Da Ação Revocatória no direito brasileiro

Ação revocatória é o meio judicial de que se vale o síndico, ou na sua omissão, qualquer credor, para que, com a declaração de ineficácia ou revogação do ato jurídico do devedor, com base nos artigos 52 e 53 do Decreto-Lei 7661/45 (LF)

Anderson Valente

Conceito

Ação revocatória é o meio judicial de que se vale o síndico, ou na sua omissão, qualquer credor, para que, com a declaração de ineficácia ou revogação do ato jurídico do devedor, com base nos artigos 52 e 53 do Decreto-Lei 7661/45 (LF), o bem seja restituído à massa falida. É uma ação de conhecimento específica do direito falimentar, em que uma vez julgada procedente, autoriza a inclusão dos bens correspondentes à massa.

Este ato jurídico praticado pelo devedor deve ser ineficaz ou revogável, e praticado antes da falência, para que entrem na massa os bens indevidamente retirados do seu patrimônio. Os atos praticados pelo devedor comerciante em um determinado tempo antes da falência são suspeitos e por isto são alcançados pela falência, buscando proteger os comerciantes de boa-fé. Não se destina à revogação do ato jurídico negocial fraudulentamente simulado ou fraudado. Surge esta ação por efeito da sentença de abertura da falência, e se destina à recomposição do patrimônio desfalcado do devedor falido, em detrimento da coletividade de seus credores, pela prática de algum ato enumerado na lei e presumidos por esta.

Diferencia-se da ação pauliana, porque esta é uma ação de nulidade, enquanto que a ação revocatória não implica nulidade, pois o negócio permanece válido entre os contratantes, só não se revestindo de eficácia para a massa. A ineficácia não ataca o ato, mas exclusivamente a parte deste que prejudica os credores. A ação revocatória atua no interesse coletivo, favorecendo toda a massa falida, enquanto a ação pauliana é somente no interesse de que a propõe. O falido não é réu na ação revocatória, o que não acontece na ação aquiliana, em que sempre será réu o devedor.

Fundamentos

Um comerciante, ao pressentir que se encontra em situação pré-falencial, pode-se ver tentado a livrar-se da decretação da quebra ou de suas conseqüências por meios ilícitos, fraudando os credores ou a finalidade da execução coletiva – par conditio creditorium. Para coibir este tipo de comportamento, a LF (Lei de Falências – Dec.-Lei 7661/45) considera determinados atos praticados pelo falido antes da quebra como ineficazes perante a massa falida. Os atos ineficazes, segundo a LF, não produzem qualquer efeito jurídico em relação a massa falida. Tais atos ineficazes estão previstos nos artigos 52 e 53 da LF.

No direito falimentar existem duas espécies de ação revocatória (1):

a) revocatória por ineficácia: envolve as hipóteses previstas no artigo 52 da LF, decorrendo da prática, pelo falido, dos atos e fatos enumerados nas alíneas do dispositivo legal nominado. Não pressupõe intenção de fraudar. São somente atos ineficazes, em que uma mera petição ao juiz da falência basta para declarar estes atos. Objetiva a declaração de ineficácia com relação à massa. Têm, em regra, as seguintes marcas: a ineficácia é condicionada à prática do ato em certo lapso temporal, mas prescinde da caracterização de fraude. Tenha ou não havido intuito fraudulento no ato do falido, este, se for uma das hipóteses do artigo 52 da LF será ineficaz perante a massa falida se praticado dentro do prazo da lei. É irrelevante se o falido agiu ou não com fraude para que o ato, neste caso, seja ineficaz. Há, contudo atos que independentemente da época em que ocorreram e da comprovação de fraude, são reputados ineficazes. São a antecipação de restituição de doto (art. 52, VI) e a alienação irregular de estabelecimento comercial (art. 52, VIII). Têm eficácia objetiva, pois independe dos motivos do ato do falido.

b) revocatória por fraude: prevista no artigo 53 da LF. É irrelevante a época em que o fato foi praticado, próxima ou distante da decretação da falência, bastando para a sua ineficácia perante a massa a demonstração de que o falido e o terceiro contratante agiram com fraude (concilium fraudis). Independentemente da época em que o ato foi realizado, se ele objetivou fraudar credores ou a finalidade da execução coletiva, não produzirá seus efeitos perante a massa falida. Sua eficácia é subjetiva, pois é atinente à intenção do falido. Este artigo 53 tem maior amplitude que o 52, pois o ato por ele alcançado não importa quando tenha sido praticado, mas sim se o foi com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude, pois esta não se presume, e também a intenção de prejudicar os credores. Deve ser demonstrado o concilium fraudis (intenção de fraudar) e o eventus damni (resultado danoso aos credores), embora a jurisprudência tem admitido em alguns casos a presunção do concilium fraudis.

