Tognolli examina limites ao jornalismo de investigação no país

Claudio Julio Tognolli*

Não há acaso, nós é que desconhecemos o princípio da causalidade, notou Jorge Luis Borges. Se crermos sincera essa petição de princípios, ganha alta octanagem filosofal, digamos, a descoberta do professor Rosental Calmon Alves, da Universidade de Austin, Texas.

Rosental nota que o jornalista Tim Lopes foi assassinado no mesmo dia, 26 anos depois, do assassinato do jornalista norte-americano Don Bolles. Rosental explica assim:

“Quando o repórter Don Bolles morreu em 1976, na explosão de um carro-bomba, em Phoenix, no Arizona, a reação de toda a imprensa americana foi forte e imediata, num orquestrado esforço para que não se permitisse passar à bandidagem o sinal de que um crime contra jornalista era apenas mais um crime. A reação incluiu a mobilização de uma equipe de 40 repórteres, cedidos por vários jornais. Eles foram para Phoenix e durante três meses levaram a cabo o “Projeto Arizona”, com o objetivo de continuar com as investigações de crime e corrupção que estavam sendo feitas por Don Bolles, e que levaram os bandidos a assassiná-lo. As 23 reportagens que resultaram desse esforço foram publicadas em todo o país e mostraram aos criminosos que em vez de intimidar ou silenciar a imprensa, como eles devem ter pensado que ocorreria, o assassínio de Bolles teve um efeito oposto.

Também é importante notar que o caso de Bolles e o “Projeto Arizona” serviram para consolidar a organização Investigative Reporters & Editors (IRE) que, naquele momento, ainda era um tímido esforço de um pequeno grupo para unir jornalistas de todo o país dedicados à investigação. A IRE foi o catalisador dos esforços que resultaram no “Projeto Arizona” e, a partir daí, a organização cresceu e tornou-se um importante centro de apoio para repórteres e editores dos Estados Unidos e de outros países que se dedicam ao que o nosso Tim fazia melhor: investigar aquilo que outros querem ocultar dos olhos fiscalizadores da sociedade”.

A formação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, há quinze dias em São Paulo, é a ponte imaginária que liga os dois casos. É chegada a hora em que jornalistas dados à investigação passem a trocar informações e apoio.

Nos anos 70, no Brasil, quando alguém queria aprender jazz, por exemplo, muitos professores davam as aulas de costas. Precisou que alguns músicos norte-americanos passassem a contar suas técnicas em vídeo, au grand complet, para que a prática medievo-católica da omissão cessasse por aqui. O mesmo tem se dado com o jornalismo.

Estrelas da profissão, muito freqüentemente, dão palestras em universidades numa auto-atribuída névoa de magia, auto-louvação, e pitadas específicas de caleidoscopia profissional – algo como “só veio tal história intrincada bater aqui porque sou eu e ela só virou uma grande reportagem porque fui eu quem fiz”.

O caráter da associação é de transparência, de mostrar os caminhos que foram trilhados, e sobretudo, de se discutir os erros. Ainda mais numa época em que as ações cíveis indenizatórias contra jornalistas aumentaram em 500%, nos últimos quatro anos, em levantamento do jornalista Márcio Chaer. Rediscutir caminhos de reportagens traz o mesmo viés ora em voga nas Ciências: refazer o experimento científico é achar novos caminhos.

Estamos falando de cultura, de desenvolvimento, não apenas de jornalismo. Samuel P. Huntington é guia dessa aforisma. Ele nota que, no começo da década de 1960, por exemplo, Gana e Coréia do Sul tinham níveis comparáveis de PIB per capita. Também recebiam níveis comparáveis de ajuda econômica. “Trinta anos depois, a Coréia do Sul tornou-se um gigante industrial, com a décima quarta economia do mundo, empresas multinacionais, exportação significativa de automóveis, equipamento eletrônico e outros produtos sofisticados, e uma renda per capita quase igual à da Grécia. Além disso, estava no caminho da consolidação de suas instituições democráticas. Nenhuma dessas mudanças ocorrera em Gana, cujo PIB per capita correspondia à décima quinta parta do da Coréia do Sul. Como explicar uma diferença de desenvolvimento tão extraordinária? Sem dúvida muitos fatores entraram em jogo, mas a meu ver grande parte da explicação estava na cultura. Os sul-coreanos valorizavam a frugalidade, o investimento, o trabalho, a educação, a organização e a disciplina. Os ganenses tinham valores diferentes. Em resumo, a cultura é importante.”

Já que jornalismo sério trata do interesse público, vai nisso a feição mais insinuante da nova associação: uma grande discussão das disquisições culturais.

Revista Consultor Jurídico

Claudio Julio Tognolli Repórter especial da Radio Jovem Pan. Professor da ECA-USP e do Unifiam (SP). Consultor de jornalismo da Unesco. Mestre em psicanáise da comunicação e doutor em Filosofia das Ciências.

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