (fls. 125).
De lá, foi transportada numa ambulância até o Recife, onde chegou por volta das 19:30 horas. Saliente-se que o passeio começou as 15:00 horas (fls. 124) e, segundo a testemunha José Antonio da Silva, o acidente ocorreu as 16:30 horas (fls. 95). Portanto, subsume-se que, se a menina efetivamente estava viva como menciona em seus depoimentos o instrutor Ramón, recebeu o primeiro atendimento por um médico somente três horas depois do acidente, período em que permaneceu agonizante. Não se tem notícia de que ninguém lhe tenha prestado os primeiros socorros, leigos ou não !!
A responsabilidade do réu, por atos próprios, nos termos do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, ao fornecer serviço defeituoso, já que não fornecia a segurança que o consumidor dele poderia esperar, quer nos termos do artigo 932, do novo Código Civil, à época vigente o artigo 1.521, do Código Civil antigo, respondendo pelos atos de seus prepostos. Nada elide sua culpa. Nem se diga de culpa exclusiva do consumidor, que contava no dia do acidente com nove anos de idade. Os pais também eram consumidores do serviço prestado pelo hotel, retornando ao tema já abordado acima. Mesmo autorizando o passeio da criança desacompanhada de um adulto, cabia ao comandante saber que não contava com número suficiente de instrutores, na acepção do termo, para prestar o serviço, consistente na realização do passeio a cavalo.
Em outras palavras, quem assume uma responsabilidade deve conhecê-la profundamente e exercer a autoridade necessidade para que tragédias como estas possam ser evitadas. Mas não foi o que ocorreu no caso em questão, infelizmente, o passeio não contava com a segurança necessária que se deve oferecer a uma criança. Quem ofereceu o serviço é responsável por ele e todas as suas conseqüências, já que não se provou culpa exclusiva da vítima. A autorização dos pais não elide a culpa do réu, que é conhecedor, pelo menos, em tese, dos riscos que o passeio oferecia.
Não se pode deixar à escolha dos hóspedes fazer este ou outro passeio, sem que tenham o real conhecimento da atividade que irão desempenhar. Se os pais autorizaram, o instrutor aceitou conduzir a criança, que cavalgou sozinha, em montaria inadequada quer para sua idade, tipo físico, destreza no manejo do animal e localidade, dentre outros fatores. Conclusão diversa deixaria a qualquer hóspede do passado, presente ou futuro a opção para participar ou não de atividade perigosa, quando, quem oferece o serviço (mesmo se tratando de atividade recreativa) é que tem a condição de apontar quem está apto ou não para bem desempenhar a atividade oferecida.
Portanto, diante de todo o exposto, está demonstrada a responsabilidade do réu, de rigor a procedência do pedido indenizatório, restando a este Juízo analisar as verbas que irão compor o “quantum” indenizatório. Por primeiro, quanto aos danos materiais, indevida é a restituição dos valores gastos com o pacote turístico adquirido pelos pais, já que efetivamente usufruíram dos serviços de hospedagem prestados pelo hotel.
Já, as despesas com anuncia fúnebre e missa de sétimo dia de falecimento também não procedem, já que não integram as despesas com funeral propriamente dito, que as que se relacionam com a responsabilidade do réu. Com relação ao pedido de indenização com despesas médicas, o pedido prospera. Ora, segundo os relatórios acostados aos autos de fls. 259 e seguintes, assim os depoimentos colhidos em audiência perante este Juízo (fls. 839 e seguintes), comprovam os sintomas depressivos apresentados pelos autores e a necessidade de intervenção médica e medicamentosa.
Se os autores já se consultavam antes do acidente com os médicos, cujos recibos e laudos foram acostados aos autos, é inegável que fato dessa magnitude somente poderia vir a agravar o quadro clínico e ensejar a retomada do tratamento. As despesas do funeral decorrem logicamente do acidente e devem ser indenizadas. Assim, quanto aos danos materiais, deve o réu indenizar aos autores a quantia de R$ 28.463,30 (vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e três reais e trinta centavos), tudo devidamente corrigido desde a data do desembolso, conforme os recibos que constam dos autos e acrescidos de juros moratórios de ½ (meio por cento), desde a citação, que era a taxa vigente à época do pedido. Quanto aos danos morais, são devidos.
Embora não seja sucedâneo da dor experimentada pelos autores, a indenização em dinheiro é a forma que o legislador adotou para compor a reparação do dano moral, já que, impossível, por qualquer via, tornar a situação ao “status quo ante”, como acontece com o dano material. O fato é dos mais trágicos que se possa experimentar, a perda de ente tão próximo, de forma tão brutal, não deixa dúvida da dor, do vazio, do abalo psicológico profundo no âmago desta família, que perdeu seu equilíbrio afetivo. O fato põe à mostra nossa natureza humana, com toda sua fragilidade, desamparo, equívocos e erros irreparáveis. Sopesando as circunstâncias em que se deu o triste fato que ceifou a vida da menor Victória, a reprovável conduta do réu no desenrolar do evento, a possibilidade das partes, o pedido de indenização por danos morais deve ser atendido em sua integralidade.
Ante todo o exposto, JULGO POR SENTENÇA, a fim de que produza seus jurídicos e legais efeitos, a produção antecipada de provas que se encontra em apenso, DECLARO FINDO o processo cautelar, sem análise de mérito, no qual não há sucumbência.
Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação e condeno o réu a pagar aos autores, a título de danos materiais, a quantia de R$ 28.463, 30 (vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e três reais e trinta centavos), tudo devidamente atualizado desde a data do efetivo desembolso, conforme recibos que se encontram nos autos, acrescido de juros moratórios de ½ (meio por cento), a contar da citação. Condeno, o réu, ainda, à título de danos morais, aos autores, a quantia de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), devidamente corrigida monetariamente desde a data do ajuizamento da ação, acrescida de juros moratórios de ½ (meio por cento) a contar da citação válida. Condeno, por fim, o réu, a pagar as custas e despesas processuais, bem como, honorários advocatícios que ora arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor dado à causa, nos termos do artigo 20, §3º., do Código de Processo Civil, mesmo porque os autores foram sucumbentes em parte mínima do pedido inicial, conforme o artigo 21, parágrafo único, do mesmo diploma legal.
P.R.I.
São Paulo, 17 de março de 2.008.
VALÉRIA LONGOBARDI MALDONADO
Juíza de Direito
Revista Consultor Jurídico