Militares norte-americanos no paraguai

Causou celeuma e justificada preocupação por parte de setores da intelectualidade e do poder público brasileiros a notícia de que o Governo do Paraguai teria autorizado a instalação, em seu território, de uma base militar dos Estados Unidos.

O alarme em torno da notícia – prontamente desmentida pelo Embaixador do Paraguai no Brasil, Luís González Arias –, logrou demonstrar que ainda são longos caminhos a serem percorridos pelos países do Mercosul na tentativa de se tornar uma verdadeira “Comunidade de Nações”, estágio de integração política que pressupõe, além da delegação de tarefas a instâncias supranacionais e renúncia a prerrogativas significativas de soberania nacional, transparência nas negociações diplomáticas e, logicamente, existência de um sistema de segurança e defesa coletiva.

Muitos são os obstáculos que impedem uma ampla e irrestrita cooperação entre os sócios do Mercosul nos assuntos atinentes à segurança e à defesa. Os resquícios de algumas rivalidades históricas, o baixo perfil das instituições comuns, as divergências em matéria de política externa e as diferentes visões de mundo entre atores estatais, especialmente os militares, impedem o avanço do Mercosul para um degrau mais elevado de escala comunitária. Ainda, os diferentes padrões pelos quais se consolidaram as relações cívico-militares em cada país, após o período de redemocratização nos anos 80 e 90, impediram o desenvolvimento de uma identidade comum e de uma missão compartilhada entre as Forças Armadas nacionais.

No caso do Paraguai, as Forças Armadas sempre desempenharam papel privilegiado na vida política. O cenário político-institucional se caracteriza, ainda hoje, pela simbiose entre três vértices: uma burocracia estatal formada, não majoritariamente por critérios de mérito, mas por práticas clientelistas, em detrimento do profissionalismo burocrático; um partido político dominante, o Partido Colarado, de tradição oligárquica e autoritária, e as Forças Armadas, também tradicionalmente conservadoras, constituindo uma espécie de “complexo político-militar-colorado”, expressão cunhada pelo cientista político paraguaio Josè Luìs Simón.

No Brasil, ao contrário do que ocorreu no Paraguai, a “volta aos quartéis” deu-se de uma forma menos traumática para os militares, possibilitando que as Forças Armadas voltassem a priorizar seus objetivos maiores e característicos, como a defesa das fronteiras. As preocupações mais importantes de caráter geopolítico se deslocaram da Bacia do Prata para a Região Amazônica, exposta ao contrabando, ao tráfico de drogas e outras ameaças.

Existem, portanto, diferenças significativas na forma como militares brasileiros e paraguaios enxergam suas respectivas posições em seus cenários políticos domésticos e no que tange ao papel que entendem ter a desempenhar para uma melhor inserção de seus países no sistema internacional. Descarta-se, assim, a formação de uma “Força Armada do Mercosul” ou, pelo menos, a discussão de uma Política Externa Comum de Segurança e Defesa, capaz de proteger coletivamente o espaço territorial dos países do bloco. Vale lembrar que, na Europa, a discussão em torno de normas comuns de segurança e defesa constitui, até hoje, um dos temas mais delicados do processo de integração regional.

O que podemos deduzir então a partir da notícia e do desmentido? Claramente, o que vemos é que se aproveitam os Estados Unidos do momento de debilidade política que o MERCOSUL atravessa em razão dos desentendimentos entre Brasil e Argentina, da crise política que o Brasil atravessa e da insatisfação crônica de paraguaios e uruguaios com os rumos da integração regional, para testar nosso grau de coesão, tendo como suporte perfeito para essa propositada intromissão sua doutrina de segurança de guerras preventivas e de potencial uso unilateral da força. Devemos considerar que a Tríplice Fronteira pode vir a se constituir numa região sob medida para o Governo George W. Bush dar vazão às suas práticas. Estejamos atentos e não aceitemos o rótulo de alarmistas irresponsáveis.

Carlos Maurício Pires e Albuquerque Ardissone
Mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ e também coordenador e professor do Curso de Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá – Niterói (RJ)

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