UNIÃO HOMOSSEXUAL NÃO DÁ DIREITO A HERANÇA.

Euclides de Oliveira

abril/98

Recente noticiário da imprensa registra que o Superior Tribunal de Justiça teria concedido direito de herança a parceiro gay. Era um caso de homossexual que reclamava bens deixados pelo falecido parceiro. Por decisão unânime, o STJ, 4ª Turma, deu-lhe ganho de causa, reformando anterior decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O sensacionalismo das manchetes, todavia, não corresponde ao efetivo teor do julgamento. O que houve, na verdade, não foi atribuição de direito de herança, mas sim o reconhecimento judicial do direito à partilha de bens entre os parceiros homens, por decorrência de prova de contribuição dos dois na formação do patrimônio comum. Ou seja, foi reconhecido o direito de meação, não o de herança.

A sucessão hereditária se dá em favor dos herdeiros legítimos ou testamentários. Legítimos são os herdeiros nomeados na lei. Estão catalogados no artigo 1.603 do Código Civil, nesta exata ordem: descendentes, ascendentes, cônjuge, colaterais, Município (herança vacante). A eles se acrescenta o companheiro sobrevivente de união estável entre homem e mulher, por previsão da Lei 8.971/94. Não se inclui, nessa categoria, o companheiro homossexual, pois não forma aquele tipo de união protegida por lei e pela própria Constituição Federal Brasileira (artigo 226, § 3°). Restaria ao homossexual, para ter acesso à herança, o benefício por testamento, abrangendo até mesmo a totalidade dos bens (ou à metade da herança, no caso de o falecido ter deixado descendentes ou ascendentes, aos quais se reserva o direito à legítima).

Embora não seja herdeiro, e ainda que não contemplado em testamento, terá o ex-parceiro de união homossexual direito a parte dos bens, e foi isso que o STJ reconheceu. Foi determinada a partilha dos bens, em reconhecimento da colaboração financeira havida entre os ex-companheiros, dando-se ao sobrevivente a metade, e o restante sendo atribuído aos pais do falecido, como seus herdeiros legais.

A distinção entre meação e herança se percebe, mais facilmente, quando exista prévia separação dos companheiros (hétero ou homossexuais) ainda em vida. Desde que tenha havido formação de patrimônio durante a convivência, faz-se a divisão correspondente à participação de cada um na aquisição. Sendo igual essa participação, divide-se por dois, cabendo, pois a meação. O mesmo se dá na atribuição dos bens depois da morte: primeiro, a meação; depois, o que sobra dessa divisão é que constitui a herança. E sua destinação, como já exposto, não se dá em favor do companheiro sobrevivente, mas sim dos herdeiros legítimos ou testamentários.

Assim, a sentença do Superior Tribunal de Justiça, que tanto alarde causou e motivou comemorações de associações de gays e lésbicas, não apresenta maior sabor de novidade. Trata-se de confirmação de jurisprudência que já vinha sendo aplicada em casos semelhantes, desde o conhecido episódio do ex-parceiro do pintor Jorge Guinle, falecido em 1.987.

Nessa mesma linha de entendimento, muito antes das leis da união estável, de há muito vinha o Supremo Tribunal Federal mandando partilhar bens decorrentes de sociedade de fato entre concubinos, desde que comprovado o esforço comum na formação do patrimônio. O mesmo raciocínio serve às uniões entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que, por mútua colaboração, formam uma sociedade de fato, que, uma vez desfeita, exige repartição igualitária dos bens, sob pena de estar um dos parceiros se enriquecendo injustamente às custas do outro.

A situação, que hoje ainda enseja discussões e controvérsias no meio jurídico, e certa reação negativa de grupos conservadores de nossa sociedade, tende a se pacificar não somente pela apontada tendência jurisprudencial, mas especialmente pela proposta de regulamentação da matéria, seguindo exemplos de outros países que regulam parcerias homossexuais (como ocorre nos países da Escandinávia, na Holanda e, com menos abrangência, em alguns Estados da América do Norte). Há projeto de lei (n° 1.151) de autoria da Deputada Marta Suplicy, em tramitação no Congresso desde 1.995. Prevê a possibilidade de contrato de união de duas pessoas do mesmo sexo, formando uma entidade familiar, com registro civil e efeitos patrimoniais. O parceiro dessa união teria direito a partilha nos bens adquiridos em conjunto e, também, direito à herança, nas mesmas condições previstas para os casos de união estável (ou seja, na falta de descendentes e ascendentes). Também lhe assistiria o direito ao seguro social, como dependente na esfera previdenciária, desconto no imposto de renda, proteção da moradia comum como “bem de família” etc.

Novos e revolucionários rumos, que se projetam, em indisfarçável modificação ao tradicional conceito jurídico de família, já bem alargado com o reconhecimento, desde a Constituição Federal de 1988, da família natural e daquela constituída pela união estável entre o homem e a mulher. Daí, para a regulamentação da união entre homossexuais, um passo mais difícil e complicado, por ora bem distante, já se viu, da propalada atribuição judicial de direito de herança entre eles.

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