O Controle Externo da Atividade Policial: Do discurso à prática

(*) Manuel Pinheiro Freitas

Sumário: Justificativa. As conseqüências da adoção do sistema acusatório na estrutura da persecução criminal. Conceito, finalidade e forma do controle externo da atividade policial. Disciplina normativa do controle externo da atividade policial. Funções institucionais correlatas ao controle externo da atividade policial: a) fiscalização, sob o aspecto da legalidade, dos procedimentos da polícia administrativa; b) promoção das investigações autônomas das infrações penais. As Promotorias de Investigação Criminal e as “Centrais de Inquérito”. Breves considerações sobre as relações do Ministério Público com a polícia judiciária no Direito Comparado. Conclusões.

Justificativa

Desde quando a imprensa noticiou o chamado “Caso França”, a sociedade cearense vem exigindo uma atuação mais firme e constante do Ministério Público estadual, em relação ao controle externo da atividade policial.

A interferência decisiva na apuração dos mencionados fatos angariou ainda mais credibilidade para a instituição ministerial, ao passo que alertou para a necessidade de que a relevante função, prevista no art. 129, VII da Carta Política, também seja desempenhada por todos os órgãos de execução, espalhados pelas comarcas do interior do Estado.

Por uma feliz coincidência, temos a honra de sediar o 12o. Congresso Nacional do Ministério Público, no momento em que a nossa Assembléia Legislativa discute a regulamentação da matéria no âmbito estadual.

Mesmo contando com o apoio popular, o referido projeto de lei vem encontrando enorme resistência por parte de alguns setores da polícia judiciária, alimentada pelo corporativismo e pela falta de conhecimento a respeito do controle externo, de seus reais objetivos e da forma como será exercido.

Modestamente, o presente trabalho pretende contribuir para esclarecer algumas dessas questões e tratar dos primeiros passos da nossa experiência de controle externo da atividade policial. Como sugere o tema, aproximar a prática do discurso.

As conseqüências da adoção do sistema acusatório na estrutura da persecução criminal.

A Constituição Federal de 1988, mais precisamente no inc. I do art. 129, consagra o sistema acusatório, ao indicar como uma das funções institucionais do Ministério Público a promoção, privativa, da ação penal pública. Como todos sabemos, a principal característica do sistema acusatório é a clara separação, entre distintos órgãos estatais, das funções de acusar e de julgar.(1)

Entre as muitas decorrências dessa escolha do constituinte federal, interessam ao presente trabalho aquelas que, de alguma forma, estejam relacionadas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público.

Cumpre observar, primeiramente, que a adoção do sistema acusatório na Lex Major representou uma redefinição dos papéis da polícia judiciária, do Ministério Público e do Poder Judiciário na persecução criminal. Nesse tocante, as conseqüências mais importantes da vigência da Magna Carta foram a abolição da chamada ação penal ex officio (e, para muitos, também do recurso de ofício(2)) e o afastamento do magistrado da atividade persecutória anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

Com o objetivo de preservar a neutralidade e a imparcialidade nas decisões, veda-se que o órgão incumbido de julgar possa também deduzir a acusação, bem como participar dos atos investigatórios que geralmente a respaldam. Desde o início da persecução criminal (inquérito), deve o magistrado manter-se em posição de eqüidistância em relação às partes, sob pena de que seja maculada a sobredita finalidade.

A opção do legislador constituinte pela pureza do sistema acusatório implicou na revogação de vários dispositivos do Código de Processo Penal, que previam o controle jurisdicional dos atos do inquérito policial.(3)

Aliás, o Projeto de Lei 31/95, de autoria do Senador Pedro Simon, propondo alterações no inc. II do art. 5o ; no par. 1o do art. 10; no inc. II do art. 13; no art. 16 e no art. 23 da Lei Processual Penal, que a doutrina e a jurisprudência, em vista da flagrante incompatibilidade com art. 129, inc. I da Carta Republicana, já consideravam revogados, está em fase de discussão no Congresso Nacional.

Entre outras mudanças de relevo do citado Projeto de Lei n. 31/95(4), destacaríamos as seguintes: a supressão dos poderes da autoridade judiciária para requisitar a instauração de inquérito policial(5) e para requisitar diligências investigatórias; o envio dos autos do inquérito diretamente ao Ministério Público; a determinação direta do órgão ministerial de que o inquérito retorne à autoridade policial ( inclusive com a fixação do prazo para a realização das diligências ), sem a necessidade de requerimento ao magistrado; e a obrigação da autoridade policial de comunicar a ocorrência da prisão em flagrante também ao órgão do Ministério Público.

Em síntese, com relação ao objeto do presente trabalho, interessa saber que o controle jurisdicional sobre os atos do inquérito policial, antigo resquício do sistema inquisitivo, foi substituído pelo controle externo exercido pelo Ministério Público.

Conceito, finalidade e forma do controle externo da atividade policial.

O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público compõe o sistema de freios e contrapesos que é típico de qualquer Estado Democrático de Direito.

