AÇÃO INDENIZATÓRIA

Assunto: VENDA A TERCEIRO – APELAÇÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ART. 105/CF, III, A E C – TRANSFERÊNCIA DE QUOTAS – SUCESSÃO HEREDITÁRIA – DIREITO DE PREFERÊNCIA

Ação: INDENIZATÓRIA
Petição: RECURSO ESPECIAL

SÍNTESE

Transferência de quotas de sociedade por sucessão hereditária. Os herdeiros pleiteam indenização, pelo fato de terem sido preteridos no exercício do direito de preferência. A ação foi julgada improcedente. A apelação foi proposta. Contra o acórdão proferido foi proposto embargos de declaração. Em sede de embargos foi proferido acórdão no sentido da inexistência de dúvidas, omissão ou contrariedade. Proposto o recurso especial. O acórdão recorrido negou vigência ao art. 177/CC, art. 7º, da Lei 3.708/19, § 1º do art. 6º da LICC, art. 291 e 302, VII do CC e art. 536 do CPC. Pedem pela reforma do acórdão atacado e pela procedência do pedido inicial.

ÍNTEGRA

EXMO. SR. DR. JUIZ PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL …. DO ESTADO DO ….

…. e …., devidamente qualificados, por seus advogados adiante assinados, inconformada com o v. acórdão nº …., colhido pela ….ª Câmara Cível no Ap. Civ. …., no qual foi apelante (apelado: …. e outros), com fulcro no art. 105, III, letras “a” e “c” da Constituição Federal e mais dispositivos pertimentes a espécie interpor

RECURSO ESPECIAL

consubstanciado nas inclusas laudas, uma vez processado, seja remetido ao Superior Tribunal de Justiça.

Nestes Termos
Pede Deferimento

…., …. de …. de ….

………………
Advogado

…………….
Advogado

SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE

O LITÍGIO

“Os herdeiros continuarão como sócios, do contrário, não seria possível reclamar deles a soma devida pelo de cujus.” (cf. Carlos Fulgêncio, in As Sociedades por Cotas de Responsabilidade Ltda, vol. I, nº 250, pg. 214)

Cuida-se de Ação Ordinária, promovida por …. e …., onde na condição de sócios da …., visto que na qualidade de herdeiros de …., receberam, cada um, …. quotas do capital social da …. e pleiteiam a condição solidária dos réus, ao pagamento de perdas e danos a serem fixadas em razão de terem sido preteridos no exercício do direito de preferência, de aquisição de quotas que os requeridos transferiram para a ré …., através da ….ª Alteração Contratual.

Após os trâmites normais, a demanda foi julgada improcedente. Dessa decisão a recorrente interpôs Recurso de Apelação, tendo a 5ª CCiv. do TJPR decidido que:

“A transferência de cotas de sociedade de responsabilidade limitada por sucessão hereditária transmite ao herdeiro ou legatário o direito de percepção de todos os lucros por ela gerados. Não o torna, porém, automaticamente, sócio. Forma-se entre ele e os demais sócios uma nova sociedade, de segundo grau.”

Em sede de Embargos de Declaração, limitou-se a dizer que inexistia dúvidas, omissão ou contrariedade.

Decidindo, como decidiu, a 5ª CCiv. do TJPR, contrariou os dispositivos de lei em frente apontados, bem como dissentiu da interpretação dada por outros Tribunais ao tema tratado. Daí este Recurso.

DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE LEI FEDERAL

Art. 177 CC:

Acolhendo tese repelida pela Sentença de 1º Grau, o acórdão recorrido acolheu a alegação de existência de prescrição, com fundamento no artigo 178, parágrafo IX do Código Civil.

No entanto, “data venia”, não há que se falar em decadência e/ou prescrição.

Neste processo, discute-se o direito de preferência agasalhado pelo contrato da sociedade, que é convencional e não real.

Se direito real fosse a demanda que teriam propostos os autores-recorrentes seria para anular a compra e venda, possibilitando-lhes, tanto por tanto, que ficassem com as quotas.

Mas o direito é pessoal, e sendo os autores detentores de todos os direitos do “de cujus”, cabível lhes é a reivindicação (indenização).

A Sentença de 1º Grau, aliás, acertadamente (apenas nesse tópico) decidiu que:

“Prescrição e Decadência. Não colhe a ocorrência, posto o pleito de puro fundo pessoal que fazem os AA., apenas derivado do questionado pacto de preferência. Com a indenização reclamada nada afeta pela titularidade em si das quotas obtidas em sucessão, mas antes com os reflexos apontados danosos pela versada omissão de comunicação do intento de venda, por outros sócios, descurando-se assim do possível exercício da prelação; aqui, inviável a aplicação da regra do inciso IX, do art. 178 do CC., ficando ao contrário mais ajustada aquela antecedente do mesmo Codex.”

