Súmula vinculante e o engesamente do judiciário

Discute-se atualmente a reforma do judiciário. Entre os tópicos do projeto está a Súmula Vinculante, matéria deste texto, ao qual identificarei sua perniciosidade frente às mudanças sociais, estagnação da jurisprudência e a restrição do julgamento ao juiz de primeiro grau.

O juiz de primeiro grau tem o dever de decidir o conflito, primeiramente, com base na fonte imediata do Direito, a lei. O magistrado usará de seu conhecimento de interpretação e hermenêutica para aplicar o Direito de forma justa e legal. Destarte, percebendo que o fato não corresponde ao que a lei positiva expõe, ou que a mesma mostra-se lacunosa, tem a liberdade de decidir usando das fontes secundárias do Direito, aos quais estas, não são emanadas pelo poder legislativo nacional. Assim, apresenta-se sobre as formas da analogia, dos costumes, princípios gerais do Direito(1), da jurisprudência e da doutrina.

A jurisprudência surge da decisão do juiz frente a um caso concreto. Este pode usar aquela, de outro magistrado, para auxiliar em sua decisão. Muitos advogados fazem da jurisprudência o norte de suas petições e a base de suas defesas. Da mesma forma os tribunais, que julgam inúmeros processos, ao decidir os conflitos, fazem as suas jurisprudências. Quando as decisões de um mesmo assunto fazem-se praticamente iguais os tribunais produzem as chamadas súmulas. Faz-se esta um “valioso instrumento, que pode ser invocado pelos advogados como elemento de persuasão” (2). A repetição de outros julgados é solucionada pelas súmulas, ao qual despacha-se o processo com poucas palavras do magistrado, ora, pois esta, já teve seu argumento defendido várias vezes. No caso do juiz de primeira instância, é o argumento mestre de sua sentença, isto se este optar pela súmula.

Conforme Sérgio Sérvulo da Cunha, “…as súmulas são enunciados que, sintetizando as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em relação a determinados temas específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda a comunidade jurídica”.

Cabe lembrar que as súmulas (ainda) não têm caráter obrigatório, apenas auxiliando os operadores do Direito em suas funções. È um respaldo extraordinário para a comunicação e a informação. Diante disto, a súmula é benéfica para o sistema judiciário, mas a imperatividade que se apresenta na reforma do judiciário frente ao vinculo destas súmulas a muitas decisões dos juizes de primeiro grau, estes que estão livres de sentenças com teor político, proferindo-as com visão para a justiça e a legislação pátria. “Os juizes serão estimulados a não pensar e podem se transformar em uma coletividade burocratizada, homogenia e acrítica”(3). Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal antes de um órgão jurídico é um órgão político, sentenciando o que é melhor para a União e seus órgão politizados. È este o mesmo que defende a implantação da Súmula Vinculante, ora pois, interpreta-se que desta forma o STF teria um poder único de interpretação, e desta forma indiretamente legislaria decisões. Ora, o único órgão legisferante, em relação à Magna Carta e legislação infraconstitucional é o Congresso Nacional, dividido em Senado Federal e Câmara dos Deputados. Estes que são eleitos pelo povo, para atuar como seus representantes frente ao poder estatal. Portanto, fica clara a desmoralização das sentenças e da interpretação dos juízes, estes que acompanham de perto o andamento social diante as mudanças que a mesma tem, podendo assim decidir com uma melhor interpretação da lei perante a justiça e as mudanças sociais.

Para reforçar, segundo escreveu o nosso mestre santamariense Carlos Maximiliano, “ Não raro, a obra renovadora parte dos juízes inferiores, por isto mesmo, não há motivo para impor aos magistrados obediência compulsória a jurisprudência superior como faziam diversos tribunais locais mediante advertências e censuras”(4).

Porém a reforma do judiciário nos traz uma proposta benéfica, esta sim, salutar para a diminuição do aglomerado de processos que os Tribunais atualmente recebem. È esta a Súmula Impeditiva.

A súmula Impeditiva de recursos impede a apelação apenas quando a decisão da primeira instância é idêntica à orientação superior, ou seja, o juiz de primeiro grau que adotar uma súmula em sua sentença pode impedir que a mesma “suba” desnecessariamente a tribunais superiores. Ora, o assunto da súmula já, reiteradamente, foi discutido e aprovado como o padrão de decisão. Portanto, ao contrário da Súmula Vinculante, a Súmula Impeditiva dá poderes para os juizes decidir com base na lei e na sua criatividade de solucionar assuntos divergentes. Se a decisão for a mesma dos tribunais superiores, o juiz aplica a referida para que não haja trânsito desnecessário de processos.

Havemos a diferença entre as duas propostas de súmulas comentadas:

A Súmula Vinculante, que consta no projeto de reforma do judiciário, obrigará os juizes de instâncias inferiores a seguir as decisões sumuladas de tribunais superiores, sem poder, no ponto, ser interposta pelas partes quaisquer recurso.

A Súmula Impeditiva estabelecerá que o juiz não estará obrigado a seguir as decisões sumuladas ou consolidadas na instância superior, i.e., não sendo vinculadas. Assim, as decisões serão baseadas em súmulas, mas não vinculante.

Concluindo, a reforma do judiciário vem em boa hora. Muitas das propostas já deveriam ter sido aplicadas há muito tempo. Mas é importante a análise detalhada de certos itens, que podem levar o judiciário a um engessamento de decisões. A sociedade é dinâmica e flui ao passar dos anos. Destarte, o juiz é a ligação entre o fato e a lei. Com a súmula vinculante em vigor, o juiz tornar-se-á um mero despachante de papéis e a nossa liberdade estará a mercê de institutos politizados e com decisões unilaterais.

“Penso que todos nós, como advogados e cidadãos, devemos pôr a imaginação a funcionar, ajudando a debelar a crise do Poder Judiciário para que este possa atender às necessidade e aos reclamos da sociedade. Súmulas, sim, mas não vinculantes, e outras providências que dêm aos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores os meios de tornar possível e viável o seu funcionamento normal sem sacrifício dos seus juízes”. Evandro Lins e Silva.

* Marlon William Schirrmann
Acadêmico de Direito da Universidade Luterana do Brasil, Campus Santa Maria (RS), escritor e poeta.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?