O reconhecimento da liberdade sindical como um dos direitos humanos fundamentais

Maria Regina Muniz Guedes Matta Machado

“Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.”
Declaração Universal dos Direitos do Homem – 1948

1. INTRODUÇÃO

Tratando de investigar a existência do reconhecimento da liberdade sindical como um dos direitos humanos fundamentais, face a importância dos direitos dos trabalhadores de livremente organizar sindicatos com autonomia perante o Estado e os empregadores, assim como de executar os direitos inerentes à atuação das aludidas organizações, quais sejam, os direitos sindicais9, iniciamos nosso estudo a partir da premissa de que o ser humano, “animal” racional, dotado de vontade – capacidade de agir livremente, possui direitos sem os quais não consegue existir, “ser” plenamente.

Quando não os tem, na prática reconhecidos e assegurados, torna-se incapaz de desenvolver e participar da vida, em sua mais ampla concepção.

Assim, os direitos humanos fundamentais correspondem às necessidades essenciais dos seres humanos.

2. EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS

Consideramos para o estudo da evolução da formação das declarações dos direitos a síntese de Norberto Bobbio2 que a divide em três fases: a das teorias filosóficas, a das Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos e da Revolução Francesa e, por fim, a da Declaração Universal de 1948.

Assim, conclui o autor que na primeira fase – das teorias filosóficas, a liberdade e a igualdade dos homens são ideais a serem perseguidos, porquanto ainda não são fatos; não são uma existência, mas um valor, não são um ser, mas um dever ser:
“Enquanto teorias filosóficas, as primeiras afirmações dos direitos do homem são pura e simplesmente e expressão de uma pensamento individual: são universais em relação ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua eficácia, na medida em que são (na melhor das hipóteses) propostas para um futuro legislador.”

Na segunda fase nos deparamos com os direitos do homem enquanto ponto de partida para a criação de um sistema de direitos positivos ou efetivos:
“Consiste, portanto, na passagem da teoria à prática, do direito somente pensado para o direito realizado. Nessa passagem, a afirmação dos direitos do homem ganha em concreticidade, mas perde em universalidade. Os direitos são doravante protegidos (ou seja, são autênticos direitos positivos), mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece.”

Em sua terceira fase, a afirmação dos direitos do homem é, paralelamente, universal e positiva:
“Universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém, efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. No final deste processo, os direitos dos cidadãos terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem.”

Desse modo, podemos afirmar sumariamente que, em um primeiro momento os direitos do homem surgem como direitos naturais, evoluem como direitos positivos particulares e, finalmente, findam por encontrar sua total realização como direitos positivos universais, caminho que ainda trilhamos nos nossos dias.

3. VISUALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PÁTRIA

No título destinado aos “Princípios Fundamentais”, dispõe a atual Constituição Federal no inciso II do artigo 4º que o país “rege-se nas suas relações internacionais”, dentre outros, pelo princípio da “prevalência dos direitos humanos”. Ao lado, o parágrafo 2º do artigo 5º confere plena vigência aos direitos e garantias decorrentes dos “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Pedro Dallari4 ajuda-nos a interpretar os dispositivos constitucionais retro, quando combinados, explicando-nos que a prevalência dos direitos humanos, como “norte” das relações exteriores do Brasil e fundamento colimado pelo país para a regência da ordem internacional, marca a existência de instrumento que busca dar coerência à sustentação do princípio constitucional de relações exteriores e, assim, torna possível ao Brasil intervir no âmbito da comunidade internacional não somente para defender a assunção de tal princípio, mas, especialmente, em um grau mais alto, dar-lhe materialidade efetiva.

Assim, podemos concluir que no Brasil, a proteção dos direitos fundamentais do homem é considerada assunto de legítimo interesse internacional, pelo fato de dizer respeito a toda a humanidade, conclusão decorrente do reconhecimento pátrio da não ingerência em assuntos internos.

4. LIBERDADE SINDICAL

Como decorrência do direito de reunião e de coalizão, temos o direito à liberdade sindical que, segundo ensina Amaury Mascaro Nascimento9, ” é expressão que tem mais de uma acepção. Significa a liberdade de organizar sindicatos para a defesa dos interesses coletivos, segundo um princípio de autonomia coletiva que deve presidir os sistemas jurídicos trabalhistas. Liberdade sindical significa também a posição do Estado perante o sindicalismo, respeitando-o como uma manifestação dos grupos sociais, sem interferências maiores na sua atividade enquanto em conformidade com o interesse comum. Nesse caso, liberdade sindical é o livre exercício dos direitos sindicais.”

5. O SURGIMENTO DOS DIREITOS SOCIAIS

Como aludido no tópico que tratamos da evolução da formação das declarações de direitos, aqueles relativos ao século XVIII se constituíam em documentos que objetivavam realizar os direitos naturais do homem5.

