Quando a analogia suplanta a norma jurídica

Evaldo Salles Adorno

As normas jurídicas pátrias sofrem de um mal que atrapalham, em demasia, a aplicação do Direito nos casos concretos, qual seja, a lentidão do Poder Legislativo em editar as Normas Jurídicas necessárias a evolução da sociedade.
Nos primeiros dias nos bancos acadêmicos, aprendemos que “Direito é uma Ciência Social e como tal deve evoluir na velocidade desta”, porém isto na realidade não ocorre. Tal assertiva fica claramente demonstrada com a demora para a aprovação do novo Código Civil que levou, ‘apenas’, mais de vinte anos para ser aprovado e o novo Código Penal, que tramita no Legislativo pelo mesmo período.
Outra legislação que já está por demais atrasada é a relativa aos crimes na Internet ou “cybercrimes”, que multiplicam-se de maneira assustadora enquanto nosso tribunais se desdobram em aplicar nossa legislação, por analogia, nestes casos.
Aqui cabe uma reflexão, seria a analogia capaz de suplantar a norma ou o preceito constitucional que define que ninguém será punido sem que haja norma que defina sua atitude como crime?
Nessa área surge uma importante indagação: “Spam” é um meio de publicidade ou um crime?
Hoje há um posicionamento de nossos doutrinadores e de alguns juristas defendendo a tese que “SPAM” é crime. Para entrarmos nessa discussão, vamos transcrever algumas definições de “SPAM”:
Para o Movimento Anti-Spam Brasileiro, temos que . . . no ambiente Internet, ‘spam” significa enviar uma mensagem qualquer para uma grande quantidade de usuários, sem primeiro verificar a utilidade do conteúdo da mensagem para aqueles destinatários. Este procedimento, propiciado pelo baixo custo de envio de mensagem eletrônica, causa inconveniência e custo para o destinatário. (grifo nosso) (texto encontrado no site http://www.antispam.org.br/oquee.html)
A revista WebWorld, em sua edição de outubro de 2.000, em matéria assinada por Gilberto Almeida, professor de Direito da Informática na PUC/RJ, consultor da ANPI, ASSESPRO, FENAINFO e outras e sócio da Martins de Almeida – Advogados traz a seguinte definição:
Da mesma forma como o comércio tradicional não vive sem publicidade, o comércio eletrônico parece não poder viver sem “spamming”, o envio não autorizado de mala direta via Internet. Segundo pesquisa nos EUA, 30% dos e-mails que circulam naquele país corresponde a publicidade não solicitada, 90% dos usuários recebem ao menos um “spam” por semana, e 50% recebem ao menos um “spam” diariamente. Isso obriga a que os usuários gastem mais tempo no uso da Internet, lidando com o que muitas vezes considerarão “lixo eletrônico”. De um lado, o interesse econômico de quem envia; de outro, a privacidade de quem recebe. Mas e para a lei, o que deve prevalecer?
Essa pergunta tem sido feita nos EUA, na Europa e no Brasil. Há várias leis, projetos de leis e há alguma jurisprudência a observar em meio à mudança de modelo da primeira para a segunda geração da Internet. Esta última baseia-se mais intensivamente na sustentabilidade comercial, o que torna o “spam” praticamente uma necessidade. Ou seja, o contexto econômico faz com que a questão deixe de ser “spam” ou não “spam”, e passe a ser como fazê-lo.
Nesse sentido, as regras começaram a ser baixadas a partir de leis estaduais norte-americanas (especialmente na Califórnia e Washington, em 1998), que formalizaram um suposto equilíbrio entre os interesses de comerciantes e de usuários. O que diziam? Basicamente, que para o “spam” ser válido, deve respeitar certas condições, tais como: 1) não dissimular o propósito comercial; 2) identificar com veracidade e clareza quem é o remetente; e 3) habilitar o usuário a facilmente solicitar sua exclusão do cadastro da lista de distribuição.
Essas leis têm sido aplicadas na prática? Sim, por exemplo na ação judicial movida pelo provedor Tidbits e seus usuários contra a “spammer” Worldtouch, que desrespeitou as regras acima e enviou o “spam” 35 vezes para cada usuário, tendo sido condenada a pagar US$ 1.000 por cada violação para o provedor e US$ 500 por cada violação para os usuários. Fora da Justiça, tais leis estimulam acordos de cessação de práticas, como o fechado entre o “spammer” Canter & Siegel e o provedor PSI. Também as autoridades se servem de tais regras, como a FTC, que mandou suspender a “pirâmide” Fortuna Alliance.
Do lado da Europa, a situação é hoje semelhante, pois um acordo negociado com os EUA tem procurado harmonizar as regras de ambos, instituindo, em comum, o conceito de “safe harbor”, que alcança tanto os “cookies” (comentados em nossa coluna de setembro) como o “spam”. Na realidade, tal sistema (refletido também na Diretiva européia relacionada a comércio eletrônico) segue as recomendações da OECD contidas nas “Guidelines for Consumer Protection in the Context of Electronic Commerce”, de 1999, que já buscavam a proteção do consumidor online, defendendo, por exemplo, a adoção de mecanismos que permitam ao usuário previamente escolher a opção de não receber “spam”.
Agora voltemos ao nosso questionamento simples: SPAM é um crime ou um meio de publicidade?
A priori parece-nos que o SPAM é mais um meio de publicidade que requer sim regulamentação, como está sendo feito na Europa, onde a União Européia criou uma Comissão para definir qual o melhor método para o envio de mensagens comercias em todos seus membros, conforme se depreende do texto abaixo transcrito (texto extraído do site http://pitbol.bol.com.br/boletim_spam2.html), a saber:
SPAM está a um passo de ser aprovado na Europa
Mais uma derrota na batalha contra o SPAM. Dessa vez foi na Europa. Um comitê reunido em Bruxelas, capital da Bélgica, iria decidir qual o melhor método para o envio de mensagens comerciais em toda a União Européia. E o padrão escolhido acabou sendo o que favorece o SPAM.
Na maioria dos países europeus e do mundo, o sistema usado é o “opt-out”, em que a pessoa que recebeu o SPAM pode pedir para não receber mais as mensagens. Já outros países adotaram o “opt-in”, em que a pessoa que quer receber a mensagem tem de solicitar sua inclusão na lista.
O “opt-in” é o modelo defendido pelos que lutam contra o envio do SPAM, pois só estariam nas listas para o envio das mensagens comerciais quem realmente quer recebê-las. O “opt-in” também ajuda a diminuir a quantidade de SPAM enviado por mensagens de texto no celular. Esse problema já atinge milhares de pessoas, que recebem mensagens em seus aparelhos numa quantidade cada vez maior.
Como a maioria dos países pedia o padrão “opt-out”, o comitê decidiu pela sua adoção em todo o continente. Essa decisão terá muita influência no parecer que o Parlamento Europeu irá divulgar sobre o assunto em setembro. Se o Parlamento aprovar, o sistema “opt-out” terá validade legal em toda a Europa. É muito difícil que o Parlamento não aceite a posição adotada em Bruxelas.
Até lá, as empresas européias podem enviar as mensagens sem o usuário solicitar, oferecendo a alternativa de ele pedir para não receber mais o e-mail. Essas empresas preferem o envio pelo sistema “opt-out” para não ficarem em desvantagem em relação às empresas que não precisam seguir as normas européias.
Com essa medida, perderam muitos grupos que queriam minimizar a ação dos “spammers”, inclusive associações de provedores que tentavam banir a utilização do SPAM na Europa
Esse direcionamento, que deverá ser seguido por outros países que não fazem parte da União Européia, demonstra claramente que “Spam” é uma forma de publicidade, indo no sentido contrário a orientação de alguns doutrinadores pátrios pois, segundo estes, podemos facilmente chegar a conclusão de que os anúncios publicitários inseridos nas grades de programação das emissoras de rádio, televisão e outros meios de mídia deveriam ser considerados como “Spam”, pois ninguém solicita que seu programa favorito seja interrompido pelas campanhas publicitárias e muito menos recorre ao judiciário para que estas não sejam transmitidas.
Em um caso recente um advogado de Mato Grosso do Sul interpôs uma ação de indenização por danos materiais e morais contra uma empresa que enviou-lhe um “Spam” que demonstrava os seus produtos que no caso em epígrafe eram balanças que, segundo a exordial, “o autor sequer tem interesse nesses equipamentos”. Em outro trecho da peça vestibular o autor diz, … “para receber o spam, o internauta é forçado a pagar seu provedor de acesso à internet, ter o dispensável trabalho de selecionar a mensagem e por fim ter que apagar o inútil arquivo recebido. Some-se a isso a conta da companhia elétrica…” (grifo nosso)
Refletindo sobre este assunto cabem pequenos questionamentos:
A) Se o autor da ação tivesse interesse nas balanças não seria “Spam”?