Aplicável assim, o artigo 177 do Código Civil (prescrição vintenária), o qual foi desconsiderado pelo acórdão recorrido, evidenciando então, a negativa de vigência a dispositivo de Lei Federal.

Ressalte-se que, em sede de Embargos de Declaração (especialmente para fins de pre-questionamento), tal matéria não foi enfrentada, embora pre-questionada, tendo o acórdão recorrido nesta ocasião, declinado para outro tema, ou seja, legitimidade de partes.

Art. 7º da Lei nº 3.708/19

Consoante melhor exegese do artigo 7º da Lei de Sociedades Limitadas, com o falecimento de um dos sócios, suas cotas se transferem aos herdeiros ou sucessores, os quais integram a sociedade, máxime havendo disposição contratual nesse sentido, como no caso em exame.

A respeito, Cunha Peixoto, ensina que o art. 7º da Lei nº 3.708/19, firmou dois princípios: a) a sociedade não se dissolve com a morte de um sócio; b) os herdeiros continuarão como sócios (fls. 333).

Mesmo assim, a decisão recorrida entendeu que os ora recorrentes, em verdade, são apenas herdeiros de um sócio (fls. ….), mas não sócios.

Tal entendimento, manteve-se em sede de Embargos de Declaração, para fins de prequestionamento.

Destarte, houve negativa de vigência ao dispositivo supra citado.

Art. 6º “caput” e parágrafo 1º LICC:

Avançando em seu raciocínio (mera reprodução, “data venia” da tese apresentada pelos recorridos), a decisão recorrida argumentou que (fls. ….), “verbis”:

“E não se diga que a sentença que concedeu a dissolução parcial de sociedade aos Apelantes (…) tem o condão de legitimá-los ao exercício do direito de preferência (…) com a noticiada decretação da dissolução parcial da sociedade por decisão com trânsito em julgado, os Apelantes, se alguma vez foram sócios da …., deixaram de ser.”

Ora, o ato que originou a presente ação (transferência de cotas, sem possibilidade do exercício do direito de preferência) é bem anterior ao ajuizamento da mencionada Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, senão vejamos:

Transferência de Cotas entre os Requeridos: …/…/… (fls. ….)

Dissolução de Sociedade: …/…/… (fls. …/…).

Portanto, quando do ato ilícito praticado pelos requeridos (…/…/…), os autores-recorrentes ainda eram sócios da ….

Aplicando a situação fática ao nosso ordenamento jurídico, verifica-se que de acordo com o artigo 6º, “caput” e parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei (e por conseguinte a condição fática) do tempo em que o contrato é celebrado é que regula a sua forma (“Tempus Regit Actum”).

Com efeito, Caio Mário da Silva Pereira (in Instituições de Direito Civil, Forense, vol. I, pag. 108) professa que:

“O segundo, direito adquirido, “in genere”, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para o seu exercício, sejam ainda, os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingir sem retroatividade.”

E acrescenta:

“… a idéia do direito adquirido, tal como consignada na Lei de Introdução tem aplicação tanto no direito público quanto no direito privado. Onde que exista um direito subjetivo, de ordem pública ou de ordem privada, oriundo de um fato idôneo a produzi-lo segundo os preceitos da lei vigente ao tempo em que ocorreu, e incorporado ao patrimônio individual, a lei nova não pode ofender.”

Em síntese, verifica-se que quando do ilícito, praticado pelos ora recorridos, os autores detinham a condição de sócios da …., sendo que o posterior ajuizamento de Ação de Dissolução, não lhes retira a condição de sócio naquela época.

Tal matéria foi devidamente prequestionada.

Dessa forma, comprovado está, a negativa de vigência ao art. 6º, “caput”, parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Destarte, “data venia”, houve negativa de vigência ao dispositivo supra citado.

Art. 291 e 302 – parágrafo 7º do Ccom.

Muito embora a cláusula ….ª da ….ª Alteração do Contrato Social preveja que os herdeiros continuarão sócios da sociedade, a decisão recorrida pronunciou-se em tese completamente oposto, razão pela qual, desconsiderou o Contrato Social da Empresa, e por conseguinte, os artigos 291 e 302, VII do Código Comercial, “verbis”:

“Art. 291 – As leis particulares do comércio, a convenção das partes sempre que lhes não for contrária, e os usos comerciais, regulam toda a sorte da associação mercantil; não podendo recorrer-se ao direito civil para decisão de qualquer dúvida que se ofereça, senão na falta de lei ou uso comercial.”

