Direito à Honra

Leonardo Bessa

Para Pontes de Miranda “A dignidade pessoal, o sentimento e a consciência de ser digno, mais a estima e consideração moral dos outros, dão o conteúdo do que se chama honra” (Tratado de Direito Privado, T. VII, Ed. Borsoi, 1971, p. 44). A honra é analisada tradicionalmente sob duas perspectivas que se completam: objetiva e subjetiva. A honra objetiva refere-se à reputação, ao conceito que o homem goza perante a sociedade. A honra subjetiva, de outro lado, diz respeito à auto-estima, ao sentimento da própria dignidade. A proteção à honra resguarda o bom nome, a consideração social da pessoa nos ambientes profissional, comercial, familiar e outros, bem como a consciência da própria dignidade.

Em termos axiológicos, a honra já foi posta ao lado da vida: Honoris causa et vita aequiparantur. Entende-se que sem honra o homem simplesmente não alcança progresso social nem satisfação espiritual plena. Adriano de Cupis sustenta que o direito à honra “pode ter-se como primário, em ordem de importância, entre aqueles direitos da personalidade que têm por objecto um modo de ser exclusivamente moral da pessoa”. Acrescenta o jurista italiano que “a boa fama da pessoa constitui o pressuposto indispensável para que ela possa progredir no meio social e conquistar um lugar adequado; e, por sua vez, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal representa uma fonte de elevada satisfação espiritual”. (Direitos da Personalidade, Ed. Livraria Morais, 1961, pp. 111-112).

Em épocas distantes, já se encontra proteção jurídica da honra, embora sem o amadurecimento atual, decorrente de sua inclusão entre os direitos da personalidade.

No antigo direito grego, a difamação e a injúria, que estavam englobadas numa única denominação, eram considerados ilícitos, existindo um tratamento preciso para as ofensas dirigidas por meio de palavras injuriosas ou que atribuíssem publicamente fato que prejudicasse a consideração moral de alguém.

Em Roma, a honra era protegida pela actio injuriarum. Sua tutela, todavia, não atingia todas as pessoas. O escravo, por não ser considerado pessoa e não gozar de liberdade, não possuía honra civil. Só em situações de gravidade extrema, quando a lesão ao bem atingia diretamente o seu próprio dono, é que se configurava a existência da injúria.

Na Idade Média, é notável a atenção do direito canônico à proteção da honra. Esclarece Aparecida Amarante que a partir do Século IX “a infâmia entrou para as fontes do direito canônico, mas só mais tarde (séculos XI e XII) este direito acolheu, de modo pleno, a pena de infâmia, buscando-a nas fontes romanas, com modificações de natureza germânica e própria da Igreja”. (Responsabilidade Civil por Dano à Honra, Ed. Del Rey, 1998, p. 26).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), embora seja considerada um importante marco na evolução do reconhecimento dos direitos da personalidade, não fez expressa referência ao direito à honra. Os primeiros códigos civis, elaborados após à Declaração de 1789, por possuírem um caráter eminentemente patrimonial, também não estabeleceram uma disciplina particular para os direitos da personalidade.

Foi (e continua sendo) no âmbito do Direito Penal que a honra tem recebido maior atenção do legislador. O Código Penal francês de 1810 já previa a calúnia e a injúria como crimes contra a honra. A primeira consistia em imputação de fato que sujeitaria o autor a processo criminal ou correcional ou, ao menos, ao desprezo público. A injúria era considerada delito ou contravenção. No primeiro caso, se a expressão ultrajante consistisse na imputação de vício e fosse proferida publicamente. Por lei de 17 de maio de 1819, o termo calúnia foi substituído por difamação que se distinguia da injúria por ser imputação de fato determinado.

Em virtude da timidez do direito privado em disciplinar o direito à honra, as manifestações judiciais ganharam especial relevo. A propósito, esclarece Aparecida Amarante: “acolhendo ou não os casos levados a seu julgamento, o certo é que a jurisprudência, com o auxílio de normas constitucionais, construiu a noção ampla, que serve de fundamento à proteção dos direitos da personalidade, que não são previstos especificamente em muitas legislações privadas, como no caso do direito à honra” (obra citada, p. p. 45).

Consigne-se que a possibilidade e extensão da proteção da honra da pessoa jurídica têm gerado, sobretudo entre os penalistas, algumas controvérsias. Parece ser majoritário o entendimento segundo o qual o ente moral só pode ser sujeito passivo do crime de difamação. Por não possuir sentimento de dignidade pessoal, não pode ser vítima de injúria.

Sob o aspecto cível, não há como negar direito à honra à pessoa jurídica, que, embora não tenha sentimento da própria dignidade, possui conceito no meio social. O Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência neste sentido, sobretudo ao examinar a possibilidade de indenização por dano moral decorrente de protesto indevido de título cambial.

Ilustrativamente, consigne-se a decisão proferida no julgamento do recuso especial 60.033-2 (DJ em 16 de março de 1998). Do voto do Relator, Ministro Ruy Rosado Aguiar, extrai-se a seguinte fundamentação: “Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame: a honra subjetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, possível de ficar abalada por atos que afetem o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua”.

Registre-se, ainda, o teor da Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 08 de setembro de 1999: “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

O direito à honra é um bom exemplo da afirmação de que, embora a existência de ramos do Direito seja, antes de tudo, didática, muitas questões cíveis não são “respondidas” pela Constituição Federal ou pelo Código Penal, sendo necessária, especialmente para afastar incertezas, uma disciplina mais densa. A honra, além de prevista entre os direitos fundamentais (artigo 5o, X, da CF), tem ampla proteção penal, tanto no Código Penal (artigos 138 a 145) como em leis especiais (Lei de Imprensa – artigos 20 a 22 – e Código Eleitoral – artigos 324 a 326), mas foi quase que esquecida pelo legislador privado.

O Código Civil de 1916, seguindo a tendência dos códigos editados no Século XIX, não conferiu disciplina própria à honra. Além da norma genérica da responsabilidade civil pelo ato ilícito (artigo 159), há apenas algumas referências no título específico “da liquidação das obrigações” (artigos 1547, 1548 e 1549).

Questões referentes à indisponibilidade do direito (especialmente seu grau e extensão) e a situação após a morte do titular continuam sem resposta, gerando debates infindáveis, assistido, de longe, por um indiferente legislador.
* Leonardo Roscoe Bessa é titular da Segunda Promotoria de Defesa do Consumidor (MPDFT), mestrando pela UnB e professor de Direito Civil.

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