B) Quantos anúncios de balanças, portas e tantos outros que não nos interessam, mas que serão úteis a terceiros, são apresentados diariamente nas televisões?

C) Se considerarmos a publicidade como “Spam”, não teremos os mesmos gastos com a TV ou o Rádio?

A luz do raciocínio lógico, chegamos a conclusão que o “SPAM” é uma nova forma de publicidade, que deve ser regulamentada por legislação própria, mas que não pode ser simplesmente descartada, colocando o emissor da mensagem de publicidade ou “Spammer” como criminoso quando, na realidade, trata-se de um empresário tentando apresentar seus produtos a possíveis compradores, como em todas as outras formas de mídia.
Utilizar-se de analogia para dizer que o “Spammer” é um criminoso, baseando-se no caput do art. 547 do Código Civil, in fine, é imponderável, senão vejamos:
Art.547 – Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, mas tem direito à indenização. Não o terá, porém, se procedeu de má-fé, caso em que poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar os prejuízos.
Essa argumentação não pode prosperar, visto que, a um simples apertar do botão, pode o recebedor da publicidade excluí-la, não gerando danos e nem ocupando espaço em seu disco rígido.
Outra argumentação utilizada por nossos pares é baseada no art. 6º da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, a seguir transcrito:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

Fica evidente que “Spam” não caracteriza método abusivo de publicidade e muito menos, métodos comerciais coercitivos ou desleais, não incidindo o “Spammer” nas práticas descritas no artigo em epígrafe, visto que, a empresa se identifica e permite que ao receber o “Spam”, o usuário possa apenas clicando em determinado campo, interagindo automaticamente com o “software” do emissor, excluir seu nome diretamente da lista.
Assim, é necessário abrirmos a discussão, de maneira clara, sobre a legitimidade do “Spam”, suas formas e sua regulamentação, evitando danos posteriores e principalmente não permitindo a criação de 78 uma nova figura em nosso ordenamento jurídico, permitindo que, por analogia, condenemos e caracterizemos como crime algo que não foi descrito em nossa legislação.

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