Em nossa ordem jurídica, como na de todos os povos ditos civilizados, não existe poder sem controle. Mesmo independentes uns dos outros, até os Poderes da República estão sujeitos aos mecanismos de controle recíproco. Não haveria razão para que um órgão do Poder Executivo, como a polícia judiciária, excepcionasse perigosamente a regra.(6)

A função institucional prevista no art. 129, VII da Lei Maior consiste em um controle sobre a coleta de informações pela polícia judiciária( tanto sob o aspecto extrínseco da legalidade, como no plano substancial da eficácia e da objetividade ), com base nas quais o Ministério Público provocará a atuação da jurisdição penal.

De fato, não poderia deixar de interessar ao Ministério Público o controle dos atos de investigação realizados pela polícia judiciária. É com base nas informações contidas no inquérito policial, via de regra, que o órgão acusador oficial deduz em juízo a pretensão punitiva do Estado. Como bem adverte Waldo Fazzio Júnior, “o exercício material pleno da legitimação ativa na ação penal pública reclama o controle da investigação como antecedente lógico e necessário para viabilizar a dedução da pretensão punitiva.” (7)

Quando há deficiência no procedimento investigatório, ela acaba repercutindo negativamente no desempenho da função institucional de promover a ação penal pública. Um inquérito policial de má qualidade não fornece ao Ministério Público os subsídios necessários para que convença o Poder Judiciário da viabilidade do jus puniendi estatal.

Para garantir que as investigações sejam eficazes e pautadas na legalidade – um anseio que não é apenas da instituição ministerial, mas de toda a sociedade – é que existe o controle externo da atividade policial. Resta evidente que a finalidade precípua do controle externo é garantir a licitude e a eficiência da investigação criminal.

Controle, segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, em tema de administração pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro. (8)

Na lição de Hugo Nigro Mazzili, o controle externo da atividade policial é um sistema de vigilância e verificação administrativa, teleologicamente dirigido à melhor coleta de elementos de convicção que se destinam a formar a opinio delictis do Promotor de Justiça, fim último do próprio inquérito policial.(9)

Os estudiosos do assunto desde muito sustentam que o controle deve ser exercido sobre a atividade-fim da polícia judiciária, que é a investigação da autoria, da materialidade e das circunstâncias dos ilícitos penais. Ao contrário do que se veicula indevidamente na imprensa, pelos interessados em alimentar a discórdia, o Ministério Público não pretende, e nem está autorizado, a controlar a atividade-meio, relacionada ao funcionamento interno dos organismos policiais.

É oportuno esclarecer, outrossim, que o controle externo previsto no inc. VII do art. 129 da Constituição Federal não tem conteúdo de ascendência hierárquica ou disciplinar dos membros do Parquet sobre as autoridades policiais e seus agentes. Trata-se apenas de acompanhamento e orientação dos atos dos inquéritos policiais por aqueles que são os seus destinatários naturais.

Conveniente ressaltar ainda que o órgão do Ministério Público, no exercício do controle externo, não poderá interferir nas decisões afetas à discricionariedade da autoridade policial. Presidindo a investigação, a autoridade policial tem ampla liberdade na forma de conduzi-la, desde que não atente, por ação ou omissão, contra a legalidade dos procedimentos. Corrobora referido entendimento a lição de J.F. Marreiros Sarabando: “não se cogitará de ingerência do Promotor Público sobre os assuntos de economia interna das Polícias, assim como sobre o estilo próprio de cada autoridade policial dirigir as investigações e formalizar os elementos colhidos”. (10)

Disciplina normativa do controle externo da atividade policial.

Tal como ensina Hugo Nigro Mazzili, a norma constitucional que trata do controle externo da atividade policial (art. 129, VII) poderia ser classificada como de eficácia limitada ou reduzida. Não estando tal dispositivo apto a produzir os seus efeitos essenciais, com a simples vigência da Constituição, era necessário regulamentar a matéria, sob a forma de lei complementar (referida no art. 128).(11)

A Lei Complementar 75/93 ( Lei Orgânica do Ministério Público da União ) disciplinou o exercício do controle externo da atividade policial pelo Parquet Federal, na forma de seus artigos 9o e 10o:

Art. 9º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo:

I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;

O controle externo da atividade policial estaria frustrado se não fosse permitido ao agente do Ministério Público ingressar livremente nos estabelecimentos policiais e prisionais.

Nos primeiros, o acesso não se restringe às delegacias, devendo estender-se a todos os lugares onde estejam acontecendo os atos de investigação. Em relação aos últimos, deve o fiscal da lei sempre atentar para a ocorrência de abusos ou ilegalidades, tais como as prisões ditas correcionais e as prisões para averiguação, abolidas definitivamente do ordenamento jurídico nacional, quando o inc. LXI do art. 5o da Carta Política proclamou que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definido em Lei.

