TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS PERANTE A ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA

Uma questão que gera polêmica no meio jurídico nacional é a de saber qual o tratamento dispensado pela Constituição Federal de 1988 aos tratados internacionais de Direitos Humanos.
Quanto ao tratamento jurídico dado por um ordenamento jurídico aos tratados internacionais de Direitos Humanos, temos três possibilidades: 1) os tratados internacionais de Direitos Humanos são considerados leis ordinárias, de hierarquia infraconstitucional, estando sujeitos ao controle interno de constitucionalidade; 2) os tratados internacionais de Direitos Humanos são considerados emendas constitucionais, onde recebem o mesmo tratamento jurídico que aquelas quanto ao procedimento de incorporação ao ordenamento jurídico interno, e quanto à matéria a ser tratada; e 3) os tratados internacionais de Direitos Humanos são considerados normas supra-constitucionais, de hierarquia maior que a Constituição, de modo a derrogar os dispositivos constitucionais com eles incompatíveis.
No caso brasileiro, atualmente, discute-se na doutrina e jurisprudência qual destas posições deve ser a dos tratados internacionais de Direitos Humanos perante o nosso Ordenamento Jurídico.
Para alguns – e aqui inclui-se o professor Alexandre Coutinho Pagliarini -, pelo disposto no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, os tratados internacionais de Direitos Humanos teriam status constitucional. Por outras palavras, apesar de os tratados internacionais – de maneira geral – serem, por força constitucional, de hierarquia igual à das leis ordinárias, os tratados internacionais que versem sobre matéria de Direitos Humanos deveriam ser considerados como se fossem dispositivos constitucionais, revogando-se leis ordinárias, ou até mesmo derrogando dispositivos constitucionais com eles incompatíveis.
Assim, pelo princípio hermenêutico da ótima concretização da norma constitucional, chegar-se-ia à conclusão de que o próprio Poder Constituinte estabeleceu uma facilidade e proteção especial aos tratados internacionais que versem sobre questões relativas aos Direitos Humanos, os quais deveriam ser considerados como parte integrante do rol de direitos constitucionalmente expressos.
Para outros – e aqui se inclui a jurisprudência do STF – os tratados internacionais de Direitos Humanos deveriam receber tratamento igual ao dispensado a qualquer outro tratado internacional, ou seja, seriam considerados como possuidores de hierarquia infraconstitucional de mesmo grau que as leis ordinárias.
Face a estas duas posições distintas, estabelecidas no direito pátrio, cumpre assinalar que nos posicionamos de acordo com a corrente defendida pelo STF, a qual acertadamente entende que os tratados internacionais de Direitos Humanos possuem hierarquia infraconstitucional de nível igual às leis ordinárias.
Defendemos esta posição alegando, em princípio, que o trâmite para aprovação de um tratado internacional – e aqui não há distinção entre ser, ou não ser, um tratado sobre Direitos Humanos – é diferente do trâmite de votação de Emenda Constitucional, sendo de aprovação muito mais simplificada que esta.
Assim, em se considerando um tratado internacional de Direitos Humanos como possuindo status constitucional, estar-se-ia violando o quorum necessário à aprovação de Emenda Constitucional, estabelecido pela Constituição Federal.
Por outro lado, apesar de concordar que é necessária uma especial proteção aos Direitos Humanos, e que a Constituição deveria encampar esta obrigação, facilitando a adequação da ordem jurídica interna aos tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil faça parte, não consigo vislumbrar no parágrafo 2º do artigo 5º a autorização – e muito menos a ordem – de se considerar um tratado internacional de Direitos Humanos como possuindo status constitucional.
O referido dispositivo constitucional afirma que:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Assim, reafirmo que não consigo ler, no citado dispositivo, o mandamento desejado – por mim e – pela corrente contrária.
Apesar do princípio hermenêutico da ótima concretização da norma constitucional, devemos lembrar que toda e qualquer hermenêutica deve começar, e ter por limites, a simples letra da lei (os diversos autores são unânimes a respeito).
Assim, o que a Constituição afirma é que, os direitos e garantias constitucionalmente expressos não excluem outros que não estejam elencados na Constituição.
A idéia de não-exclusão é completamente diferente da idéia de inclusão.
Não-exclusão significa que é possível que existam outros direitos – constitucionais, ou não – não-expressos pela Constituição, sem entretanto afirmar que estes seriam necessariamente parte da Constituição.
Enquanto que, por outro lado, inclusão significa que os direitos oriundos de tratados internacionais de Direitos Humanos estejam, necessariamente, incluídos dentro do rol de direitos constitucionalmente garantidos.
