O assassinato da democracia

A indignação pelo brutal assassinato do Jornalista Tim Lopes, da Rede Globo de Televisão, me fez escrever este artigo fora de hora, antes de tudo em solidariedade para com os profissionais de Imprensa, responsáveis que são por todas as boas transformações porque passou nossa Sociedade.

Foi graças ao trabalho de profissionais que não se calaram na época da Ditadura; que não se curvaram e nem se venderam ao Poder; que conseguiram driblar a censura; que sempre lutaram por suas ideologias e seus ideais, mesmo amargando a distância do exílio; que ontem conseguimos transformar uma Sociedade autoritária em uma Sociedade democrática; que conseguimos transpor as páginas mais negras de nossa História, após longas décadas de Governos ilegítimos e histéricos, que usurparam o Poder e dele se serviram até enjoarem, calando todos os que ao mesmo se opunham, da forma mais sorrateira e abjeta que se possa imaginar.

Conseguimos, graças à influência do argumento, ao exercício da crítica, à ponderação da reflexão, sem derramar uma só gota de sangue (bem ao contrário do que fizeram os Militares em 1964), redemocratizar o país em 1988, entregando à Sociedade uma Nação que, se não foi a desejada por todos – até porque numa democracia não pode haver unanimidade –, pelo menos foi a que a imensa maioria do Povo escolheu, através de seus representantes, no exercício do primeiro maior instrumento da Democracia, que é o Voto. Notem: conseguimos – ou melhor, nossos pais e avós conseguiram! – vencer o Poder Oficial do Estado, “caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento (…) sem livros e sem fuzil”, para usar as imortais palavras do gênio Caetano Veloso.

O segundo maior instrumento da democracia é a informação, exercida através de uma Imprensa responsável, e por isto mesmo formadora de opinião; mas, para que assim seja, é preciso que a Imprensa seja livre. Ser livre não significa não ser previamente censurada, o que é apenas a primeira face da moeda. A segunda, e mais importante, é não ser retaliada, principalmente ao preço que o Jornalista Tim Lopes pagou – o preço de sua própria vida.

Por isto o título deste artigo: o assassinato da democracia. A morte deste Jornalista foi um duro golpe na Democracia, que precisa encontrar no Poder Público uma resposta, no mínimo, exemplar.

A morte de um Jornalista em retaliação ao exercício de sua profissão é tão ou mais grave do que a morte de uma Autoridade na mesma situação. Isto porque nós, Autoridades, somos pagos para nos arriscarmos e, fazendo-o, apenas cumprimos com nossas obrigações. Não é virtude nenhuma para uma Autoridade não se acovardar ante qualquer tipo de crime ou de criminoso; é apenas uma questão de ter vergonha e cumprir com seus deveres. Já o Jornalista… Bom, este só tem uma arma para se defender: a sua palavra. Só tem uma trincheira: o seu veículo de comunicação. Calá-lo desta forma, é como tentar calar a voz do povo; calar uma Autoridade, é como calar um instrumento do povo. Para nossa sorte, vozes e instrumentos não haverão de faltar; do contrário, têm que se multiplicar sempre que ocorrer uma atrocidade como esta de agora.

Nesta ordem de idéias, proponho uma reflexão, retomando o terceiro parágrafo deste artigo. Conseguimos, juntos, derrotar o Poder Oficial do Estado Autoritário. Pergunto: para quê, se o estamos entregando – passivamente, hipocritamente, cinicamente, com ironia poderia até dizer democraticamente – ao Poder Paralelo do Crime Organizado?

É de suma importância fazermos esta reflexão: se conseguimos vencer o Poder Oficial do Estado, por que não haveremos de vencer o Poder Paralelo do Crime?!

Ou seria outra a reflexão: quando vamos, efetivamente, com mais atitudes e menos retórica, iniciar a luta para derrotar o Poder Paralelo do Crime Organizado? Vamos esperar o quê mais? Chegarmos a uma situação que nos compare à Bósnia? À Colômbia? Precisaremos de guerrilha declarada?

Parafraseando outro artista genial, Geraldo Vandré: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Não dá para esperar mais! Ainda temos o Poder Oficial, e legítimo – retomado que foi pela Democracia em 1988 – e, enquanto o possuímos, basta que o utilizemos, legitimamente, contra o Poder Paralelo.