II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

III – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

Como o controle externo não implica em subordinação hierárquica e disciplinar das autoridades policiais e seus agentes aos membros do Ministério Público, verificando a ocorrência de faltas disciplinares, o Promotor de Justiça deve dirigir-se ao superior hierárquico do funcionário público faltoso, apontando as irregularidades, bem como as providências necessárias para que sejam sanadas.(12)

IV – requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

O descumprimento da requisição ministerial enseja que a autoridade policial seja responsabilizada pelo crime de prevaricação (art. 319 do CP – desde que presente o elemento subjetivo do tipo: para satisfação de interesse ou sentimento pessoal ), sem prejuízo das sanções administrativas.(13)

V – promover a ação penal por abuso de poder.

Instrumento hábil para controlar o abuso de autoridade, em especial no uso do poder de polícia, encontra-se na Lei 4898/65.

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.(14)

Ressalta Pedro Roberto Decomain que a medida permite ao agente do Ministério Público, tomando desde logo conhecimento de todas as prisões realizadas, interferir em benefício da liberdade do preso, inclusive perante a autoridade judiciária, com impetração de habeas corpus, se necessário e cabível, quando entenda ilegal a prisão.(15)

Outra finalidade da comunicação das prisões ao Ministério Público, em especial das prisões em flagrante, é possibilitar um controle a posteriori da instauração ou não do respectivo inquérito policial.

Para evitar as constantes reclamações sobre a desídia da autoridade policial diante da apuração de fatos delituosos levados ao seu conhecimento, seria conveniente o fornecimento de prova da lavratura da ocorrência também à vítima, ao seu representante legal ou ao autor da notitia criminis, de modo a possibilitar que o interessado dirija-se ao Ministério Público, caso as providências investigatórias não sejam adotadas no tempo e na forma da lei.

Ainda nos incisos VIII e IX do art. 41 da Lei Complementar 75/93 são atribuídas prerrogativas aos membros do Ministério Público da União intimamente relacionadas com o desempenho do controle externo da atividade policial. São elas:

VIII – examinar, em qualquer repartição policial, autos de flagrante ou inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

IX – ter acesso ao indiciado preso, a qualquer momento, mesmo quando decretada a sua incomunicabilidade;

Por sua vez, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados ( Lei 8.625/93 ) não dedicou um capítulo específico ao controle externo da atividade policial, apenas abordado indiretamente nos artigos 10, inc. IX; 26, inc. IV e 41, inc. IX. Porém, em seu art. 80, consta a seguinte disposição:

“Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União.”

Assim, face à aplicação subsidiária dos dispositivos da Lei Complementar 75/93, relativos ao controle externo da atividade policial, aos ministérios públicos estaduais, os órgãos de execução do Parquet cearense podem, desde logo, desempenhar a mencionada função institucional, independentemente da falta da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público.

A Constituição do Estado do Ceará de 1989 ( em seu art. 130, inc. VI) e até mesmo o Código do Ministério Público do Estado do Ceará (Lei 10.675, de 8 de julho de 1982, promulgada antes da vigência da atual Constituição da República) também fazem referências ao controle externo da atividade policial.

Funções institucionais correlatas ao controle externo da atividade policial:

Além do controle externo sobre a atividade policial judiciária ( art. 129, inc. VII da CF/88 ), podemos apontar como funções institucionais correlatas: a fiscalização, sob o aspecto da legalidade, dos procedimentos da polícia administrativa ( com fundamento no art. 129, inc. II da CF/88 ) e a realização de investigações autônomas das infrações penais, sempre que o interesse social exigir ( com supedâneo no art. 129, incs. I, VI, VIII e IX da CF/88 ).

Nunca é demais repetir que o inc. VII do art. 129 da Lei Fundamental diz respeito apenas ao controle externo sobre a atividade-fim da polícia judiciária, que, no âmbito estadual, como se sabe, compete à Polícia Civil.

Segundo Walter Paulo Sabella seria um erro supor que o controle a ser desempenhado pelo Ministério Público devesse alcançar toda e qualquer atividade da polícia repressiva ou preventiva (16). Em verdade, o controle externo que o Ministério Público deve exercer sobre a atividade policial destina-se às áreas em que ela está relacionada diretamente com a função ministerial de promover a ação penal pública.

Estando o controle externo teleologicamente ligado à função institucional de promover a ação penal pública, evidentemente que o dispositivo constitucional em alusão não se refere à atividade policial administrativa, da responsabilidade das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares.

A polícia administrativa não apura as infrações penais, antes visa prevenir que elas aconteçam. Não participa, como a polícia judiciária, da persecução criminal, colaborando com o órgão acusador e o órgão jurisdicional. Nem por isso, o Ministério Público pode deixar de acompanhar a sua atividade, por força da missão que lhe foi expressamente confiada no art. 129, inc. II da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;”.

Inegável que a atividade policial administrativa, que tem como finalidade a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é um serviço da mais alta relevância pública. Assim sendo, incumbe ao Parquet zelar para que os procedimentos policiais preventivos atendam aos ditames da legalidade e respeitem os direitos fundamentais consagrados na Lei Maior.

Apesar de não participarem da investigação da autoria, da materialidade e das circunstâncias das infrações penais; as polícias militares realizam prisões, busca pessoais e domiciliares, entre outros procedimentos, nos quais são comuns as queixas de violações dos direitos civis.