“Art. 302 – A escritura, seja pública ou particular, deve conter:

VII – todas as mais cláusulas e condições necessárias para se determinarem com precisão os direitos e obrigações dos sócios entre si, e para com terceiro.”

Art. 536 do CPC

Como se tudo isso não bastasse, em sede de Embargos de Declaração, aforados para fins de prequestionamento da matéria objeto do presente, houve negativa de vigência ao artigo 536 do CPC, vez que os referidos Embargos não foram apreciados pelo Desembargador Relator, como efetivamente deveriam ser:

“Os embargos serão opostos, no prazo de cinco dias em petição dirigida ao juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo.”

Na verdade, embora inexista hipótese de remoção, aposentadoria ou afastamento, os referidos Embargos foram apreciados e julgados pelo Exmo. Sr. Des. …., o qual, sequer participou do julgamento do Recurso de Apelação.

Saliente-se que “… é do prolator da sentença a competência para apreciar os embargos de declaração, apesar do seu afastamento da Vara” (Cam. Esp. TJSP – in RJTJSP 97/427).

Ademais, tal matéria tem origem própria na decisão que apreciou os referidos Embargos de Declaração, razão pela qual, dispensa a demonstração do prequestionamento.

Examinando questão peculiar, a 4ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, rejeitou os Embargos de Declaração opostos no Recurso Especial nº 3680, tendo o Ministro Athos Carneiro, destacado na ementa do acórdão:

“Embargos de Declaração:

Não há como cogitar de prequestionamento, se a matéria surgiu no julgamento da apelação, por provimento ‘ex officio’ do Tribunal de Segundo grau.”

Em 08/08/89, ao examinar o REsp. 25, Rel. Ministro Nilson Naves, decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“Recurso Especial. Prequestionamento. É requisito bem próprio do recurso dessa espécie, dispensável, no entanto, quando a questão surja no acórdão, de ofício.”

Nessas condições, com o devido respeito, o acórdão recorrido negou vigência (contrariou) dispositivos de Lei Federal, notadamente ao artigo 177 do Código Civil, artigo 7º da Lei nº 3.708/19, artigo 6º, “caput”, parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 291 e 302, VII do Código Comercial e artigo 536 do Código de Processo Civil.

DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL

Decidindo como decidiu a Colenda 4ª Câmara dissentiu da interpretação conferida ao mesmo tema por outros tribunais.

Para o v. acórdão da 5ª CCiv.

“A transferência de cotas de sociedade de responsabilidade limitada, por sucessão hereditária, transmite ao herdeiro ou legatário o direito de percepção de todos os lucros por ela gerados. Não o torna, porém, automaticamente, sócio. Forma-se entre ele e os demais sócios uma nova sociedade, de segundo grau.”

É dissenso evidente: O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu exatamente o contrário, ou seja, que:

“Sociedade por cotas deve continuar com os herdeiros do cotista falecido se houver cláusula permissiva no contrato social e concordância dos herdeiros.” (TJRJ – Ap. 17.781 – Rel. Des. Graccho Aurélio – in Revista dos Tribunais 557/178)

Nesse sentido a lição de CUNHA PEIXOTO (in Sociedade por Cotas de Responsabilidade Ltda, vol. 1, nº 302):

“A convenção entre as partes só não produzirá efeito quando contrariar abertamente dispositivo expresso em lei, ou for manifestamente ofensiva a sã moral e aos bons costumes.”

Outro não é o entendimento professado pelo renomado Prof. Egberto Lacerda Teixeira (in Da Sociedade por Quotas de Responsabilidade Ltda., Max Limonad, nº 111-114):

“Se os sócios convencionaram continuar a sociedade com os herdeiros do de cujus, sem terem expressamente ressalvado o direito de aceitá-los ou não, parece-nos que os sócios supérstites são obrigados a permanecer em sociedade com os herdeiros do sócio pré-morto.”

É dissenso evidente.

Portanto, resta incontroverso o dissídio pretoriano.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Presente as condições de admissibilidade do recurso, no mérito as razões apresentadas pelos ora recorrentes devem prosperar, razão pela qual, desde logo, reitera-se os argumentos contidos no recurso de apelação (fls. …/…), o qual com os demais expedientes apresentados, por brevidade e economia processual, passam a fazer parte integrante do presente.

CONCLUSÃO

Confiam os recorrentes, assim, na admissão deste recurso especial, para o efeito de, uma vez processado e distribuído, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça o proveja, de modo a reformar o venerando acórdão atacado, no sentido de julgar procedente o pedido inicial da presente ação, invertendo os ônus sucumbenciais, como de direito e justiça.

N.T.P.J. e Deferimento.

…., …. de …. de ….

………………
Advogado

………………
Advogado

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