A ineficácia do ato, tanto em relação ao artigo 52, como ao artigo 53, deve ser declarada judicialmente, pela ação revocatória, prevista nos artigos 55 e 56 da LF. É uma ação de conhecimento específica do processo falimentar, que visa autorizar a inclusão dos bens correspondentes na massa falida.

É competente ratione materie o juízo falimentar, por força do juízo universal (vis attractiva), que exerce sobre as ações de interesse da massa uma vinculação a que não escapa a ação revocatória, razão pela qual deva ser proposta perante o próprio juízo da quebra.

O juízo da falência processa a ação revocatória pelo rito ordinário, previsto nos artigos 282 e ss., do CPC, como expressamente estatui o artigo 56 da LF, in verbis: “A ação revocatória correrá perante o juiz da falência e terá curso ordinário”.

De acordo com o artigo 56, § 1º da LF, a ação revocatória deve ser proposta até um ano, a contar da data da publicação do aviso do síndico, dando conta da iniciação da realização do ativo e o pagamento do passivo (art. 124, LF). Este prazo é decadêncial e não prescricional, o que significa que se não proposta a ação na época oportuna, haverá perda do direito pela expiração do termo. O síndico que perder este prazo não responde, perante a massa, pelas conseqüências advindas da perda do direito, pela razão de que a legitimidade é concorrente de qualquer credor, após 30 dias do referido prazo.

Têm legitimatio ad causam ativa o síndico (art. 55, LF) com exclusividade até 30 dias seguintes à data da publicação do aviso de início de liquidação e concorrente com qualquer credor após esse prazo. Essa legitimidade não é dado ao Ministério Público, razão pela qual ao curador de massas falidas não é dado propor ação revocatória. A legitimidade passiva pertence à:
a) todos os que figuraram no ato, ou que, por efeito dele, foram pagos, garantidos ou beneficiados;
b) os herdeiros ou legatários das pessoas acima mencionadas;
c) os terceiros adquirentes, se estes tiverem conhecimento, ao se criar o direito, da intenção do falido de prejudicar os credores, ou nas hipóteses previstas no artigo 52 da LF.

A ação revocatória pode ser precedida de seqüestro. “Seqüestro é a medida cautelar que assegura futura execução para entrega de coisa e que consiste na apreensão de bem determinado, objeto do litígio, para lhe assegurar entrega, em bom estado, ao que vencer a causa” (2). É o que deixa claro § 3º do artigo 55.

O recurso cabível da sentença revocatória é a apelação, que cabe no prazo de 15 dias à contar da sentença. A apelação poderá ser recebida só no efeito devolutivo, no caso do artigo 52, e no devolutivo e suspensivo no caso do artigo 53. Na eventualidade de ser a ação precedida de pedido de seqüestro, indeferida a medida cautelar citada, o recursos é o de agravo de instrumento.

Conquanto que declarado ineficaz ou revogado com relação à massa, o negócio permanece válido entre os contratantes, por isto que a ação revocatória não ataca o ato, mas exclusivamente a parte deste que prejudica aos credores. Aos terceiros de boa-fé reserva-se o direito de propor contra o falido ação de perdas e danos, o que é inócuo, dado o manifesto estado de insolvência do falido.

A LF permite ao síndico defender a massa, em ação ou execução proposta por quem contratou com o falido, ou mesmo em qualquer ação, como defesa, a ineficácia do ato. Tal atitude vedará a possibilidade de propor a ação revocatória, mesmo porque haveriam duas ações com o mesmo propósito, quanto à massa.
Conclusão

Alguns atos praticados pelo falido antes da decretação da falência, que por sua situação delicada e tentando fugir à decretação, muitas vezes, deles se socorre. Em tais atos, a Lei de Falências fixou que sejam alcançados com termo determinado (art. 52) e outros independentemente de quando tenham sido praticados pelo falido (art. 53). Em ambos os casos, o que se pretende é a revogação deste ato, e não sua anulação, repondo esta situação ao seu status quo ante. A ação revocatória é o meio de que a situação seja colocada no estado anterior que se encontrava antes da pratica dos atos ineficazes e dos praticados com fraude, sendo que deve ser proposta nos 30 primeiros dias pelos síndico e se tornará concorrente a todos os credores após este prazo. Poderá ser proposta contra quem figurar no ato, todos os que por efeito do ato forem pagos, garantidos ou beneficiados, e os herdeiros ou legatários destas pessoas. Será julgada como ação ordinária e correrá perante o juízo de falência, sendo que o recurso cabível é a apelação.

Notas:

(1) Amador Paes de Almeida, Curso de Falência e Concordata, 17ª ed., p. 220.
(2) Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil vol. II, 28 ª ed., p. 413.

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Concordata. 17ª ed. ampl. e atual., São Paulo: Saraiva, 1999.

ANDRADE, Jorge Pereira. Manual de Falências e Concordatas. 4ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 1993.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 9ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 1997.

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