Esse “controle”, se assim podemos chamá-lo, tem outro fundamento ( art. 129, II da CF/88 ), mas não é menos importante que o controle externo da atividade policial ( art. 129, VII da CF/88 ). Não existisse o inciso II no art. 129, haveria fundamento para exercê-lo em face das incumbências ministeriais referidas no art. 127 da Magna Carta (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis).

Outra função que o Ministério Público deve desempenhar, que tem estreita relação com o controle externo da atividade policial, é a de investigar diretamente as infrações penais. Conforme pretendemos demonstrar, os órgãos de execução do Parquet estão autorizados pela Constituição a apurar crimes e/ou contravenções, sempre que necessário.

A regra é que a apuração dos crimes e das contravenções seja feita pela polícia judiciária. Entretanto, casos excepcionais podem exigir que os membros do Ministério Público, amparados por prerrogativas e garantias inerentes à qualidade de agentes políticos do Estado, promovam investigações autônomas, para a salvaguarda do interesse social.

Em determinadas circunstâncias, como na apuração de infrações penais cometidas por autoridades, por pessoas influentes ou por integrantes das forças policiais; convém que o órgão incumbido das investigações goze de maiores garantias e de isenção de ânimo, para colocar-se a salvo das pressões políticas e do sentimento corporativo.

Entre os dispositivos constitucionais que conferem ao Ministério Público o poder de investigar moto-próprio os ilícitos penais, estão os incs. I, VI, VIII e IX do Art. 129 da CF/88.

Primeiramente, merece destaque o inc. IX do art. 129:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”

De acordo com a boa técnica legislativa, não seria recomendável (ou, porque não dizer, não seria possível) elencar exaustivamente todas as funções institucionais do Ministério Público num único artigo da Carta Magna. A solução encontrada foi a redação aberta do supracitado inciso, limitando a atribuição de funções ao Parquet, apenas pela exclusão das atividades incompatíveis com a sua finalidade.

Encontram abrigo no mencionado dispositivo constitucional os defensores da Teoria dos Poderes Implícitos. Consoante os ensinamentos da melhor doutrina publicista, pode-se afirmar que o poder autônomo de investigar é um dos poderes implícitos do Ministério Público.

Sobre a matéria, socorre-nos o mestre Miguel Reale: “a hermenêutica constitucional, especialmente no que tange ao problema das competências, além de considerar os poderes explícitos conferidos a um órgão, leva em conta os poderes implícitos, sem os quais ficaria ele impedido de exercer suas atribuições de maneira autônoma.” (17)

Dúvida não resta de que o poder de investigar é absolutamente compatível com a finalidade do Ministério Público de defender a ordem jurídica, contra a qual atenta o ilícito penal. Estamos diante, portanto, de um poder/dever implícito, que é inerente à condição de titular da pretensão punitiva do Estado.

Aliás, René Ariel Dotti destaca que, em um dos Projetos de Código de Processo Penal ( número original, 1.655, de 1983 ), aumentava-se consideravelmente as atribuições do Ministério Público, quanto à realização de investigação por conta própria, permitindo-lhe, inclusive, assumir a direção dos trabalhos mediante a vocatória e a colheita direta de prova com a audição do indiciado, do ofendido e das testemunhas ( arts. 79, par. único ao 81); dotando, inclusive, a Instituição de um corpo próprio de funcionários para auxiliar nas diligências. (Art. 81 e parágrafos ).(18)

Em segundo lugar, os agentes ministeriais podem usar dos poderes de expedir notificações e requisitar informações e documentos, previstos no art. 129, inc. VI da Lei Suprema, para instruir os procedimentos administrativos de investigação. Complementado o arcabouço instrumental necessário para conduzir a apuração direta dos ilícitos penais, o inc. VIII do art. 129 confere ao Ministério Público poderes para requisitar diligências investigatórias.

J. F. Marreiros Sarabando adverte para duas situações em que a cooperação da polícia judiciária deve ser necessariamente requisitada pelo Ministério Público durante as investigações autônomas: 1) ” emergindo dos autos sob a Presidência do Ministério Público da Comarca indícios robustos da autoria e provas da materialidade de uma infração penal, correto o encaminhamento de cópias ao delegado de Polícia da localidade, com requisição de indiciamento do suspeito, o que será feito em autos de IP, para os fins do art. 809 do Código de Processo Penal (elaboração do Boletim de Identificação Criminal, para remessa posterior ao setor de estatística da Secretaria de Segurança Pública)”; 2) “diante da falta do poder de polícia, não pode o membro do “Parquet” realizar apreensões, tampouco interdições de locais ou estabelecimentos, podendo, entretanto, requisitar tais providências da autoridade policial, ou mesmo requerer a cabível medida judicial cautelar”. (19)

Destituída de fundamento é a objeção levantada por alguns setores da polícia judiciária à coleta direta de elementos de convicção pelo Ministério Público, argumentando que a investigação dos ilícitos penais, no âmbito estadual, é da competência exclusiva da Polícia Civil. Conforme Walter Paulo Sabella, A Polícia Federal foi contemplada com o caráter de exclusividade no exercício das funções de polícia judiciária da União, o mesmo não tendo acontecido com as corporações estaduais. (20)

O monopólio da investigação criminal jamais foi reservado á Polícia Civil. Mesmo na redação do parágrafo único do art. 4o do Código de Processo Penal, que vigora há mais de 50 anos, não havia espaço para dúvida: a competência da polícia judiciária para a apuração das infrações penais, não excluiria a de autoridades administrativas, a quem por lei fosse cometida a mesma função.