O que se desejou com tal dispositivo é apenas evitar que alguns pudessem defender a idéia equivocada de que se algum novo direito – oriundo de norma infraconstitucional (tratado internacional de Direitos Humanos, ou não) – que não tivesse qualquer relação direta com os “direitos e garantias expressos nesta Constituição” fosse considerado como inconstitucional justamente por não estar expresso na Constituição Federal; o que é bem diferente de se desejar conceder status constitucional a uma modalidade específica de tratados internacionais.
É claro que poderão condenar este entendimento, afirmando que a Constituição não precisaria dizer o que diz para garantir esta conseqüência. Porém, deve-se considerar qual o momento histórico vivido pelo Congresso Constituinte cujos trabalhos resultaram na Carta Magna de 1988.
Naquela época o país estava se libertando de uma ditadura militar que se estendia desde a década de 60, onde – ao menos na prática – não existia – a critério do governo – presunção de inocência, muito menos direitos de menor importância – se é que se pode falar em hierarquia entre direitos diferentes – que não estivessem expressos na Constituição Federal.
Diante deste quadro que se encerrava – esperamos que de forma definitiva na história do Brasil – a Comissão Afonso Arinos, designada para apresentar estudos jurídicos que servissem de base à elaboração da nova Constituição, que desejava deixar bem claro o repúdio pelas práticas ditatoriais passadas, chegou a ter o resultado de seus trabalhos taxado de preconceituoso por um de seus integrantes (o prof. Ney Prado), que chegou a escrever em livro que “…o Anteprojeto é: Preconceituoso: porque se preocupou em demasia com o passado, obstinando-se em contrariá-lo” (in Os notáveis erros dos notáveis, 1ª ed. Editora Forense, 1987, pág. 5).
Uma vez que o Congresso Constituinte chegou a repetir os “erros” (segundo entendimento do referido prof. Ney Prado) da Comissão dos Notáveis – como ficou conhecida a Comissão Afonso Arinos, dada a importância de seus membros – o preconceito acabou por fazer parte da Constituição de 1988; tanto que, em outro livro, o mesmo autor chegou a afirmar que “não obstante toda nossa expectativa e esperança de que os constituintes de 1988 houvessem aprendido com nossos erros, lamentavelmente, a Carta Constitucional elaborada por eles acabou por repeti-los, quando não agravá-los!…” (in Razões das virtudes e vícios da Constituição de 1988, 1ª ed. Editora Inconfidentes, 1994, pág. 6).
Assim, é fácil concluir que a intenção do legislador foi realmente a apontada acima, no sentido de romper-se com o passado de trevas que reinava no país, apontando a simples possibilidade de existência de direitos que pudessem ser criados posteriormente à promulgação da Constituição Federal sem que estes direitos pudessem ser taxados de inconstitucionais apenas por não haver qualquer tipo de previsão constitucional.
Este é o sentido da lei, não podendo contrariá-lo sem, no mínimo, destruir a segurança jurídica que se espera de nosso ordenamento jurídico.
Por outro lado – como defensor intransigente dos Direitos Humanos que sou, afirmo que -, cumpre lembrar que, apesar de ser norma infraconstitucional, os tratados internacionais sobre Direitos Humanos, à exemplo dos dispositivos protegidos pelo artigo 60, § 4º, inciso IV (Cláusula pétrea sobre direitos e garantias individuais), também não podem ser alterados no sentido de diminuir-se os direitos por eles protegidos.
A explicação é simples.
O que são Direitos Humanos?
De forma rápida, e de maneira superficial, podemos defini-los como sendo direitos inerentes ao ser humano, derivados de sua condição de ser humano, ou, por outras palavras, direitos intrínsecos ao ser humano. São, no dizer de João Baptista Herkenhoff, direitos que a ordem jurídica tem o dever de garantir e proteger.
Assim, os Direitos Humanos dizem respeito aos direitos ligados à personalidade e à individualidade do ser humano, enquanto ser humano.
São, conforme defendido desde Rousseau, direitos dos quais não podemos abrir mão sem igualmente abrir mão de nossa condição de seres humanos.
Assim, se não posso abrir mão de meus direitos sem concomitantemente abrir mão de minha condição de ser humano, sou impedido pelo Estado – cuja função é promover o meu bem pessoal na medida em que este seja compatível com bem comum – de abrir mão destes direitos.
Daí surge a teoria da irrevogabilidade dos Direitos Humanos, de forma que se não se pode revogar os Direitos Humanos – quer seja na esfera internacional, quer seja na esfera nacional – então a conclusão a que se chega é que, apesar de ser norma de hierarquia infraconstitucional, o tratado internacional sobre Direitos Humanos não pode ter seu conteúdo alterado no sentido de “enfraquecer” qualquer de seus direitos e/ou garantias. Tornar-se-iam verdadeiras cláusulas pétreas infraconstitucionais, cuja alteração não seria possível, nem mesmo por Emenda Constitucional.

Autor: Enéas Castilho Chiarini Júnior Fonte: Infojus

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