Estados devem assegurar melhores condições de trabalho a policiais

Leonardo Pantaleão *

A crise que abate as polícias civil e militar no contexto nacional é algo que, indubitavelmente, remete-nos, cidadãos brasileiros, a uma crítica reflexão. É preciso uma abordagem frontal do tema, no sentido de avaliar e detectar os pontos irradiantes de tal constrangimento que assola o já tão sofrido e desgastado povo brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 assegurou o Estado Democrático de Direito, as competências, funções e atribuições específicas para cada entidade federativa. Adotada a forma federativa de distribuição do poder, aos Estados-membros, entre outras atribuições, coube a da segurança pública dentro de seus limites geográficos, o que implica, na esfera orçamentária, recursos financeiros à consecução da atividade de manutenção da ordem pública e do bem-estar dos indivíduos que integram a comunidade.

Definiu a Lei Maior, como princípios norteadores em que se fundamenta o Estado brasileiro, a dignidade e a atribuição de valores sociais ao trabalho; além da soberania, cidadania, livre iniciativa e pluralismo político.

Na seara constitucional, dignidade é um valor absoluto, de importância lapidar para a consolidação do respeito à pessoa humana, sendo que a consideração que lhe é devida está acima de qualquer outro valor ou direito estabelecido pelo Estado. A preocupação do legislador constituinte, também destinatário da norma, é baseada no senso de respeito à natureza humana.

Sem dignidade, os demais valores da vida perdem força e até carecem de significado. Despiciendo apregoar a igualdade entre os brasileiros natos e naturalizados, ressalvadas as exceções normadas, sem que se lhes confira o ingrediente basilar: a dignidade.

O valor social ao trabalho deve, primordialmente, ser interpretado como aquele atribuído aos trabalhadores, recipiendários, no contexto social, do respeito devido aos colaboradores diretos da estabilidade comunitária.

Atribuir valor social ao trabalho é conferir ao trabalhador, seja público ou privado, condições mínimas de existência digna. Através de justa remuneração e de condições satisfatórias para o seu desenvolvimento, seja no âmbito profissional, pessoal ou familiar. É propiciar-lhe, e à sua família, lazer, saúde e educação.

É, acima de tudo, defendê-lo como pessoa e profissional, para que possa cada vez mais integrar-se ao desenvolvimento nacional. É, finalmente, possibilitar-lhe o alcance de seus anseios e objetivos.

Questão policial

Antagônica tem sido a idealização do sistema constitucional pátrio com a realidade que se percebe. A maior parte dos trabalhadores carece de condições mínimas e indispensáveis. O capitalismo selvagem e o constante intuito de lucro, gradativamente, alteram a visão e a ordem das coisas, ficando o ser humano em posição secundária diante do próprio ser humano, atrofiando-se e aniquilando-se as perspectivas de progresso individual.

No tocante à questão concernente às polícias, é de se ponderar a inadequação de quaisquer medidas emergenciais, que tendam a se tornar permanentes. Principalmente, naquilo que diz respeito à ampliação das funções e atribuições das forças armadas, além das previsões estritamente constitucionais.

Trata-se, em verdade, de se corrigir, tão prontamente quanto possível, a distorção salarial existente nas corporações policiais. Os vencimentos precisam ser reajustados correspondentemente às necessidades básicas do prestador do serviço essencial de segurança, mostrando-se imprescindível a elaboração de quadros de carreira que reflitam adequada proporção na escala de padrões remuneratórios.

Na natureza do serviço essencial encontra-se o funcionário que o presta, e que, por sua vez, tem direito à garantia do preenchimento de suas primordiais necessidades.

Haja vista que a estrutura federativa é incompatível com a transferência dos serviços policiais às forças armadas. Segurança pública é assunto de cada Estado-membro que devem assegurar aos funcionários policiais, todas as imprescindíveis condições de trabalho, criando-se, inclusive, setores técnicos de apoio e orientação psicológica. Enquanto tais medidas não vierem a ser rigorosamente implementadas, nada impedirá, na esfera compreensível da condição humana, até os movimentos indesejáveis de indisciplina, como meio desesperado de se atingir o atendimento de reivindicações, essencialmente, justas.

Que o Estado, então, seja, desde que é o próprio instituidor dos direitos dos trabalhadores e dos servidores públicos, o primeiro a cumprir os preceitos constitucionais, dando a cada funcionário policial aquilo que lhe toca por justiça e direito. Não agindo desta forma, a administração pública atrairá sobre si mesma e sobre a coletividade, o inevitável caos decorrente da insatisfação, da insegurança e do descrédito.

É assunto para se refletir…

Leonardo Pantaleão é advogado, especialista em Direito Civil, mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor universitário.

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