Remédios, Liminares e Aids

Marcelo Turra

REMÉDIOS, LIMINARES E AIDS

Autor: *Marcelo Turra
Data: 16/novembro/96
“Um minuto,
um minuto de esperança
E depois tudo acaba.
E toda a crença, em ossos, já se esvai.
Só resta a mansa decisão entre morte e indiferença.”
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Pela primeira vez o Judiciário no Rio de Janeiro concedeu a um doente de AIDS o direito a tratamento com drogas de última geração.

A decisão, proferida no último dia 03 de setembro, obrigou a Secretaria de Saúde a fornecer medicamento necessário ao tratamento de um portador do HIV, uma vez não dispondo o mesmo de condições econômicas suficientes para adquirir o remédio.

A propositura de uma ação cautelar, com pedido de liminar, comprovando a dificuldade em adquirir os novos medicamentos, chamados inibidores de protease, bem assim a real necessidade de sua utilização foram suficientes para que uma decisão favorável fosse proferida.

Requisito primordial para a propositura da referida ação judicial é a impossibilidade, comprovada, de aquisição dos referidos medicamentos, seja pelo fato de os mesmos ainda não estarem disponíveis nos postos de saúde ou mesmo ante a impossibilidade de serem comprados pelo próprio paciente necessitado de utilizá-los.

Os inibidores de protease interferem na última fase da multiplicação do vírus HIV, que causa a AIDS. Descobertos recentemente, tais medicamentos trouxeram, para milhões de pessoas portadoras do HIV e doentes de AIDS, esperanças e a possibilidade de descartar a idéia da morte inevitável, aumentando a qualidade de vida daqueles que os tomam.

Pesquisas demonstram que estes remédios – combinados com outros antivirais – reduzem 99% da quantidade de vírus no sangue, pelo menos no início do tratamento.

Os remédios mais antigos, como o AZT e o 3TC, atacam o vírus em sua fase inicial. Os inibidores de protease atacam o vírus em sua fase de amadurecimento. Por isto é que a combinação dos remédios é mais eficaz no combate à doença.

Por outro lado se usados isoladamente, os inibidores de protease podem ser vencidos pela resistência do HIV.

Ocorre que tais medicamentos têm valores extremamente onerosos – em média de 300 a 500 reais, frascos que duram 1 mês – inviáveis de serem adquiridos por muitas pessoas portadoras do HIV e doentes de AIDS.

Tudo estaria muito bem se estas pessoas pudessem aguardar a burocracia estatal – a interminável licitação para a aquisição destes medicamentos, o prazo dispendido pelos laboratórios para o início da entrega dos mesmos e seu posterior repasse aos estados da Federação.

Mas não podem. De maneira alguma, não podem.

Antes da pioneira decisão fluminense o I. Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública Central no Estado de São Paulo entendeu, da mesma forma, por deferir medida liminar no sentido de obrigar o Estado de São Paulo a fornecer, sempre quando deles precisassem, os medicamentos necessários ao tratamento da SIDA/AIDS dos postulantes de semelhante ação cautelar.

Entendeu aquele magistrado que seria postulado básico e pressuposto de todos os demais direitos e garantias fundamentais, a inviolabilidade do direito à vida, explicitada no art. 5º da Constituição Federal não podendo, o mesmo, ser tomado como mero princípio de valor destituído de eficácia.

Ainda na Carta Magna, insere-se a norma do art. 196, pela qual : ” a saúde é direito de todos e dever do Estado”, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua proteção. O sistema único de saúde vem previsto no art. 198, trazendo como diretriz o atendimento integral, inclusive farmacêutico.

No Rio de Janeiro, após aquela inédita decisão de setembro, vários outros entendimentos semelhantes foram proferidos, no sentido de afirmar que o bem jurídico em questão – aquele efetivamente protegido – seria a própria vida, insuscetível de substituição ou reparação posterior.

O sofrimento, as privações, as dificuldades de sobrevivência face a malsinada moléstia podendo, a qualquer momento, vir os requerentes a falecerem, ensejariam, da mesma forma, a propositura da medida heróica, objetivando, em linhas gerais, a garantia de terem eles os medicamentos necessários aos seus tratamentos.

A saúde é um direito assegurado pela Constituição, dado que inerente à vida.

Não falta, por outro lado, amparo jurídico a pretensão daqueles que procuram socorro no Judiciário, de discutir, em ação própria, o dever do Estado de prover os doentes de moléstia fatal do imprescindível medicamento.

Em que pese o recente noticiário trazer informações acerca da compra, pelo Ministério da Saúde, dos três inibidores de protease existentes para o tratamento da AIDS noticiando, incluisve, que em trinta dias tais medicamentos deverão estar disponíveis nos hospitais credenciados, as ações cautelares ainda continuam sendo propostas, decidindo o Judiciário de forma uníssona favoravelmente aos postulantes, abrindo importante precedente na questão da garantia da saúde dos cidadãos, independentemente da moléstia que portam.

* O autor é professor de Direito das Faculdades Integradas Candido Mendes Ipanema e advogado no Rio de Janeiro

e-mail: mturra@marlin.com.br

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