O Estado violador – contra o qual se erguem os direitos fundamentais da etapa inicial – passa a encarnar também o papel de Estado garantidor, a medida em que se podem realizar direitos fundamentais que passaram a se chamar sociais, dentre os quais encontramos a liberdade sindical7.

Assim, o surgimento dos direitos sociais foi conseqüência da inadequação histórica do sistema liberal que alterou a direção e a intensidade da competência do Estado perante os direitos fundamentais.

Após a Segunda Guerra Mundial, a liberdade sindical passa a ser mais detidamente tratada e incluída em vários textos internacionais, valendo destacar dois pactos da Organização das Nações Unidas, relativos aos direitos civis e políticos e aos direitos econômicos, sociais e culturais.

Quanto ao pacto dos direitos civis e políticos, podemos afirmar que cuida das liberdades individuais que o Estado deve respeitar e, no que tange ao pacto dos direitos econômicos e sociais, refere-se às prestações que a sociedade deve fornecer a seus membros, em particular aos trabalhadores.

6. O DIREITO INTERNACIONAL E A INCORPORAÇÃO AO DIREITO INTERNO

Após a Segunda Guerra Mundial, os textos internacionais passaram a abordar a liberdade sindical de modo amplo, sendo sabido que, regularmente ratificados, os tratados, a partir de sua respectiva vigência, devem compor a ordem jurídica de cada Estado-parte.

Vale apontar que ao direito internacional não importa o método escolhido pelo Estado para recepcionar a norma convencional em seu ordenamento jurídico; basta que seu conteúdo seja cumprido.

No Brasil, ratificado e promulgado determinado tratado internacional, a conseqüência é a incorporação de suas normas e prescrições ao direito interno.

Como a publicação é ato indispensável para o tratado ser aplicado internamente, publica-se o decreto legislativo no qual o Congresso Nacional aprovou o tratado e, também, o decreto do Poder Executivo em que ele é promulgado, devendo o texto do tratado acompanhar o decreto de promulgação. Mencionada publicação é feita no Diário Oficial. Ensina J. F. Resek11 que apesar do tratado ter sido produzido em foro diverso das fontes legislativas domésticas, não guarda distinção, enquanto norma jurídica, dos diplomas legais que destas emanam.

Nossa Constituição Federal equipara à lei federal o tratado, ao atribuir, em seu artigo 105, ao Supremo Tribunal de Justiça, competência para “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência.” (inciso III, alínea “a”).

Quanto a liberdade sindical, temos que as normas internacionais sobre a questão, costumeiramente, não se originam de acordos bilaterais, mas sim multilaterais, valendo destacar as Normas Universais da Organização das Nações Unidas, as Normas Universais da Organização Internacional do Trabalho, as Normas Reginais Americanas e, por fim, as Normas Regionais Européias. Dentre elas, destacaremos as duas categorias primeiramente citadas:

6.1 NORMAS UNIVERSAIS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

A liberdade sindical consta de modo expresso, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948:
“Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.” (artigo 23.4).

Derivam da Declaração Universal os Pactos Internacionais sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966, com vigência a partir de 03.01.1976, e sobre os Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966, com vigência a partir de 23.031976.

No nosso país, o Congresso Nacional aprovou os dois pactos retro mencionados, por meio, respectivamente, do Decreto Legislativo nº 226, de 12.12.1991, que foi promulgado pelo Decreto nº 591, de 06.07.1992 e do Decreto Legislativo nº 226, de 12.12.1991, que foi promulgado pelo Decreto nº 592, de dezembro de 1992.

Em realidade temos que tais textos internacionais adaptam quase que de modo integral as disposições da Convenção nº 87 da OIT, de 1948, sobre liberdade sindical e proteção aos direitos sindicais12.

Vale destacar que o artigo 8º do Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais dispõe que os Estados-partes comprometem-se a garantir:
– o direito de toda pessoa de fundar, juntamente com outras, sindicatos e escolher qual sindicato irá filiar-se, submetendo-se as determinações contidas nos estatutos da organização, com o fim de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício de tal direito somente sofrerá limitações legais necessárias ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias em uma sociedade democrática;
– o direito dos sindicatos de, unidos, formarem federações e confederações de âmbito nacional, bem como de formar organizações sindicais internacionais ou filiar-se às mesmas;
– o direito dos sindicatos exercerem livremente suas atividades, respeitadas as limitações legais anteriormente apontadas;
– o direito de greve, observadas as determinações emanadas de lei. O artigo ora examinado dispõe que o exercício desse direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da administração pública poderá ser submetido a restrições legais.

Ainda, como determinação final, temos que os Estados-partes da Convenção de 1948 da OIT não podem adotar medidas legislativas que limitem as garantias previstas na mencionada Convenção10.