O Ministério Público não pretende assumir a presidência do inquérito, em substituição à polícia judiciária. O que tem feito é investigar, paralela e independentemente, a autoria, a materialidade e as circunstâncias das infrações penais, muitas vezes de maneira simultânea ao procedimento inquisitorial realizado pela polícia.

Ademais, vale ressaltar que o inquérito policial não passa de mera peça informativa, dispensável para o oferecimento da denúncia, caso o Promotor de Justiça disponha de outros elementos de convicção. A prescindibilidade do inquérito policial para o oferecimento da ação penal pública é abordada pelo festejado Hugo Nigro Mazzilli : “Já o inquérito policial é apenas uma peça administrativa e preparatória, destinada tão somente a fornecer elementos ao titular da pretensão punitiva estatal para o ajuizamento ou não da ação penal pública, para a qual é o único legitimado.”(21)

As Promotorias de Investigação Penal e as Centrais de Inquérito:

O exercício do controle externo reclama algumas alterações na rotina de trabalho dos órgão de execução do Ministério Público, com atribuições relativas à matéria penal; bem como a adaptação dos procedimentos nos órgãos da Segurança Pública e do Poder Judiciário à nova sistemática de tramitação do inquérito policial.

Interessantes lições podem ser tiradas pelo Parquet alencarino das experiências de controle externo da atividade policial em outras unidades da Federação.

No Estado do Rio de Janeiro, através da Resolução 447/91 (que substituiu a de n. 438/91) da Procuradoria Geral de Justiça e do Provimento 255/91 da Corregedoria-Geral da Justiça, o Ministério Público e o Poder Judiciário, em perfeita harmonia, adaptaram o funcionamento de seus respectivos órgãos aos dispositivos constitucionais, que, em nome da pureza do sistema acusatório, determinaram a substituição do controle jurisdicional sobre os atos do inquérito policial, pelo controle externo exercido pelo Ministério Público.

Com a criação das Promotorias de Investigação Penal e das Centrais de Inquérito em 1991, o Ministério Público fluminense foi um dos primeiros do País a estruturar-se para bem desempenhar a relevante função institucional prevista no Art. 129, VII da Constituição Federal.

As Promotorias de Investigação Penal passaram a assumir todas as funções ministeriais relacionadas com o inquérito policial, incluindo até a propositura da ação penal pública. A divisão das atribuições, entre os diversos órgãos de execução do Ministério Público, aconteceu com base na área de circunscrição das delegacias de polícia que cada Promotoria de Investigação Penal deveria controlar, e em razão da matéria.

Como exemplo, a 1a Promotoria de Investigação Penal deveria atuar nos inquéritos realizados pelas 1a, 2a, 3a e 4a delegacias de polícia da Capital. A 2a Promotoria de Investigação Penal, por sua vez, nos inquéritos da 5a, 6a, 7a e 9a delegacias de polícia, e assim por diante, para que cada uma das 40 delegacias existentes na cidade do Rio de Janeiro fosse acompanhada por uma Promotoria de Investigação Penal.

Além das Promotorias de Investigação mencionadas no parágrafo antecedente, foram criadas outras com especialização em certos tipos de ilícitos penais. Assim, os inquéritos que apuram os crimes dolosos contra a vida, realizados em qualquer das delegacias de polícia, são acompanhados por uma das Promotorias de Investigação Penal especializadas ( 13a, 14a, 15a e 16a ). Existem ainda as Promotorias de Investigação Penal que atuam junto às delegacias de polícia especializadas ( a 17a junto à Delegacia de Defraudações; a 18a junto às delegacias de roubos e furtos, roubos e furtos de veículos e roubos e furtos de cargas, etc. ).

Para fins de organização e apoio administrativo, as Promotorias de Investigação Penal foram agrupadas em Centrais de Inquéritos. Amparando o trabalho dos referidos órgãos de execução, as Centrais de Inquéritos receberam, entre outras, as seguintes incumbências: a) receber os autos encaminhados pelas delegacias de polícia, bem como outras peças de informação que lhes fossem remetidas, a) tombar os feitos e confeccionar as fichas de controle e andamento; c) encaminhar os feitos à Promotoria de Investigação Penal com atribuição para neles funcionar; d) elaborar mapas de distribuição dos feitos, para fins informativos e estatísticos; e) devolver os autos à Delegacia de origem, quando houver determinação de baixa, f) remeter os feitos ao Juízo competente, quando houver sido oferecida denúncia, pedido de arquivamento ou qualquer outra medida que deva ser conhecida e apreciada pelo Poder Judiciário, g) manter o controle completo do andamento dos inquéritos e processos, em especial quanto à observância dos prazos legais; e h) fornecer respaldo administrativo necessário à realização de diligências complementares a inquéritos policiais e peças informativas pelas Promotorias de Investigação Penal.

