O direito de superfície

Daniel Marques Camargo

Estabelece o artigo 1.369 do Código Civil que “O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis”.
Da análise do artigo se infere que no nosso sistema tão-somente se permite a modalidade temporária, não podendo constituir-se num direito perpétuo, como prevê, exemplificativamente, a legislação lusitana. Não se deve confundir a indeterminação do prazo com a perpetuidade, entre nós expressamente proibida. Também se conclui que o instituto tem aplicabilidade tanto em áreas urbanas quanto rurais.
Substitui de forma mais vantajosa o instituto da enfiteuse. Sua origem é romana, tendo decorrido da necessidade prática de se permitir a construção em solo alheio, principalmente sobre bens públicos. Naquela época, os juízes concediam permissão para que comerciantes instalassem seus negócios sobre as ruas, sendo que o solo permanecia sob poder estatal.
O direito de superfície, que tem grande importância econômico-social, com a sua maior utilização e disseminação, será certamente gerador de empregos, fomentador da construção (especialmente em terrenos ociosos) e da habitação, bem como dinamizador da propriedade, evitando a interferência estatal. Como se vê, trata-se de novidade alvissareira e bem-vinda sob variados enfoques. É instituto benéfico tanto ao proprietário quanto à coletividade.
Conforme bem salientado por Silvio de Salvo Venosa, alguns aspectos marcantes podem ser destacados nesse instituto, que ele considera bastante complexo: 1- há um direito de propriedade do solo, que necessariamente pertence ao fundeiro; 2- há o direito de plantar ou edificar, o chamado direito de implante; 3- há o direito ao cânon, ou pagamento, se a concessão for onerosa.
Após implantada, há que se destacar a propriedade da obra, edificação ou construção, que cabe ao superficiário; a expectativa de aquisição pelo fundeiro e o direito de preferência atribuído ao proprietário ou ao superficiário na hipótese de alienação dos respectivos direitos.
Permite a nova legislação, de forma bastante eficiente, que o proprietário atribua a outrem a conservação do imóvel de sua propriedade, por prazo determinado, mais ou menos longo, sem que o proprietário tenha o encargo de explorá-lo pessoalmente ou manter ali constante vigilância contra a cupidez de terceiros.
O direito de superfície não inclui autorização para fazimento de obras no subsolo, a não ser que tal aspecto seja inerente e ínsito ao objeto da concessão.
Importa reiterar que desempenha importante função social, bastante enfatizada e prevista no novo estatuto substantivo, não só quem constrói e planta, mas também quem mantém plantações ou construções já existentes no terreno de outrem.
Quando a concessão da superfície for onerosa, deverão as partes estipular se o pagamento será feito de uma só vez ou parceladamente, devendo o superficiário responder pelos encargos e tributos incidentes sobre o imóvel, a não ser que de modo diverso se estipule, expressamente. Importante consignar que as partes, em virtude do princípio da autonomia da vontade e da livre estipulação negocial, têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, acerca do rateio dos encargos e tributos incidentes sobre a área objeto da concessão.
De acordo com a previsão do artigo 1.372, o direito de superfície pode transferir-se a terceiros, e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros, não podendo ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.
Se porventura o superficiário der ao terreno destinação diferente da prevista na concessão, esta resolver-se-á, passando o proprietário, em quaisquer dos casos de extinção da concessão, a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, a não ser que as partes tenham estipulado de maneira contrária.
Extinto o direito de superfície, em razão de desapropriação, a indenização caberá tanto ao proprietário quanto ao superficiário, no valor que corresponda ao direito de cada qual.
O contrato que dá origem ao direito de superfície somente gera efeitos pessoais entre as partes, ficando a eficácia de direito real dependente do registro imobiliário.
Importante lembrar, finalmente, que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2.001), também tratou do direito de superfície, em seus artigos 21 a 23, havendo detalhes entre o novo Código e a referida Lei que não se identificam. Caberá ao intérprete, por conseguinte, amoldar a situação fática apresentada às normas legais. Pela opinião do Dr. Silvio de Salvo Venosa, o Estatuto da Cidade, por constituir um microssistema, tal qual o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Inquilinato, vigorará sobranceiro, em princípio, sobre as demais leis, ainda que posteriores.

Daniel Marques de Camargo é advogado em Ourinhos/SP e professor de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos, formado em Direito na Universidade Estadual de Londrina, especialista em Processo Civil pela Universidade de Ribeirão Preto e mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Paraná – Jacarezinho.

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