6.2 NORMAS UNIVERSAIS DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

Observamos que são seis as convenções fundamentais da OIT que tratam da liberdade sindical:
– Convenção nº 87, de 1948, sobre a liberdade sindical e a proteção ao direito sindical;
– Convenção nº 98, de 1949, sobre a aplicação dos princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva;
– Convenção nº 135, de 1971, sobre proteção e facilidades a serem dispensadas a representantes de trabalhadores na empresa;
– Convenção nº 141, de 1975, sobre organizações de trabalhadores rurais e seu papel no desenvolvimento econômico e social;
– Convenção nº 151, de 1978, sobre a proteção do direito de sindicalização e procedimentos para definir as condições de emprego no serviço público;
– Convenção nº 154, de 1981, sobre a promoção da negociação coletiva.

As Recomendações pertinentes são:
– Recomendação nº 91, de 1951, sobre contratos coletivos;
– Recomendação nº 143, de 1971, sobre proteção e facilidades a serem dispensadas a representantes de trabalhadores na empresa;
– Recomendação nº 149, de 1971, sobre organizações de trabalahdores rurais e seu papel no desenvolvimento econômico e social;
– Recomendação nº 159, de 1978, sobre os procedimentos para a definição de emprego no serviço público;
– Recomendação nº 163, de 1981, sobre a promoção da negociação coletiva.

A título de enriquecimento do trabalho ora apresentado, optamos por trazer à baila o ensinamento sempre didático de Arnaldo Lopes Süssekind12 que define os instrumentos da OIT do seguinte modo: as convenções são tratados multilaterais, abertos à ratificação dos Estados-membros que, uma vez ratificadas, integram a respectiva legislação nacional; as recomendações se destinam a sugerir normas que podem ser adotadas por qualquer das fontes diretas ou autônomas do Direito do Trabalho, embora visem, basicamente, o legislador de cada um dos países vinculados à OIT; as resoluções não criam obrigações para os Estados-membros, e concernem quase sempre a questões não incluídas na ordem do dia da Conferência, que não acarretam qualquer obrigação, ainda que de índole formal, para os Estados-membros, destinando-se a convidar organismos internacionais ou governos nacionais a adotarem medidas nelas preconizadas.

Ensina Amaury Mascaro Nascimento9 que as convenções sobre direitos sindicais encontram-se no grupo das convenções regulamentares, consideradas auto-aplicáveis, ao contrário das de princípios que necessitam de normas complementares para sua efetivação ou mesmo das promocionais que apenas fixam objetivos a serem alcançados em um certo prazo.

As convenções estão sujeitas a ratificação, porém as recomendações devem ser somente submetidas à autoridade competente para legislar sobre a matéria, tomando a decisão que julgar conveniente. No Brasil a autoridade competente é o Congresso Nacional.

Quanto a vigência das convenções, temos que ela é dita objetiva quando, no âmbito internacional, entra em vigor doze meses a contar da data do depósito da segunda ratificação de Estados-membros junto à RIT; é subjetiva quando, no âmbito interno de cada Estado-membro, entra em vigor após doze meses da data do registro da ratificação ao Diretor Geral da RIT.

Apesar das convenções, no âmbito internacional, terem vigência indeterminada, as ratificações efetuadas podem ser denunciadas após dez anos contados da data da entrada em vigor. Durante mencionados anos, a denúncia é proibida11.

Em 1951 foi criado o Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração, de composição tripartite (nove membros), competente para examinar assuntos pertinentes a liberdade sindical em geral e aos direitos sindicais em particular.

O Brasil, até o momento, apenas não ratificou, dentre as convenções da OIT essenciais sobre a liberdade sindical, a Convenção nº 87.

7. CONCLUSÃO

Como resultado do reconhecimento da liberdade sindical, assim entendida como um dos direitos humanos fundamentais, foi conquistada mais uma das necessidades essenciais dos seres humanos.

Inegavelmente, a liberdade sindical é um direito político, intimamente ligado à história dos movimentos dos trabalhadores para a obtenção de maiores espaços de participação, tendo viabilizado o aparecimento de sindicatos livres e autônomos em relação ao Estado e à contraparte, possibilitando o equilíbrio de poder nas relações de trabalho, e, conseqüentemente, o desenvolvimento do necessário diálogo social em todos os níveis, além da coerente estruturação dos sistemas de relações de trabalho.

BIBLIOGRAFIA

1. BERNARDES, Hugo Gueiros. Direito do Trabalho, Vol. I, São Paulo, LTr Editora, 1989.

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8. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Celso Bastos Editor – IBDC, 1998.

9. NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Direito Sindical, São Paulo, Editora Saraiva, 1991.

10. RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais, São Paulo, RT, 1993.

11. REZEK, J.F.. Direito Internacional Público. Curso Elementar, São Paulo, Editora Saraiva, 1995.

12. SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Direito Internacional do Trabalho, São Paulo, LTr Editora, 1983.

13. VALTICOS, Nicolas. Uma Relação Complexa: Direito do Homem e Direitos Sindicais, in TEIXEIRA FILHO, João de Lima, (cood.) Relações Coletivas do Trabalho. Estudos em Homenagem ao Ministro Arnaldo Süssekind, São Paulo, LTr Editora, 1989.

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