Guardadas as devidas proporções, as Promotorias de Justiça comuns, em especial as das Comarcas do interior, exercem as tarefas correlatas às Centrais de Inquéritos.

Certo que os inquéritos policiais devem tramitar diretamente entre as autoridades policiais e os agentes do Ministério Público, sem a necessidade da intermediação dos magistrados. Porém, em certos casos os autos devem ser remetidos diretamente ao Poder Judiciário, a saber: 1)oferecida a denúncia ou o pedido fundamentado de arquivamento; 2)Inquérito instaurado a requerimento da parte para instruir ação penal de iniciativa privada e que deva aguardar em Juízo a sua iniciativa; 3) pedidos de prisão preventiva, busca e apreensão, prisão temporária e outras medidas cautelares; 4) comunicação de prisão em flagrante ou de qualquer outra forma de constrangimento aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Infelizmente, depois de quase dez anos de vigência da Constituição Federal, a experiência do Ministério Público do Ceará, em relação ao controle externo da atividade policial, está apenas começando. Apesar da insipiência no desempenho da tão relevante função institucional, esperamos que o Parquet cearense possa contribuir inclusive para o aperfeiçoamento das experiências de controle externo em andamento.

Um dos pontos que, em nossa modesta opinião, merece reparo na experiência fluminense é a atribuição conferida às Promotorias de Investigação Penal de propor a ação penal pública. Respeitando os entendimentos em contrário, fundados na unidade institucional do Ministério Público, não nos parece correto que um Promotor ofereça a denúncia e outro assuma, daí em diante, a ação penal em ofensa ao Princípio do Promotor Natural

Breves considerações sobre as relações do Ministério Público com a polícia judiciária no Direito Comparado.

Interessante paralelo pode ser traçado a respeito das relações entre o Ministério Público e a polícia judiciária no Brasil e em vários países da América Latina, da Europa e, em especial, nos Estados Unidos da América do Norte.

Na maioria dos países europeus e latino-americanos a polícia judiciária é subordinada ao Ministério Público e este atrelado ao Poder Judiciário. É importante registrar que nas referidas ordens jurídicas alienígenas vigora o sistema de unidade de instrução, abandonado na estrutura processual penal brasileira, desde o final do século passado.

Desde então, o sistema pátrio é o da duplicidade de instrução, onde a persecução penal é desenvolvida em duas fases: uma fase inquisitorial administrativa (inquérito policial), antecedendo outra fase contraditória judicial (ação penal). Ao contrário do que acontece no sistema nacional, naqueles países o contraditório é observado desde o início das investigações, exercendo o Ministério Público funções de uma magistratura especial, que comanda a atividade da polícia judiciária.

No México, a polícia judiciária foi colocada sob a autoridade e o comando imediato do Ministério Público, conforme o art. 21 da Constituição daquele País. O mesmo acontece na França, na Itália, na Espanha e em Portugal.

O Ministério Público paraguaio, apesar das declarações formais de independência, ainda está muito ligado ao Poder Executivo, posto que uma de suas principais funções é a de representar y sostener los derechos del Estado en todos los juicios en que fuera parte, de acuerdo com las instrucciones del Poder Ejecutivo.(22)

Para os integrantes do Ministério Público argentino, uma grande conquista foi o deslocamento da instituição da esfera de influência do Poder Executivo para a do Poder Judiciário. Como informa Ricardo Gustavo Recondo, el Ministerio Público há sido organizado como una magistratura particular que integra el Poder Judicial.(23)

O Ministério Público nos Estados Unidos da América do Norte ( tanto o Federal, quanto o Estadual, o do Condado e o do Município ) em pouco ou quase nada faz lembrar o brasileiro, a começar pela forma de investidura dos seus dirigentes superiores: são eleitos, mediante voto direto e facultativo, para um mandato de quatro anos, exceto o The United States Attorney General ( figura correspondente ao nosso Procurador-Geral da República ), que é indicado pelo Presidente da República ao Senado e demissível ad nutum.

No Parquet norte-americano, não existe um quadro de carreira; Cada Procurador-Geral que é eleito tem poder para demitir promotores contratados nas gestões anteriores e contratar novos auxiliares, dentre profissionais da área jurídica que sejam de sua maior confiança.

Bem destaca John Anthony Simon que, diversamente do que acontece no Brasil, os promotores criminais americanos não são custos legis, pois mantêm franca posição de adversidade ao réu (24). Vigora, outrossim, o princípio da ampla disponibilidade da ação penal pelo Ministério Público.

Na persecução penal brasileira, persiste, com algumas moderações nos últimos tempos, a obrigatoriedade/indisponibilidade da ação penal pelo Órgão Acusador Oficial.