Se nós perdermos este “bonde”, amargaremos a (ir)responsabilidade de termos recebido de nossos pais um país melhor, recuperado à Ditadura, e não termos tido a competência de conseguir mantê-lo para que nossos filhos também desfrutassem dele, perdido que o teremos para o Crime Organizado.

Aproveito para fazer um alerta: o Ministério da Justiça, ao mesmo tempo em que sob os holofotes da mídia, no momento de comoção, anuncia que está enviando um aparato policial para ajudar na prisão e na punição dos responsáveis por esta atrocidade, enviou meses atrás ao Congresso Nacional propostas de reforma do Código de Processo Penal, tornando-o profundamente mais dócil para com o Crime, como, por exemplo, na parte em que pretende reduzir as hipóteses de prisão preventiva e ampliar as possibilidades do réu, condenado em primeira instância, recorrer em liberdade. Já tinha, aliás, enviado projeto de reforma da Lei de Entorpecentes, despenalizando o crime de porte de substância entorpecente para uso próprio (que passaria, na prática, quase que a mera infração administrativa, posto que não cominada, no projeto original, pena de prisão) e dificultando a caracterização do crime de tráfico de entorpecentes, cuja pena – que eu classifico como sendo simbólica – permanece com o módico mínimo de 3 (três) anos, isto deste 1976, mesmo sendo consenso nacional que o tráfico de drogas é um câncer que precisa ser urgentemente extirpado de nossa Sociedade. Um traficante, como estes envolvidos no assassinato do Jornalista, deve ter um acesso de riso quando é condenado a simbólicos 3 (três) anos de prisão. Como combater traficantes de drogas com apenas 3 (três) anos de prisão!!! Isto sem falar que eles têm a tranqüilidade de saber que continuarão, durante este tempo, comandando seus negócios lá de dentro (mas esta é uma outra questão, que não vem, agora, ao caso).

Concluo conclamando a todos para uma tomada de posição – a hora é esta!

Os Militares já disseram, referindo-se aos “subversivos”: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Este chavão foi vergonhoso e todos nós queremos esquecê-lo. Mas, antes de esquecê-lo, acho que podemos lembrá-lo apenas para, parafraseando-o, dirigirmo-nos aos traficantes e outros criminosos e dizermos: “Brasil, honre-o ou deixe-nos”; “Mereçam viver neste país; ou deixe-nos em paz”.

Antes de finalizar, só quero deixar um esclarecimento: não estou defendendo nenhuma atrocidade e muito menos propondo um extermínio em massa de traficantes e outros criminosos. Estou, apenas, dizendo que a tolerância para com o crime já esgotou a paciência de todos nós. É hora dos grandes criminosos serem enfrentados de frente; doa a quem doer. Os que não depuserem suas armas e optarem por resistir, que suportem as conseqüências de seus atos. Nós é que não podemos mais suportar as conseqüências da ousadia desses criminosos, que se protegem numa inconseqüente, ou até mesmo orquestrada, deturpação do conceito de Direitos Humanos.

Um criminoso morrer numa situação de confronto legítimo com a Polícia não tem absolutamente nada demais e não pode mais ser vista com a hipocrisia com que tem sido nos últimos tempos. É por isto que a ousadia deles não tem limites – pela hipocrisia com que são protegidos nesta mencionada deturpação do conceito de Direitos Humanos.

Os Direitos Humanos são de todos nós e não impedem, como jamais impediram ou impedirão, a aplicação da Lei e o rigoroso combate ao crime. Só na cabeça de uns inconseqüentes que acham que se pode enfrentar criminoso com palmadinhas em suas nádegas, Códigos Penais e de Processo Penal dóceis, penas pequenas e outras insanidades (leviandades para com a Sociedade, melhor dizendo).

Como não consegui manter a serenidade e finalizei em tom de desabafo, prossigo em epílogo, contando com a compreensão do leitor em face do momento dramático em que este artigo é escrito: Direitos Humanos são para seres humanos; não para animais como estes que ordenaram e executaram a morte do Jornalista Tim Lopes. Estes são a escória da humanidade, que infestam nossa Sociedade e dos quais qualquer pessoa de bom senso – dispo-me, neste momento, da qualidade de Promotor de Justiça – quer se ver livre, o quanto antes, seja como for.

Marcelo Lessa Bastos
Promotor de Direitos Difusos
mlbastos@fdc.br

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