Já quanto ao relacionamento entre a polícia e o Ministério Público – o que mais interessa ao presente trabalho – convém ressaltar que, sem embargo da forte influência que recebe sobre sua atuação, a polícia norte-americana é juridicamente independente do Ministério Público.

O que determina, no plano fático, a ingerência do Ministério Público nas investigações, é a circunstância de que a polícia estadunidense não possui formação em Direito: não existe a figura do Delegado de Polícia e nem se trabalha sob a forma de inquéritos policiais.

Observando as características da instituição ministerial nos diversos países que tivemos a oportunidade de estudar, entre todos, o Ministério Público peruano é o que mais se assemelha ao brasileiro, sobretudo quanto às funções que desempenha e quanto à independência dos poderes Executivo e Judiciário.(25)

No que diz respeito à relação entre o Ministério Público e a polícia judiciária, cumpre assinalar o que dispõe o Art. 250 da Constituição Política do Peru: “El Ministerio Público es autónomo y jerárquicamente organizado. Le corresponde: (…) 5- Vigilar e intervenir en la investigación del delito desde la etapa policial, y promover la acción penal de oficio o a petición de parte.” (26)

Outras semelhanças entre as instituições ministeriais no Brasil e no Peru, relacionadas com o controle externo da atividade policial, podem ser destacadas: o Ministério Público peruano, tal como o nosso, está autorizado a realizar investigações autônomas e deve ser imediatamente comunicado de qualquer prisão efetuada pela autoridade policial.

Conclusões

1) Encontram-se revogados os dispositivos do Código de Processo Penal incompatíveis com o sistema acusatório consagrado no art. 129, I da Constituição Federal.

2) O controle externo deve ser exercido sobre a atividade-fim da polícia judiciária ( investigação da autoria, da materialidade e das circunstâncias dos ilícitos penais ), e não sobre a atividade-meio, relacionada ao funcionamento interno dos organismos policiais.

3) O controle externo não implica em ascendência hierárquica ou disciplinar dos membros do Ministério Público sobre as autoridades policiais e seus agentes.

4) No exercício do controle, o órgão ministerial não deve interferir no mérito das decisões de natureza administrativa afetos à discricionariedade da autoridade policial. O Promotor de Justiça pode até requisitar o que deve ser feito, mas jamais dizer como dever ser feito.

5) O controle externo da atividade policial previsto no art. 129, VI da Carta Republicana diz respeito apenas à atuação da polícia judiciária.

6) Os agentes do Ministério Público devem fiscalizar, sob o aspecto da legalidade, os procedimentos da polícia administrativa, de responsabilidade das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares, com fundamento no inc. II do Art. 129 da CF/88, já que a atividade policial preventiva(preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio ) é um serviço de relevância pública.

7) Como decorrência dos poderes implícitos decorrentes da titularidade exclusiva da ação penal pública, o Ministério Público pode e deve promover investigações autônomas, simultâneas ao inquérito policial, sempre que o interesse social exigir. Fundamento nos incs. I, VI, VIII e IX do Art. 129 da CF/88.

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Citações Bibliográficas:

(1) A esse respeito, oportuna é a lição de Tupinambá Pinto de Azevedo: “a Constituição Federal, ao assegurar a titularidade exclusiva do Ministério Público, quanto à ação penal pública, consagrou em sua plenitude, o sistema acusatório. Em essência, trata-se de assegurar a imparcialidade do órgão julgador, separando as atividades de acusação, defesa e decisão.” op. cit., p. 1.

(2) Sobre o assunto, Tupinambá Pinto de Azevedo, os. cit., p. 1.

(3) O Projeto de Lei 31/95, de autoria do Senador Pedro Simon, que tramita no Congresso Nacional, propondo alterações em dispositivos do Código de Processo Penal referentes ao inquérito policial, traz as seguintes inovações:

O Art. 1o determina as seguintes alterações:

Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: (redação atual) II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.(alteração proposta)II – mediante requisição do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Art. 10.(redação atual) § 1º. A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente.(alteração proposta)§ 1º. A autoridade policial, após concluído o inquérito policial, fará minucioso relatório do que tiver sido apurado sobre a materialidade e a autoria do delito, bem como sobre a existência de atenuantes, agravantes ou excludentes da ilicitude, e enviará os autos ao Ministério Público, notificando deste ato o ofendido ou seus representantes.

Art. 13.Incumbirá ainda à autoridade policial:(redação atual)II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público.(alteração proposta).II – realizar as diligências requisitadas pelo Ministério Público, após concluído e relatado o inquérito policial.

Art. 16.(redação atual) O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.(alteração proposta).O órgão do Ministério Público poderá determinar a devolução do inquérito à autoridade policial, para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia e por ele expressamente discriminadas.

Art. 23. (redação atual) Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.(alteração proposta).Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao Ministério Público, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação, ou repartição congênere, mencionando os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.

O Art. 2o do Projeto de Lei 31/95 assevera:”A autoridade policial deverá remeter, em 24 ( vinte e quatro ) horas, cópia do auto de prisão em flagrante ao juiz competente e ao órgão do Ministério Público”.

(4) Ponderou o eminente Senador Espiridião Amin, ao relatar o Projeto de Lei n. 31/95, de autoria do Senador Pedro Simon, que propõe a alteração de dispositivos do Código de Processo Penal: “Ao longo do deste século, o Direito Processual pátrio vem aos poucos abandonando a prática anterior, eminentemente inquisitorial, e cada vez mais atribuindo aos juizes um papel estritamente jurisdicional, mais condizente com a garantia do devido processo legal”. Em seguida, profere seu voto, nos seguintes termos: “O Ministério público de qualquer maneira é o destinatário final do inquérito policial, que apenas transita pelas mãos do juiz; assim, o projeto elimina este procedimento intermediário, contribuindo para a tão necessária celeridade dos processos judiciais.”

(5) A ilegitimidade da requisição de inquérito policial por parte do Poder Judiciário foi reconhecida pela 1a Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro e pelo Tribunal Regional Federal da 2a Região. A requisição de Inquérito Policial, nos termos da atual Carta Magna, é ato privativo do Ministério Público ( Art. 129, VIII ), de forma que os dispositivos processuais penais, que conferem ao Poder Judiciário esta possibilidade, encontram-se revogados por colidirem frontalmente com os preceitos constitucionais que legitimam somente ao Parquet requisitar a instauração de Inquérito Policial. Cláudio Soares Lopes e Antônio Carlos Silva Biscaia, op. cit. p. 199. Também no citado Parecer, cita-se o entendimento de Nagib Slaibi Filho, Juiz de Direito no Estado do Rio de Janeiro, a respeito do assunto: “Também é norma de eficácia plena e imediata o disposto no Inc. VIII, pois cabe ao Ministério Público requisitar diligências investigatórias, o que revoga o disposto na lei processual penal que defere ao Juiz o mesmo poder ( art. 13, II ), e revogando a expressão requerer do Art. 16, pois não se pode requerer a si mesmo. Da mesma forma, somente o Ministério Público poderá requisitar inquérito policial, pois tal é função institucional própria”.

(6) Sobre a necessidade da existência do controle, leciona Walter Paulo Sabella: “A polícia é hoje um dos organismos mais poderosos da Administração Pública, um organismo hipertrofiado, cuja absoluta independência na apuração dos crimes eqüivale à negação do princípio segundo o qual o Ministério Público é o dono da ação penal”. Op. cit. p. 10.

(7) Op. cit., p. 101.

(8) Op. cit., p. 574.

(9) Op. cit., Regime Jurídico…, pp. 232 a 233.

(10) Op. cit., p. 59.

(11) Op. cit., p. 21.

(12) Nesse sentido. Hugo Nigro Mazzili, Regime Jurídico …, p. 235.

(13) Nesse sentido, relatório do Eminente Cid Flaquer Scartezzini, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso em habeas corpus n. 3.457-2/SP, 5a Turma, j. 18.04.1994.

(14) Como bem lembra Pedro Roberto Decomain, uma das regras da Lei Orgânica do Ministério Público da União que pode então ser perfeitamente aplicada pelos Ministérios Públicos dos Estados é esta, que impõe deva a autoridade policial comunicar imediatamente não só ao Poder Judiciário, mas ao próprio Ministério Público, todas as prisões que efetuar, encaminhando-lhe cópia dos documentos que comprovem a legalidade da prisão.

(15) Op. cit., p. 186.

(16) Op. cit., p. 14.

(17) Op. cit., pp. 352 a 354.

(18) Op. cit., pp. 133 e 134.

(19) Op. cit., pp. 62 e 63.

(20) Op. cit., p. 13. Sobre o mesmo assunto, Hugo Nigro Mazzili.

(21) Op. cit.,

(22) A nota sobre a função ministerial de defender os interesses da Admistração Pública paraguaia é de Rafael A. Cabrera Riquelme. op. cit., p. 102.

(23) Op. cit., p. 142.

(24) Op. cit., p. 146.

(25) Miguel Cavero Egúsquiza fala do Parquet peruano: “su autonomia es la base de su independencia de otros órganos y Poderes del Estado. El Ministerio Público no es Poder del Estado. No representa el interés del Estado (…). El Ministerio Público en el Perú representa y defiende el interés de la sociedad. Su organización es paralela y hermanada com el Poder Judicial, pero absolutamente independiente de éste.” op. cit., p. 134.

(26) Comentando o referido dispositivo, esclarece Miguel C. Egúsquiza: “El Ministerio Público es ahora titular de lá acción penal e responsable de la carga de la prueba, lo que constituye una radical transformación del proceso penal peruano que aspira a pasar del sistema inquisitivo, ya superado, al sistema acusatório.”. Op. cit., p. 138.

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(*) O autor é Promotor de Justiça, Titular da 1ª Promotoria de Justiça de São Luís do Curu-CE. mpfreitas@mcanet.com.br

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